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Crise sem fim à vista

Os números e factos que ‘defendem’ as relações entre Angola e Portugal

DIPLOMACIA. Assim como os números que caracterizam as trocas comerciais entre os dois países, a confiança e a solidariedade devem ser postas na balança quando analisada a relação bilateral. Só com os emigrantes, os sistemas financeiros movimentam anualmente mais de 200 milhões de euros por ano.

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Apesar da impossibilidade de se sustentar com números, é consenso que muitos angolanos e portugueses acompanham, com ansiedade, o julgamento do conhecido ‘caso Manuel Vicente’, em Portugal, cujo desfecho poderá hipoteticamente determinar o futuro das relações entre os dois países.

Não faltam estatísticas nem factos que justifiquem a elevada expectativa e a razão de este interesse não se limita aos meios políticos, diplomáticos e empresariais.

Os motivos vão para além das estatísticas correspondentes às trocas comerciais. Suportam-se também nos factos intangíveis, “como a confiança e a solidariedade, que não se conquistam com os acordos de financiamento entre os estados”, como explica um analista em declarações ao VALOR.

A intervenção de Portugal para que a TAAG fosse autorizada a retomar os voos parcialmente para a Europa, em 2009, depois de ter sido posta na lista negra europeia, em 2007, é para este analista “uma prova” desta confiança e solidariedade.

“O acordo de cooperação e assistência assinado entre as autoridades da aviação civil de Angola e Portugal permitiu à transportadora [TAAG] voar novamente para Portugal apenas com certos aparelhos e segundo condições muito estritas”, anunciava, na altura, a Comissão Europeia.

Reciprocamente, alguns analistas citam operações em que o capital angolano teve de intervir para “salvar” instituições de sectores estratégicos em Portugal. A compra do BPN pelo BIC Portugal, há mais de cinco anos, é mencionada como exemplo disso mesmo, numa altura em que a economia portuguesa era devastada por uma crise sem precedentes e nenhuma outra oferta para o BPN se mostrava “generosa”, como a do BIC, que dava a garantia de preservação de mais de 900 postos de trabalho.

Testemunhas dessa operação, concretizada em 2012, revelam que o accionista Américo Amorim até teria reprovada o negócio, mas acabou convencido pelos seus pares com ligações a Isabel dos Santos e a Fernando Teles e que encaravam o capital angolano “com bons olhos”.

Há mais factos. Embora não existam números concretos, é certeza que os portugueses têm uma presença significativa em quase todos os sectores de actividade no país. Encontram-se nas estruturas operacionais e executivas do ‘top 5’ da banca; comandam os cargos executivos na distribuição, como acontece no Candando, Kero e Maxi, principais ‘players’ do sector, e comandam os gabinetes de engenharia na generalidade da indústria.

As estimativas mais recentes estimam entre 100 e 150 mil portugueses a viver e a trabalhar em Angola e cerca de 20 mil angolanos em Portugal (número que peca por defeito, uma vez que muitos angolanos optaram por adquirir a nacionalidade lusa. Esses números ajudam a explicar a diferença nas remessas enviadas de cada lado.

Em 2016, os portugueses que estão Angola transferiram o correspondente a 205,89 milhões de euros, enquanto os angolanos enviaram 17,54 milhões. Um movimento financeiro de 223,43 milhões de euros, o menor dos últimos três anos, em que a média se situou nos 239,28 milhões de euros. Ou seja, uma ruptura político-diplomática, com consequências nas relações económicas e financeiras, levaria a que os sistemas financeiros dos dois países perderiam um fluxo de mais de 220 milhões de euros relacionados exclusivamente com remessas, com impacto não apenas nos depósitos, mas também nos lucros com os serviços financeiros de transferência. Mas a balança de pagamento entre os dois países aponta para números mais relevantes.

Em 2016, o total corrente fixou-se em 4,1 mil milhões de euros, com a Angola a exportar pouco mais de três mil milhões de euros. A média da balança corrente de pagamento dos últimos três anos está fixada, entretanto, em cerca de 5,6 mil milhões de euros. Desse valor, 195,87 milhões correspondem aos rendimentos de investimento, dos quais 170,15 milhões de portugueses em Angola.

Os dados mais recentes do Banco de Portugal (BdP) revelam que o investimento directo estrangeiro (IDE), de Portugal é quase 7% do IDE feito em Angola. Já o investimento angolano representa pouco mais de 1% dos capitais estrangeiros investidos em Portugal. Os angolanos, entretanto, investem cada vez mais em Portugal. No final do primeiro semestre do ano passado, os números ultrapassavam os 1.757 milhões de euros, mais 3,2% do que no final de 2015.

Entretanto, existem cada vez menos empresas portuguesas a exportar para Angola e também os portugueses investem menos no país. No final do primeiro semestre, Portugal tinha investido 3.693 milhões de euros em Angola, uma quebra de 20,5% face ao final de 2014, quando o investimento em Angola estava em máximos.

‘Portos seguros’

As estatísticas relativas à contribuição que cada um dos países tem para o crescimento do comércio internacional do outro mostram que as duas economias já foram mais dependentes uma da outra. E que, nos últimos anos, Angola vai perdendo a sua importância para o mercado português. O inverso também é verdadeiro, mas de forma menos acentuada.

Por exemplo, depois de ser o quarto maior comprador de Portugal entre 2012 e 2014, Angola passou para a oitava posição em 2016, mantendo-a entre Janeiro e Outubro de 2017. Em termos percentuais passou de uma taxa de 6,61% em 2012 para 3% em 2016 e, nos primeiros d10 meses de 2017, para 3,28%. Como fornecedor, passou da sexta (3,16%) para a 12ª (1,32%), em 2016, e 35ª (0,38%), nos primeiros 10 meses de 2017.

Em relação a Portugal para Angola, enquanto comprador passou de sexto maior (3,02%), em 2012, para oitavo, em 2016, mas viu a sua quota aumentar para 3,27%. Pelo meio, teve anos com maior importância, como foi 2013 em que foi o quinto maior comprador, representando uma taxa de 4,78%. Em 2015, Portugal foi o sétimo maior comprador com uma quota de 3,55%.

Enquanto fornecedor, Portugal, em 2016, colocou-se como o segundo maior, tal como em 2012, 2014 e 2015. O melhor registo ocorreu em 2013, quando se colocou na primeira posição. Em termos de taxa, com 15,62%, em 2016, Portugal foi mais importante que em 2014 e 2015 quando as suas vendas representaram 14,94% e 13,78% respectivamente das compras angolanas.

No entanto, apesar de os números mostrarem que Angola está mais dependente do mercado português tanto para venda como para compra, diversos especialistas defendem que a Angola continua a ser um mercado estratégico para Portugal. Sustentam a tese recordando a importância que teve para as exportações portuguesas os anos difíceis da economia portuguesa, depois de 2008.

A relevância de Angola fica ainda mais clara quando se compara a importância que cada um dos mercados tem para o outro no seio dos Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). As vendas portuguesas para Angola, no primeiro semestre de 2017, representaram 74,3% do total para o grupo de países que falam português (1,2 mil milhões de euros), enquanto as exportações de Angola para Portugal representam 87,1% do total enviado para os PALOP.

“Hoje testemunha-se a um certo abrandamento nas trocas, mas deve-se, essencialmente à dificuldade no acesso às divisas em Angola, porque, em circunstâncias normais, os dois mercados são atractivos, oferecem muitas vantagens para os vários operadores económicos. São estes números que nos interessam e não as questões políticas e diplomáticas que, acreditamos, não serão suficientes para comprometer esta forte relação económica e de negócio”, argumentou um alto funcionário do AICEP que não quis ser identificado por a sua entrevista carecer de aprovação da ‘casa-mãe’.

Quem não nega que os “atritos políticos” podem criar barreiras nas relações económicas entre os dois países é Emídio Pinheiro, português, que durante vários anos liderou o BFA em representação do BPI. “As relações entre os dois países são muito importantes, muito intensas e tem potencial para se intensificarem ainda mais. É evidente que se houver atritos políticos entre os dois países, pode haver consequências impeditivas nas relações económicas”, salientou numa entrevista recente ao VALOR. Na ocasião, manifestou acreditar num “final desejado para todas as partes” e que a relação entre Angola e Portugal iria “continuar como sempre foi, excelente e calorosa”.

Negócios resistem às crises políticas

Não é a primeira vez que Angola e Portugal se interrogam sobre o futuro das relações económicas, devido a questões políticas. Em Outubro de 2013, por exemplo, o então presidente da República, José Eduardo dos Santos, anunciou o fim da parceria estratégica com Portugal. “Só com Portugal, as coisas não estão bem. Têm surgido incompreensões a nível da cúpula e o clima político actual, reinante nessa relação, não aconselha à construção da parceria estratégica antes anunciada”, disse José Eduardo Santos também na sequência da abertura de inquéritos na Procuradoria-Geral da República portuguesa, visando figuras angolanas.

Na sequência, foi cancelada a cimeira Portugal-Angola que estava para Fevereiro de 2014. A parceria em causa tinha sido desenhada em 2010 num encontro, em Luanda, entre os então presidentes Cavaco Silva e José Eduardo dos Santos. Os dois estadistas entenderam, na altura, que não bastava manter as relações históricas e culturais, baseadas na língua, mas era preciso avançar para uma cooperação estratégica. Facto é que as prioridades e o tempo de implementação nunca foram discutidos.

O ex-‘el dorado’

Em Outubro de 2011, o presidente da Mota-Engil Angola, Gilberto Rodrigues, fazia um balanço positivo da aposta do grupo em Angola. No espaço de um ano, a empresa passou a representar 27% do negócio total do grupo.

Por sua vez, a Barbot Angola passava a representar 10% do negócio do Grupo, segundo estimativa apresentada, na altura, pelo CEO, Carlos Barbot, manifestando o compromisso da marca em “consolidar a sua operação” no país. Em 2011, o mercado angolano passou a valer cerca de 20% da facturação total do grupo. Por sua vez, a Galp Energia anunciava investimentos de mil milhões de euros. A construtora Edifer, que tinha uma carteira de encomendas avaliadas em 300 milhões euros, anunciava o mercado angolano como “prioritário”.