“Precisamos de uma nova banca forte activa e com capacidade”
Admite compreender a corrupção, porque “houve um sistema que a permitiu”. Por isso, Manuel Sousa defende que haja tolerância e que se possibilite a transformação do dinheiro ganho “de forma pouca correcta em negócios mais claros e lícitos”. Crítica a banca por não forte e independente, queixa-se de haver muitas “restrições e fiscalizações exageradas” e lamenta as limitações impostas nas exportações.
Que avaliação faz das mudanças até aqui empreendidas pelo actual Governo?
Não gostaria de dar uma opinião política. Sempre apoiei o Governo, porque, por uma questão de estabilidade, todos devemos apoiar. Quando temos um espírito positivo e construtivo, naturalmente, procuramos opinar no sentido de ajudar o Governo a melhorar. No entanto, tem de haver uma maior abertura. Aliás, uma abertura e não uma maior abertura. O nosso país continua a ser muito do tipo socialista com as decisões, constantemente, a rolarem à volta do Estado. Não pode ser. A economia tem de ser dinâmica, de espírito ganhador. Não temos de estar à espera das decisões do Governo.
E a culpa não é também dos privados?
Precisamos de uma economia privada forte, participada por empresários nacionais ou estrangeiros. Já temos muitos privados, mas não sobrevivem porque não têm capacidade financeira ou técnica. Faz-se pouco para formar esta classe privada empresarial, que é essencial para qualquer país. Se for à China, vai assistir ao surgimento de uma classe empresarial forte. Independentemente da política, há mecanismos a apoiarem este empresariado.
Em que se resumiria este apoio?
Não é o apoio em si, tem de se declarar uma economia de mercado primeiro. Vai deixar de haver restrições e fiscalizações exageradas. Há empresas que recebem visitas dos fiscais todos os dias. Não é preciso. Há mecanismos para se prestar contas. As empresas têm de ter consciência e as fiscalizações devem ter também um sentido didáctico. Não precisam de ser compulsivas, porque uma economia compulsiva não funciona.
Há quem defenda que o sector privado também se ressente do facto de existirem muitos que se tornaram empresários apenas pela alegada facilidade com que obtiveram recursos financeiros. Concorda?
Há pessoas que têm dinheiro e que o terão obtido através de aproveitamentos políticos, sociais ou de outra natureza. Fala-se da corrupção, mas é natural, é humano. Pode não ser muito bonito, pode não ser muito correcto, mas todos nós queremos viver bem, queremos empregos, educação para os nossos filhos e para nós mesmos. Queremos ser gente normal, mas, para ter esta vida, precisamos de ter uma economia forte porque nada cai do céu. É possível educar e até ter tolerância, de certa forma, pelos métodos antigos, por estes métodos de apropriação ou de doação. Gostaria é que trabalhássemos para as soluções.
Considera a corrupção normal?
Não é que seja normal, mas, até aqui, não havia outras vias de obter riqueza. Naturalmente, a ânsia das pessoas é de ter boa vida e, talvez, lhes tenha sido permitido adquirirem o que têm. Não sou contra, mas as coisas devem ser obtidas de forma mais clara, mais transparente e lícita. Mas todos temos lugar na sociedade. Muita gente – se por acaso errou – errou porque o sistema levou a errar e não por serem pessoas más. Estas pessoas também poderão vir a ser bons empresários no futuro.
É contra a criminalização dessas pessoas?
Se calhar foi-lhes permitido, pelo ambiente em si, que isso acontecesse. Ninguém pegou no dinheiro todo e foi-se embora sem que alguém soubesse de nada. Não sei se será assim, mas não sou a favor nem contra. A situação deve ser bem analisada. As pessoas devem ter a opção de repatriar capitais ou não, devem ser ouvidas, deve perguntar se qual é a opção: trazes ou sujeitas-te às consequências? Investiste em algum lado e tens intenções de investir aqui também? Há empresas no estrangeiro que pertencem a angolanos, outras têm sócios angolanos e isso é positivo.
Está a favor do branqueamento de capitais?
É possível que seja ‘lavagem’ de dinheiro, mas não foram gastar. Pelo menos, tiveram a visão de investir em bancos e em acções. Temos de dar oportunidade de crescer, aprender, de transformar essas pessoas em empresários privados. Muitas estiveram no aparelho governamental, mas já não estão e, portanto, terão de se desenrascar. Terão de ser verdadeiros empresários por sua conta e risco. Se há obrigação para que invistam no país, o Governo lá sabe das suas políticas. Deve dar-se uma oportunidade e deixar que tenham tempo suficiente de ajudar o sector privado a tornar-se forte.
Sempre teve este discurso muito pedagógico e solidário ou é circunstancial?
Precisamos de muita pedagogia. Precisamos de perdoar uns aos outros, em todos os aspectos. É daí que nasce a solidariedade. Aos funcionários do Estado, é passada a mensagem que têm de agir de acordo com a lei e eles são taxativos, ignoram a acção didáctica, mas é preciso haver muita compreensão entre todos os organismos. Precisamos de emprego. Como é que vamos fomentar? É a apelar à comunidade internacional para que dê dinheiro? É a apelar aos investidores estrangeiros para virem investir?
Não é uma solução?
É uma parte da solução, mas primeiro é preciso criar mecanismos para atrair a comunidade internacional, dar confiança, atrair investidores.
Mas estas bases já não estão criadas?
Não estão. Estarão quando se disser ao mundo: Angola é um país de negócios, a partir de hoje temos uma economia de mercado, temos segurança para o investimento, seja nacional ou estrangeiro.
“NÃO HÁ MAL EM REEXPORTAR”
Recentemente, o Presidente da República esteve nos EUA e deixou um sinal de que as condições estão praticamente criadas. Não concorda?
Deve entrevistar o pessoal do BAD (Banco Africano do Desenvolvimento) e compreenderá que ainda não há garantias suficientes para a protecção ao investimento. Não estou a negar o que o Presidente disse. Até tem tido boa vontade em criar estas condições que são urgentes. Têm de estar efectivas. Por exemplo, temos um problema fronteiriço. A tendência do empresariado é levar o produto onde consiga vender e, naturalmente, se o levar para as fronteiras, por exemplo, no Congo Democrático, consegue vender mais depressa.
E qual é o problema?
Se falamos em incentivar a exportação, não é importante o que se exporta, mas sim que se exporte. Não importa se é gasolina, comida ou algodão. Mas dizem que se pode vender tudo menos a cesta básica. O que é a cesta básica? Porque é que não se vende? O combustível é cesta básica? Não estou contra ou a favor, mas é um exercício que temos de fazer.
E já obteve respostas para algumas destas interrogações?
O que temos de garantir é que haja cesta básica suficiente para os nossos a preço acessível, mas também não impede que importemos muitos destes produtos para reexportar. Não há mal nenhum em reexportar.
Esta proibição de reexportar é justificada pelo facto de estes produtos serem importados beneficiando de isenções aduaneiras e o combustível ser subsidiado. Não concorda?
Está certo, mas, quando saem do país, pagam taxas aduaneiras. O combustível, quando é reexportado, colocamos uma taxa que vai um pouco além do valor subsidiado. Os congoleses não vão deixar de importar porque têm necessidade deste combustível. Eles também importam, mas têm um porto pequeno. Matadi é relativamente pequeno para um país grande como é o Congo Democrático.
Defende que só se deve organizar este comércio?
Porque não? Se for necessário, criar pequenos mercados para vender aí, importa-se e reexporta-se. Entram divisas. As nossas divisas não fluem quando deveriam fluir, deveríamos ter um regime livre de fluir das divisas. Não há problema nenhum porque dinheiro é dinheiro, não tem o nome do dono. Naturalmente, as pessoas trabalham com o dinheiro que lhes dá melhor interesse. É lógico que a maior parte das vendas e compras no país se fazem com a nossa moeda, mas também não tem de ser uma imposição porque, afinal de contas, existe uma política cambial. Por exemplo, não podemos comprar nada no exterior com kwanzas e se eu for um importador e o meu negócio já for grande e pretendo importar e não quero depender de ninguém, não posso fazer porquê? Alguém que quer viajar para o estrangeiro não tem dinheiro disponível porquê? Nos tempos modernos, deve ser permitido que as pessoas viagem, não importa o que vão fazer fora, é do fórum delas porque a questão da privacidade é muito importante.
Mas há assuntos privados que depois acabam por ser crimes e há crimes internacionais…
Se é um crime é um crime, a pessoa será perseguida, será apanhada, mas não podemos estar a pensar antecipadamente que vamos dar origem a um crime. Há crimes que não deveriam ser crimes, deveriam ser coisas legais. Por exemplo, a reexportação de certos produtos.
Também inclui circular com divisas nas zonas fronteiriças?
Há regras simples, as pessoas não andam por aí com divisas. Se for liberal, como aconteceu durante muito tempo e o nosso país estava a subir, as pessoas depositavam nos bancos. Os bancos privados precisam de divisas e como é que trabalham as divisas? Obtendo-as dos clientes.
Mas não será esta liberalização exagerada que defende que deu lugar às restrições impostas pelos EUA?
Não foi por causa disso, certamente. Houve outra coisa que a gente não sabe, na verdade, o que foi. Haverá outro problema qualquer que, se calhar, não nos cabe a nós saber. A nós cabe procurar a solução para sair desse mundo restritivo porque precisamos de alargar os nossos horizontes em todos os sentidos. Por exemplo, se eu for um grande homem de negócios e quiser investir nos EUA, onde é que vou buscar o dinheiro?
Como olha para o desafio de criação de 500 empregos?
Os empregos serão criados com o fortalecimento da classe privada para que o país se desenvolva, da agricultura ao sector mineiro. Por exemplo, fala-se muito do sector mineiro e do caminho-de-ferro de Benguela, mas, desde que foi reabilitado, só se fizeram dois carregamentos, a partir do Congo. Não pode ser, temos de o abrir definitivamente; temos de mostrar às empresas mineiras que o caminho-de-ferro está ali para o que foi construído.
O senhor esteve envolvido em negócios com minas do Congo?
Não, estive na energia e a tentar dinamizar, de certa forma, a troca empresarial entre o Congo e Angola, porque o meu socio é belga, um mais velho, com muita experiência de África, muito conhecido no Congo. Estávamos a tentar fomentar a exportação regular de cimento, porque há minas de cobre no Congo que gastam muito cimento e houve empresas de minas do Congo que tinham interesse em comprar o cimento em Angola. Lá, a maior parte do cimento é importada de Ndola, agora entrou a empresa do grande empresário da Nigéria.
Acredita que, desta vez, a zona de comércio livre avance?
É uma das coisas que vai avançar e é interessante que aconteça. Estamos a entrar numa fase da consciência angolana e vamos todos sair melhor desta fase. Temos de cultivar o espírito de que conseguimos, somos capazes.
Para um empresariado forte, uma banca forte. Temos esta banca?
Não. Precisamos de uma banca autónoma, com o seu próprio capital. Há bancos fortes a nível mundial e que naturalmente sabem onde é que fica Angola. Sabem que Angola tem muito potencial, mas que é que nos serve só ter um potencial imenso? Temos de por este potencial a andar e ao nosso serviço.
A que se refere concretamente quando fala em banca independente?
Uma banca que tenha o seu próprio capital, que promova o seu produto, que lide com os clientes e com a sua própria política.
Os nossos bancos não têm capital?
Não sei. Estamos a falar de kwanzas ou de capital exterior? A banca tem de ter todo este manancial porque, como produzimos pouco e temos pouco insumo, importamos muito, inclusive pessoas. Consegue levantar todo o dinheiro que tiver no banco? Tem tido dificuldades? Todos têm, até de transferir de um lado para outro os bancos não conseguem corresponder. Grande parte destes bancos, mesmo aqueles estrangeiros, já são intervencionados por algum interesse. Os bancos têm de ser realmente fortes e activos. O banco em Angola tem de ser como um banco de poder económico no estrangeiro. Em que um cliente, tanto angolano como estrangeiro, pode chegar e dizer: “Tenho esta garantia na China e quero um empréstimo aqui”.
Os bancos também se queixam dos empresários…
Há soluções para tudo e todos temos de ir em busca delas. Muitos dos bancos são muito dependentes do Banco Nacional em tudo. Medidas, dinheiro, capacidade de resposta e financiamento. Estes bancos podem continuar como estão, mas a nova banca não. Já temos aí um banco sul-africano, o Standard, já é um grande passo. Temos de fortalecer estes bancos. Têm capital, querem investir em Angola, por favor, venham, precisamos. Precisamos de uma nova banca, podemos continuar com esta banca dependente para financiar pequenos projectos, mas temos de ter uma banca que tenha capacidade para ajudar um empresário que queira, por exemplo, fazer um grande investimento, abrir uma mina, que requer um investimento muito grande.
APOSTA NAS MINAS
Disse que é um grande homem de negócios. É, de facto?
Não sou. Posso ter visão. Talvez o fosse se realmente o nosso país tivesse circunstâncias apropriadas para me permitir sê-lo. O que tenho conseguido adquirir ao longo da vida pode servir de meio de garantia para adquirir financiamento para fazer algo. Por exemplo, quero participar numa mina de ouro, de ferro, manganês ou numa mina de terras raras, que são os minerais do futuro e que nós temos. Deveríamos ter uma atenção muito grande de terminar o Planageo e permitir que cada um nós fosse accionista em empresas mineiras. Seria bom se o nosso país já estivesse nesta fase, mas as empresas teriam que ser lucrativas porque ninguém investiria numa empresa sem lucros.
Como analisa a situação das empresas públicas?
Muitas das empresas do Estado não andam bem, porque não há grande interesse, porque não se ganha nada com elas. Estas empresas deveriam ser transformadas em empresas com accionistas.
A Taag passou agora à sociedade anónima (SA). Que leitura faz?
O que é que quer dizer sociedade anónima? É do Estado ou uma sociedade anónima? Geralmente, quando é uma sociedade anónima, não deve ser pública.
Mas não entende esta alteração como um sinal para a sua privatização?
Mas continua pública e se continua pública porque é que passou à SA? Estou a perguntar porque não sei mesmo. Sinto-me confuso. O que é que é isso em termos de estatutos? Continuar a ser estatal e ser sociedade anónima parece haver uma contradição para quem pretende entender.
O grupo Ensa também é uma SA…
É accionista da Ensa? Conhece algum accionista da Ensa? Era conveniente todos termos consciência sobre o que é que é isso de SA.
Que balanço se pode fazer da actividade da Rotary Angola?
Sempre foi positivo, começando pelo financiamento inicial e substancial (directo e sobretudo, através das organizações parceiras das Nações Unidas para a Saúde e Criança) e participação activa ao combate à poliomielite, em constante e positiva parceria com o Ministério da Saúde, que nunca mediu esforços, neste glório esforço que, felizmente e para gáudio de todos, foi declarada erradicada oficialmente em Angola. As acçoes actuais e a vacinações são preventivas no presente. A principal aposta e projecto do Rotary Internacional, a nível Mundial, e as principais angariações dos clubes rotários, no mundo, tem sido em prol do combate a pólio e a sua total irradicação. Em Angola, depois de um sobre-humano esforço de todos os envolvidos, a irradicação reconhecida e oficial é uma autêntica vitória para todos nós, angolanos, o Rotary local, através dos três Clubes existentes e para as Nações Unidas e todos os parceiros.
Que projectos para o futuro?
Ha muito mais, desde que fomos fundados em 1955 em Angola, através do primeiro Clube em Luanda, o ainda existente Rotary Clube de Luanda, que apadrinhou o Rotary Clube de Luanda Sul e Rotary Clube do Lobito. Todos têm as suas acçoes próprias e independentes, em furos de água para as escolas e populações, no apoio a escolas, lares, hospitais, com apoio de Rotarys da Itália, e em projectos de promocão social, como o plantio de semente de batata nas províncias do Huambo, Bié e Benguela.
Perfil
Filho de pais portugueses, nasceu em Lisboa e, aos 5 anos, viajou para Luanda, aonde o avô trabalhava como porteiro de Alfredo de Mato, então proprietária da Sociedade Agropecuária da SAPÚ. Formado em Gestão e Administração e ainda em Gemeologia, prefere ser considerado observador económico e não empresário e defende que esta deveria ser a postura de muitos empresários. “Temos de ser empresários sérios, com capital…”, argumenta. É presidente da Rotary Club de Luanda.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...