“Os músicos de sucesso, fora de ?Angola, não retratam a diversidade”
Entrevista. Começou a escrever aos 11 anos poemas soltos, influenciada pelo mundo mágico dos livros infantis. Hoje, com mais de 20 anos de carreira, na escrita e na música, Kamguimbo Ananáz dá conselhos. Pretende lançar um CD acústico de trovas, mas a falta de patrocínios faz repensar. Acredita que um escritor tem de ter vivência e convivência para se orientar melhor.
Um livro pode mudar a vida de uma pessoa. Concorda?
Temos um défice no gosto e hábitos de leitura. Devemos ser amigos do livro, temos de gostar. Gostando, temos a necessidade de o ler e fazer essa viagem de continente a continente. Se tivermos de falar do livro, começaria pelo infantil que é a base, que é a maioridade, não menoridade. Há pessoas que desprezam a literatura infantil que nunca leram um livro infantil e nunca tiveram a oportunidade de estar absorvido por uma história, sentado numa esteira ou num jango, ou surgir um mais velho que lhe passa uma mensagem. Nem sempre aquela pessoa que lê um livro consegue pelo menos contar-nos o que leu. Não concordo com a essa história de que quem lê um livro nunca mais é a mesma pessoa. É preciso ler e reler, para conseguir fazer uma leitura transversal e saber contar a história. O escritor tem de ter vivências e convivências. Precisa conhecer intensamente aquilo que se vive num país. É isso que o faz sentir a arte.
Os seus livros têm a capacidade de mudar mentalidades?
Talvez não seria eu a falar deles, por uma questão de humildade. Mas tenho tido uma boa reciprocidade.
Um ‘workshop’ de escrita pode ser relevante ou vantajoso para alguém que ambicione ser escritor?
Podíamos começar com uma formação. Passei por ela na União dos Escritores Angolanos, de iniciação à escrita. Nem todos os jovens recorrem a essa formação. E há especialistas como Lopito Feijóo, Luís Mendonça, Adriano Botelho de Vasconcelos e tantos outros. Há muito plágio na escrita, já demos conta deste défice.
É mais difícil escrever para um adulto ou para uma criança?
Temos de ter uma linguagem cuidada quando se escreve para crianças, porque temos de educar a criança e orientá-la para a vida. É preciso ir buscar a doutrina dos princípios que não se apagam. Do respeito pela mãe e pelo pai, a maneira de se sentar, cumprimentar e etc... tem de haver um diálogo simples. A literatura para adultos tem de ter aberturas. O que escrevo? Como vou direccionar? Como é que o homem foi formatado? Como é que esse homem é violento? Entre outros assuntos que devem ter cuidado ao escrever. Tem de se ter a preocupação para o resgate dos valores morais.
Concorda que a nova geração lê pouco?
Concordo. Porque a nova geração não teve essa base. Será que tiveram a oportunidade que tive? O meu papel agora é dar e não guardar.
Qual é o papel do escritor ou músico?
É um formador de consciência. Quando não tem esse papel é porque naturalmente não teve a base, por mais que nos pintemos não conseguimos fazer nada.
E o que é que a geração da Kanguimbo Ananáz está a fazer?
Estamos hoje a fazer um trabalho de ponto de vista mais comercial. Mas aconselho a fazer trabalhos mais de consciencialização do que comercial. Onde está a música infantil? Todo o trabalho que tiveram as Gingas, Maya Cool, Yuri da Cunha e tantos outros, onde é que encontramos a música infantil? O que é o cupido para mim? Os músicos que estão a fazer sucesso fora de Angola não retratam a diversidade cultural de Angola. Hoje não há publicidade de uma música que retrate as quedas de Kalandula, por exemplo, entre outras belezas que Angola tem.
Considera-se popular?
Considero-me uma escritora junto das pessoas. Gosto do que faço. E não posso olhar para as pessoas pelo seu ‘status’ social.
Renasce ou se renova a cada trabalho novo?
Todos os dias renovo-me espiritualmente falando, até porque sou crente. Vou sempre em busca das sinergias espirituais. Todos os dias sou um vaso novo.
É possível viver só da literatura?
Não. Mas sinto na literatura a riqueza, porque alimenta o meu ego e o meu instinto e é dessa forma que consigo no dia-a-dia suportar o mal e o bem. Não sou uma mulher recalcada, cresci bem, apesar das dificuldades que passei sou a 9.ª de 14 filhos.
PERFIL
Mara Manuela Cristina Ananáz, de nome artístico ‘Kanguimbo Ananáz’, nasceu a 3 de Fevereiro de 1959, no Namibe. É membro da brigada jovem de Literatura de Angola e da União dos Escritores Angolanos e directora da Casa de Cultura Njinga Mbandi. Licenciou-se em Literatura Portuguesa e Psicologia e é escritora há mais 20 anos e palestrante há 15. É apresentadora e comentadora de vários temas sociais. Publicou os livros ‘Seios do Deserto’, ‘O Avô Sabalo’, ‘Soba Kangueia e a Palavra’, ‘O Regresso Kambongue’ e ‘Pétalas Rasgadas’
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