MANUEL CORREIA DE BARROS, VICE-PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DE ANGOLA (CEEA)

“Para o melhor desenvolvimento do país e fim das crises, terá de se mudar a Constituição”

Desvaloriza a troca de ‘galhardetes’ entre o Chefe de Estado e o seu antecessor e considera mais importante traduzir as palavras em acções práticas para o benefício da população. O brigadeiro na reforma defende ainda uma nova Constituição, que leve os deputados a fiscalizar o Governo.

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A recente troca de palavras entre o Presidente João Lourenço e o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, não põe em causa a estabilidade política?

Essas lutas políticas não são importantes. Parecem-me mais relevantes as promessas do novo Presidente que devem ser traduzidas na prática. As pessoas não podem esperar eternamente pelos resultados. Se assim for, não será bom para a sua imagem.

Que avaliação faz do processo de transição do poder?

A transição foi feita ao nível do MPLA, mas isso não chega. Os poderes do Executivo são muito grandes e estão exclusivamente nas mãos do vencedor das eleições. Acho que isso não é benéfico. Há que mudar as mentalidades. Estou convencido de que, para o melhor desenvolvimento do país e fim das crises, terá de se mudar a Constituição. Para isso, é crucial a fiscalização da acção governativa. Os ministros devem deslocar-se regularmente à Assembleia Nacional para dar conta do desempenho do Governo. É assim em muitos países do mundo. Aliás, o Parlamento deve ser um órgão de controlo do Executivo e servir apenas para aprovar leis.

Há quem defenda que o Presidente da República deveria visitar Portugal quando foi à França ou à Alemanha por uma questão de custos. É da mesma opinião?

Acho que se deveria pensar em périplos para reduzir os custos, mas, nestas coisas, contam muito as agendas dos países de destino. Mas se deve pensar nisso com alguma profundidade, porque as despesas dessas viagens, na verdade, ficam muito onerosas aos cofres do Estado.

E como analisa a situação económica?

É complicada. A herança do governo anterior não é de todo brilhante. Mas, além disso, sou pouco optimista quanto à definição do preço do petróleo que, nos últimos meses, tem vindo a diminuir, estando abaixo daquilo que tinha sido previsto para o Orçamento Geral do Estado. Se a coisa já está muito complicada, mais ficará, por exemplo, em termos de vencimentos da função pública e da vida da maioria da população.

Perante esse quadro de complicações, qual é a saída?

Esperamos que não se complique tanto a vida do cidadão, mais do que está pela má situação financeira. Se há algumas ideias para facilitar a vida, a aposta deve ser na agricultura e na autonomia do sector privado.

Acredita em mudanças?

O país precisava de mudanças porque são necessárias, mas sabemos que nem tudo é fácil do ponto de vista da concretização. Essas mudanças não devem ser bruscas. É preciso algum tempo porque a situação é bastante crítica. Não se consegue fazer coisas em 15 dias. Esperamos que muitas das coisas prometidas sejam, na prática, cumpridas num horizonte razoável.

Que opinião tem sobre a ‘Operação resgate’?

É preciso ter muito cuidado com essas operações. Antes de avançar para acções como esta é preciso, primeiro, criar condições para continuar a sua actividade. As zungueiras desempenham e sempre desempenharam papel fundamental no país. Facilitam, com esse comércio informal, a vida a muitas pessoas. Andar por aí a correr essa gente das ruas com violência não é solução.

Qual é a solução?

A solução passa por formalizar a informalidade, mas tratar de documentos demora. Aliás, nenhum desses zungueiros está em condições de legalizar a sua actividade em menos de 30 dias por causa da burocracia. É preciso criar mecanismos para que sejam inseridos nos mercados e paguem, a posterior, a sua entrada nestes espaços e consigam a legalização conforme os rendimentos da sua actividade. Obrigar que paguem logo à entrada a preços altíssimos não nos leva a lado nenhum.

Acredita no sucesso da luta contra a corrupção e da lei do repatriamento de capitais?

É preciso ver que o problema da corrupção é transversal e não é apenas de Angola. Há que criar condições para combater esse fenómeno que existe em todo o mundo. É preciso acabar com essa prática a todos os níveis, mas, na verdade, não creio que a maka do retorno do dinheiro seja concretizada até Dezembro.

Porquê?

Esse dinheiro ilicitamente transferido para o estrangeiro dificilmente pode ser recuperado. Esses recursos financeiros estão domiciliados em bancos e esses não estão, de nenhum modo, interessados em enviá-los para Angola. O que tem de ser feito é evitar que isso se repita, que haja novos desvios de fundos públicos. Por outro lado, há que criar condições para que quem roubou seja julgado e condenado ao se concluir que assim o fez. Quem ganhou correctamente, pagou impostos e levou o dinheiro lá fora, porque as condições eram mais atractivas, deve ser acarinhado.

Há receios de que a crise económica pode juntar-se à política. Concorda?

As pessoas acreditam que isto pode mudar, mas, como já disse, não é bom fazer promessas. Estão a ser feitas promessas a mais para curto prazo. É preciso dizer que, para chegarmos a determinado ponto, precisamos de algum tempo. Temos de criar condições para que as pessoas comecem a melhorar o seu nível de vida, reduzir o desemprego, pôr a funcionar um bom sistema de educação e de saúde. Ao contrário, isso pode provocar descontentamento generalizado.

Mas há urgências de curto prazo...

Vamos ter de sofrer por mais algum pouco. Mas, sim, o mais importante é definir o que se pode fazer a curto prazo. Eu insisto, por exemplo, na burocracia, que é um destes problemas que deve ser resolvido com urgência.

Quanto tempo acha necessário para que as promessas se concretizem?

É devagar que se chega ao longe. Dizer que vamos lutar contra a corrupção, contra isto ou aquilo é difícil. Mas as pessoas devem sentir que algo se está a fazer. Resolver todos os problemas do país no mandato do Presidente João Lourenço é totalmente impossível.

Até 2022, o país arrisca-se a uma dinâmica de baixo crescimento. Chegar a uma fasquia de dois dígitos é uma miragem. Quer comentar?

Não se pode esperar um crescimento notável na actual conjuntura de incertezas do preço do principal produto de exportação, o petróleo. Quem governa deve dinamizar a economia. É preciso diminuir as importações de produtos básicos. Criar condições para que tudo o que for produzido em Angola sirva o país e depois a exportação. Quem está na agricultura deve sentir que vale a pena lá estar. Se produzir e ficar com os produtos em mãos sem possibilidade de escoar para os grandes centros de consumo, onde também podem ser transformados, não teremos hipóteses.

Em relação à aposta na agricultura, parece haver mais discursos do que uma aposta séria na produção em quantidade e qualidade…

Este é o problema que se coloca. Não devemos continuar a falar de mais. Já está provado que as empresas estatais não funcionam. Há que facilitar a vida a quem queira investir neste sector e criar condições de sustentabilidade do campo para que o camponês fique mesmo na sua aldeia ou na comuna com bons postos de saúde, escolas primárias, energia eléctrica e água. Nada de planos globais que depois não dão resultados.

Continua a defender uma política regional do petróleo no Golfo da Guiné?

Há que ter uma política de protecção. Há determinados cânones que são comuns a todos. Por exemplo, o papel da OPEP é fundamental para estudar a forma de conseguir preços melhores sem prejudicar a produção. O preço de venda do petróleo não deve ser muito baixo. A nossa produção do crude ‘offshore’ é muito onerosa. Logo, conta também a intervenção das próprias empresas que podem olhar para mercados onde devem explorar. É bom que as empresas estrangeiras se sintam confortáveis e não fujam para outros países. Isso tem de ser pensado. Tem de haver planos que devem ser bem lavrados de acordo com a realidade existente. Daí a nossa ideia da criação desse modelo de concertação à guisa da OPEP, no Golfo da Guiné. A ideia mantém-se e pode ser concretizada.

O nosso mar é profundamente desconhecido…

Não é um caso específico de Angola. Na maioria dos países africanos, não há mentalidade de que o mar é um importante recurso económico. É preciso ver que mais de 90% das nossas importações e exportações são feitas por via marítima. Então é preciso criar mecanismos fáceis e seguros para a utilização dessa via. Digo seguro porque, se a via não estiver segura, os preços dos produtos sobem.

Pode dar um exemplo?

Se o navio vem do exterior para desembarcar em Luanda, mas tem de esperar 15 dias para que haja lugar para descarregar, quem paga a demora acaba por ser o consumidor final. Havendo acções de pirataria, também acontece o mesmo porque o preço dos seguros para os navios aumenta e sofre igualmente o consumidor. Por outro lado, o mar é fonte de rendimento já que a maioria do petróleo é ali explorada. Além de ser um recurso importante para a pesca e o desenvolvimento da aquicultura, o mar também pode ser aproveitado para a produção de energia limpa e com a vantagem de que as marés são constantes. Logo, temos de pensar na segurança marítima.

Nos nossos portos, o tempo de espera é muito longo?

Não tenho números, mas é de muitos dias e isso custa muito dinheiro.

Porque os portos têm problemas de equipamentos quando, pelo mundo, já se fala de sistemas electrónicos de alinhamento de navios...

Exactamente.

Qual a sua opinião sobre o sistema de ensino?

Falta muita coisa porque ainda há muitas crianças fora do sistema. Mas o grande problema é a falta de professores de qualidade. Eles devem passar por boas escolas e não criar tantas universidades. Apostemos na instrução primária que tem de ser feita da melhor forma possível. É fundamental, a universidade vem por acréscimo. Temos de apostar na formação profissional que é fundamental para o desenvolvimento económico do país.

Em 2020, arrancam as autarquias?

Sendo que os problemas dos municípios são muito diferentes em todo o país, acho que o processo de desconcentração e descentralização deve ser gradual, mas a olhar para as especificidades locais quer em termos de recursos humanos, quer naturais.

Olhemos para o CEEA. Que balanço faz, 17 anos depois da sua criação?

Ficámos sem sede, porque o prédio onde trabalhávamos, no Kinaxixi, se dizia que estava a cair. Como se não bastasse, de seguida, faleceram duas figuras principais do CEEA, o presidente do conselho geral, general João de Matos, e o presidente do conselho executivo geral, também general, ‘Ita’. Isso complicou, em certa medida, a actividade. Para piorar, o centro foi considerado instituição de utilidade pública, mas, até hoje, nunca beneficiou financeiramente do Estado. Não temos funcionários em tempo integral, recrutámos quadros ‘sazonais’ em função da especificidade do trabalho. De todas as formas, no princípio do próximo ano, vamos realizar uma assembleia-geral para definir a futura direcção. Estou animado porque temos jovens com formação e capacidade que olham para o centro como uma oportunidade de desenvolvimento das suas ideias.

Sem sede e recursos financeiros, como sobrevive o CEEA?

Nunca trabalhámos de borla. Todos os trabalhos que fazemos são pagos. Neste momento, estamos em instalações provisórias, mas prevemos ultrapassar esse constrangimento no próximo ano.

Quais têm sido os vossos clientes?

O Governo é um dos nossos clientes. Por exemplo, só para citar estes, participámos na elaboração do Plano Nacional de Desenvolvimento 2022-2025, fazemos estudos para o BNA, ajudámos a definir se Angola devia entrar para a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), ou para a Comunidade de Estados da África Central (CEAC). Enfim, ajudamos a identificar as vantagens e desvantagens. Trabalhamos igualmente para empresas privadas.

E porque o 27 de Maio de 1977 foi novamente levantado, no contexto da abordagem dos direitos humanos, uma questão final: para o país, é um problema que não se cala, certo?

Este é um problema do MPLA e não do país. O partido tem de procurar resolver esse passivo.

PERFIL

Manuel Correia de Barros nasceu em 1941 em Portugal. Veio a Angola aos 22 anos e acabou por “ficar encantado” pelo país. Serviu o exército português e as extintas FAPLA, braço armado do MPLA. Passou para as FAA, onde se reformou com a patente de brigadeiro. Em 1968 já técnico de computadores, montou no então Banco de Angola, actual BNA, o computador com 32 kbts que na altura custava um milhão de dólares. Um equipamento há muito ultrapassado, “era lento mas com ele faziam-se coisas espectaculares”.