Porta para a saída da crise
ANÁLISE. Empresários sugerem soluções para a saída da crise, apontando sectores e as respectivas potencialidades. Mas reconhecem que, mais do que apostar em determinado sector, é necessário que o Governo mude a forma como encara os problemas e objectivos.
A actual situação do mercado petrolífero, a indecisão sobre o futuro e, sobretudo, a certeza de que, nos próximos anos, o preço dificilmente volta a níveis que atendam às necessidades das economias petrodependentes, impõe questionar sobre as alternativas económicas para Angola.
A agricultura, normalmente, tem sido a líder das sugestões e a regra mantém-se no inquérito realizado pelo VALOR. “É a agricultura com a estratégia e o financiamento correcto”, defendeu, por exemplo, a empresária Filomena Oliveira, justificando-se com o potencial existente para produzir tanto para o auto-sustento como para a exportação de determinados produtos. “Temos é de ter uma estratégia clara e precisa. Para fazer agricultura, tem de haver dinheiro barato, não é dinheiro a 10, 20 e ou 30%. Não é nada disso. Temos é de ter uma estratégia muito clara para financiamento e apoio à agricultura. Não é com o PAC demasiadamente complicado. Continuamos sem uma organização de cooperativas de créditos a funcionar, a lei e o regulamento das cooperativas de créditos têm de ser ajustados para permitir que sejam beneficiadas de apoio financeiros externos”, repara.
Para a empresária, “o apoio efectivo à produção agrícola tem de estar no Orçamento Geral do Estado (OGE)”, não sendo obrigação da banca comercial tratar da matéria. “Estamos a passar o ónus do OGE para a banca comercial, o que não está correcto. Tem de estar no orçamento e depois passar-se à banca e não obrigar a banca a vender os seus produtos abaixo daquilo que é o custo do próprio dinheiro. É a estratégia que não está adequada. Façam mais título de tesouro, que é assim que têm estado a alimentar a banca, e peguem neste dinheiro e repassem para as micro, pequenas e médias empresas e, para as cooperativas do fórum familiar e não só, a uma taxa que seja racional”, recomenda.
Há ainda, para a empresária, várias formas de o Estado arrecadar dinheiro para destinar à agricultura, citando como exemplo a redução da estrutura administrativa do Estado em 50% e aumento do uso das novas tecnologias. “Por outro lado, está a ser revisto o imposto industrial, a banca e os seguros, que, de uma forma totalmente desfasada do resto dos sectores económicos, apontam sempre lucros astronómicos, eles que paguem 35% do Imposto Industrial e o diferencial que seja utilizado para financiar a agricultura. As estratégias não são difíceis, é preciso haver vontade política e uma concertação efectiva.”
Terra, outro grande ‘calcanhar de Aquiles’
Filomena Oliveira cita ainda a problemática das terras entre as barreiras que dificultam o desenvolvimento da agricultura. “É preciso rentabilizar as terras, estes senhores todos que têm terra e não fazem nada com elas, as famílias têm um monte de terra, plantam num cantinho. Vai para as províncias, milhares e milhares de hectares de boa terra ao lado de rio e tudo, mas ninguém trabalha porque tem dono. Ou o dono é detentor do poder e não se pode mexer, ou o dono é a população, mas a população também não faz nada. Sim, têm de ser respeitados os direitos das comunidades, mas tem de haver um equilíbrio”, aconselha.
A problemática da terra é, de resto, citada por diversas pessoas que falaram para o VALOR e que apontam a agricultura como a porta para a saída da crise. Além do subaproveitamento, cita-se também a insegurança jurídica da propriedade. “Em Angola, não há propriedade. Os direitos são senhores precários e temporários. Pior, 90% da população não tem direito latifundiário estabelecido”, reclamou um empresário do sector agrícola que, entretanto, não quis ser identificado “por estar cansado de chocar com esta gente”.
“Continuamos na luta e no esquema dos títulos de ocupação e direito de superfície, nunca dando propriedade. Sem propriedade não há capital. Não se pode dar o terreno em garantia. Até hoje, não há cadastro digital dos títulos e da propriedade. Sem isso, o Estado não pode colher renda sobre latifúndio e não há mercado hipotecário. Sem isso, não há poupança, não há riqueza, pois não há propriedade. O Estado quer ser dono da terra e não dá ao cidadão”, critica.
Na generalidade, os que apontam a agricultura como a solução imediata consideram necessário estruturar a economia à volta da grande base populacional. “E a grande base é a agrícola, 70% dos angolanos vivem da terra. Mas pouco ou nada é feito para estruturar a base da nossa economia, que é, sem dúvida, a agrícola. Pois é a agricultura individual de subsistência o real emprego de milhões de angolanos”, sublinhou.
Comércio transfronteiriço, a sugestão da AIA
Por sua vez, o presidente da Associação dos Industriais de Angola (AIA), José Severino, aponta como uma das soluções imediatas a formalização das trocas comerciais com os países fronteiriços, no caso a RDC e a Zâmbia. “Diversificação das exportações, olhando para o mercado da RDC. Estas acções ambíguas que temos nas nossas fronteiras são muito antigas e calculamos que, com o Congo, podemos chegar aos 1,5 mil milhões de dólares por ano”, estimou, acrescentando a existência de uma proposta de realização de feiras na fronteira com os dois países.
“Nestas feiras, podemos reforçar as relações entre empresas e fugir da promiscuidade de não se saber a quem se vende e para onde vão as divisas. Os nossos bancos devem estar presentes para participar nas negociações. Formalizar os exportadores ilegais de combustíveis”, analisa José Severino, classificando-as como “medidas que já deveriam estar implementadas”, visto existirem reuniões com os governos dos vários países, sendo a parte angolana a retrair-se.
E o desconhecido bulionismo…
Há, entretanto, quem sugira soluções nunca ensaiadas pelo Estado angolano como é o caso do bulionismo. “Apontaria como alternativa mais curta para captar divisas para o país. Angola tem garantias históricas de capital humano proactivo. Tem classificação de Assets como potencial país de economia global. Pode monetizar o direito da AOWDMP”, sugeriu a empresária Celeste de Brito, acrescentando que Angola só precisa de criar um projecto social de intervenção rápida e emitir uma SKR (safe keeping receipt´s). “Desde a Independência, Angola nunca emitiu uma. Cada ano pode tirar 50 mil milhões para projectos sociais sem intermediários. Com uma SKR baseada em 500 milhões de dólares, assegurado em ouro. Este ouro não é vendido, não sai do país. Isso é bulionismo. Monetizar a partir do Bulion (Barras de ouro). Para isso, não necessita de bancos de correspondência. O Ruanda monetiza com Bulion”, argumentou.
O Turismo nas contas...
Há quem acredite também que o turismo seja a solução para a entrada imediata das divisas que se perdem com a baixa do preço do petróleo. “Poderão dizer que Angola não tem condições, ok. Mas nós podemos recorrer à consultoria com a melhor e maior empresa de turismo do mundo. Sabem como fazer um levantamento dos pontos fracos e fortes que o país tem e aí o Presidente da República, com o seu poder, vai, pelo menos, mobilizar o executivo e o cidadão nacional a trabalhar na busca das condições necessárias”, defendeu o empresário Pedro Godinho, sublinhando que “o sector da economia que pode tirar Angola da crise hoje ou amanha é o turismo”. “Precisamos de criar condições para potenciar este sector. Não é preciso pressionar o BNA para dar dólares, a natureza já nos deu. Para levar o turista para ir ver as pedras do Pungo A’Ndongo, não precisamos de pressionar o BNA. Turismo não precisa de matéria-prima nenhuma. Não precisa de importar nada”, defende.
Mudança, o mais importante
No entanto, grande parte dos interlocutores entende que, mais do que olhar para os sectores, é necessário mudar a forma de administração do país. “Enquanto não houver uma atitude mais realista quanto à economia e à nossa capacidade real, não vamos sair do problema. A economia não se faz no papel nem em folhas de Excel. Infelizmente, muitos governantes, há anos, acreditam que, se mudarem o número na folha de papel, vai mudar alguma coisa no terreno. O facto é que não vai”, criticou um dos empresários.
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