PRESIDENTE, CONVOQUE OS DESINTERESSADOS*
As boas práticas devem ser necessariamente imitadas. Os conselhos avisados nunca devem ser ignorados. E, acima de tudo, os erros dos outros têm de ser traduzidos em ensinamentos. Essas são algumas das lições que voltam a ser poderosamente relembradas pela pandemia da covid-19. E isso pode ser percebido pelos resultados diferentes que os países vão alcançando na gestão da crise, conforme os extremos em que se posicionaram em momentos críticos. Os que não ignoraram alertas e se anteciparam nas medidas de prevenção têm conseguido conter a propagação do vírus com mais sucesso, o que tem resultado, sobretudo, em números menos expressivos de infecções e de óbitos. Na Europa, a Alemanha, entre outros, vai sendo diferenciada por esse lado mais proactivo. Quem optou pelo contrário está a colher a tempestade pelos ventos que semeou. E os Estados Unidos são hoje provavelmente o pior exemplo entre os países que resistiram antecipar-se à contenção da pandemia. Na última semana, a imprensa norte-americana precisou que Donald Trump perdeu, pelo menos, três semanas para avançar com as medidas de restrições na actividade económica e social, apesar dos avisos de especialistas que integram a sua própria equipa de combate à pandemia. E há até especulações de que o presidente norte-americano soubesse ou, pelo menos, tivesse sido avisado do perigo ainda em finais do ano passado.
O caso africano, grosso modo, até agora, tem-se revelado menos dramático, face ao resto do mundo. Não só pelas razões já determinadas, como a juventude da sua população e as condições climáticas mais desfavoráveis à propagação do vírus, mas também porque, ao chegar relativamente tarde ao continente, os países tiveram mais tempo para aplicar as possíveis medidas de prevenção, no limite das suas circunstâncias económica e sociais. Quando decretou o estado de emergência, pela primeira vez, o Presidente João Lourenço fez questão de sublinhar, aliás, que a medida, em parte, decorria da aprendizagem com os erros dos outros.
Ora, aproveitando essa disponibilidade do Presidente para replicar os melhores exemplos, particularmente nesta fase de profunda crise, deixamos aqui o repto para que convide especialistas ‘desinteressados’ para ouvi-los sobre as possíveis soluções para a economia. A auscultação técnica e relevante pelo Presidente da República não se pode confinar a pessoas ou grupos de interesses que, por razões óbvias, muitas vezes, apresentam uma visão parcial e comprometida dos factos e das soluções. As associações empresariais são um exemplo clássico. Sendo inevitável ouvi-los, os empresários têm o defeito umbiguista de fabrico que os obriga a exigir respostas para as suas necessidades específicas. E os órgãos de consulta do Presidente, como o Conselho da República, não têm a especialização suficiente e necessária para se pronunciarem sobre temas que exigem profundidade técnica.
É hora, por isso, de se convocar ao Palácio os académicos ‘desinteressados’ e com investigação relevante sobre o fenómeno económico e social para proporem soluções ao Presidente da República. As respostas para a economia não têm de estar entregues exclusivamente aos lobistas, à jovem que comanda corajosamente o Ministério das Finanças e ao ministro de Estado, que mais se notabiliza pela ausência.
Hoje, impõe-se acrescentar apenas o seguinte: que este novo fórum tenha efectivamente a serventia que se lhe espera. E que não seja apenas mais um ‘drible’ para se refrear a crítica esclarecida a céu aberto, muito menos para suportar a narrativa da presidência aberta. Porque juntar 45 conselheiros numa sala é qualquer coisa impraticável.
Nota: Republicamos, propositadamente, este Editorial da edição nº 204, de 13 de Abril de 2020, a propósito da criação, pelo Presidente da República, do Conselho Económico e Social, esta semana. Mais de cinco meses após o repto deixado pelo VALOR, João Lourenço responde e reúne um grupo de especialistas para se consultar sobre questões económicas e sociais.
JLo do lado errado da história