OS ‘SES’ QUE REALMENTE IMPORTAM
Se é verdade que há, no MPLA, uma parte expressiva de militantes e dirigentes que discorda do rumo da governação de João Lourenço, mas simplesmente cala e consente; se é verdade que há, no MPLA, correntes que enveredam pela teoria da conspiração de que haverá interesses inconfessos de destruição do partido, mas são incapazes de se manifestar interna e externamente; se é verdade que se tornou rotineiro ouvir dirigentes do MPLA afirmarem, de forma categórica, que em Angola não há fome ou que todos os angolanos tinham condições de aprovisionar alimentos antes do estado de emergência, apesar de alguns desses dirigentes terem também famílias pobres; se é verdade que, nos corredores de ministérios e governos provinciais, há contestações contra a visão do Presidente, mas mantêm-se sequestradas pela sombra do medo; se é verdade que há comentadores que, em nome do MPLA, vão às televisões e rádios defender o oposto daquilo em que verdadeiramente acreditam, por disciplina partidária e temor a represálias; se é verdade que os juízes decidem nos tribunais com sentenças escritas nos laboratórios das ‘ordens superiores’ e, ainda assim, falam em nome da justiça; se é verdade que juízes são capazes de proferir sentenças escandalosamente contraditórias e ao arrepio da Lei, porque são pressionados por gente que aparece nos tribunais sem batinas; se é verdade que, ao contrário do que se pretende mostrar ao povo, o suposto combate à corrupção em muitos casos visa saquear bens na posse de determinadas pessoas colocadas na desgraça para serem passados para outras pessoas colocadas na graça; se é verdade que, na barragem de Caculo Cabaça, foi retirada a Niara Holding por alegadamente ter ficado com o projecto sem concurso público e foi colocada a Omatapalo sem concurso público; se é verdade que, perante as câmaras das televisões, pessoas que comprovadamente saquearam centenas de milhões de dólares aparecem a financiar projectos de velhos críticos da corrupção com a bênção dos novos rostos do poder e, ainda assim, acredita-se que se está a combater a corrupção a sério; se é verdade que a nomeação de filhos do ex-Presidente para cargos de relevo em instituições públicas é para os novos rostos do poder uma prática de nepotismo e a nomeação de filhos do actual Presidente é para os novos rostos do poder um prémio à meritocracia; se é verdade que se atropelaram todas as leis para se colocar no comando da Comissão Nacional Eleitoral alguém com a missão única de declarar a vitória do MPLA, independentemente do resultado nas urnas eleitorais; se é verdade que a Constituição era encarada pelos novos rostos do poder como um fato à medida do ex-Presidente, mas agora mostra-se justo e apertado para os que comandam a demonização do legado de José Eduardo dos Santos; se é verdade que o MPLA sabe que Bolsonaro foi eleito com uma agenda de combate à corrupção, mas em pouco tempo experimentou índices históricos de desaprovação, por escândalos que o associam à corrupção, por tentativas de instrumentalização da justiça e pelo agravamento da pobreza, entre outros; se é verdade que o MPLA sabe que Maurício Macri ganhou as eleições em 2015, prometendo prender Cristina Kirchner por corrupção, mas perdeu as eleições em 2019 por uma dupla em que Cristina Kirchner era a vice-presidente e, mesmo assim, continua a acreditar que a fome dos angolanos pode aguardar por mais meia década; se é verdade que o MPLA sabe que o reformismo de Deng Xiaoping está longe de se aproximar do simbolismo das conquistas de Mao e, ainda assim, embarca no estapafúrdico revisionismo que decidiu apagar 38 anos da História da Angola independente; se é verdade que o MPLA sabe que não há conquista possível de João Lourenço capaz de se sobrepor às conquistas da paz e do lançamento da reconciliação lideradas por José Eduardo dos Santos e, ainda assim, transforma o seu ex-Presidente no inimigo público número um da História de Angola; se tudo isso é verdade, então o país, se não piorou, estagnou nos 'ses' que realmente importam. E, se tudo isso é verdade, o MPLA continua fiel a si próprio, um movimento de massas sem vontade. Afinal, como desavergonhadamente explica Estaline a Jdanov, num diálogo proposto por Kundera, a primeira propriedade da vontade é a liberdade. E, se tudo isso é verdade, o MPLA continua sem liberdade, logo sem vontade. Especialmente a vontade de fazer país.
JLo do lado errado da história