‘Picolé’, o negócio rentável, mas ameaçado pelo roubo dos carrinhos
VENDA DE GELADOS. Ao preço de 50 kwanzas por unidade, as vendas diárias são às centenas, dependendo da quantidade e da qualidade dos meios. Mas nem tudo é um ‘mar de rosas’, por isso há também muitas desistências.
Os carrinhos ambulantes usados na venda de gelados conhececidos como ‘picolé’ são afinal a “verdadeira fonte de lucros” das micro fábricas que comercializam este produto. Com os meios a circularem, os vendedores podem comercializar acima de 300 unidades por dia e até podem dobrar ou triplicar as vendas, dependendo do número de carrinhos que controlam.
No ramo há mais de cinco anos, Jacinto Custódio é proprietário da micro empresa ‘Picolé O Suculoso’, negócio que considera “rentável” mas apenas com o uso dos carrinhos. Chega mesmo a denominá-los “a alma do negócio”. Com cinco carrinhos a funcionar, as vendas diárias de Custódio oscilam entre os 500 e 800 gelados, ao preço unitário de 50 kwanzas. Mas nem tudo é um ‘mar de rosas’, porque a apetência pelo negócio desencadeou uma onda de roubos dos carrinhos, sem precedentes.
Ivone Victor, proprietária da empresa ‘Picolé Delicioso’, só este ano perdeu dois carrinhos. “Os vendedores levaram o carro com os gelados e nunca mais voltaram”, lamenta. A empreendedora procurou pelo funcionário na residência que constava do contrato, mas sem sucesso.
O mesmo aconteceu com a ‘SIL-Gelado’, como confirmou a gerente Guilhermina Sito. Segundo conta, muitos funcionários usam “a artimanha” de trabalhar por algumas semanas e depois fogem com o carro. O último da SIL-Gelado foi levado recentemente. Também tentaram procurar a residência do funcionário que conheciam, mas afinal era “falsa”. Guilhermina Sito reconhece mesmo o “descuido” por não ter certificado a residência do funcionário.
Para contrapor a ausência dos carrinhos, a SIL-Gelados apostou nas encomendas e fez parcerias com algumas cantinas, estratégia que impôs, entretanto, novas dificuldades, já que os donos das cantinas exigem investimento em frigoríficos.
Com também um carrinho roubado, Cláudia Mavungo, proprietária da empresa ‘Picolé Orquídea’, conta que, nos últimos tempos, está difícil encontrar funcionários para a venda ambulante dos gelados nos carrinhos. Com seis carrinhos, apenas três são usados por falta de funcionários, o que fez recuar as vendas para cerca de 300 unidades por dia. Jacinto Custódio, da ‘Picolé O Suculoso’ também relata dois roubos de carrinhos logo no início do negócio, há cinco anos, e reconhece as dificuldades de quem é obrigado a fazer novos investimentos nesses meios, já que um carrinho novo pode custar acima dos 500 mil kwanzas. O usado, dependendo do estado, baixa para entre 200 e 400 mil kwanzas.
Jacinto Custódio foi forçado por isso a adoptar um método para parar os roubos: “a primeira pessoa que ‘O Picolé O Suculoso’ recruta fica responsável por recrutar os outros vendedores ambulantes. Assim o primeiro fica na posição de coordenador dos outros e beneficia-se de algumas regalias como picolés acima da quantidade estabelecida”, revela.
No rol das dificuldades, a aquisição de materiais também se destaca. De tal forma que alguns até se viram obrigados a abandonar o negócio, impossibilitados de adquirir os equipamentos brasileiros que consideram “os melhores”, mas que desapareceram com o surgimento da pandemia. A alternativa tem sido o material chinês disponível que Jacinto Custódio chama de “cópia barata”, devido à fragilidade que apresentam. “As peças gastam com muita facilidade e congelam pouco”, justifica.
Subida dos materiais, redução na qualidade
Os produtos para a confecção dos ‘picolés’ dispararam nos últimos meses, lamentam os micro empresários, que apontam os exemplos do leite, do corante e da liga neutra. O saco deste último, por exemplo, custava 15 mil kwanzas, mas agora compra-se por entre 40 mil e 80 mil, dependendo da estação. Já o açúcar, nas mesmas quantidades, passou de 20 mil para os 22 mil a 25 mil kwanzas.
Como consequência, os vendedores assumem que alteraram a fórmula dos picolés da venda dos carrinhos, com menos leite e mais açúcar e água para manter o preço de 50 kwanzas por unidade e não encerrarem as empresas. “Fica difícil vender a 50 kwanzas um picolé com a fórmula antiga, não se alcança retorno”, explica um dos fabricantes, que revela, entretanto, que a fórmula antiga é mantida nas encomendas.
Alguns vendedores até já esticaram o preço do picolé para entre 75 e 100 kwanzas, mas foram obrigados a recuar, devido à escassez de clientes. “A solução passa pela uniformização dos preços”, defendem, os mesmos que pedem a intervenção das autoridades na facilitação do acesso ao microcrédito, sob pena de extinção do negócio. Atualmente, para se montar um negócio com pelo menos uma máquina de duas formas, uma batedeira, um carrinho e os materiais para a confecção do picolé deve ter-se em mãos pelo menos 5 milhões de kwanzas.
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