Quem é o antipatriota?

20 Mar. 2024 V E Editorial

Vamos simplificar a resposta. No que seria a provável definição do conceituado jornalista Graça Campos, o antipatriota é todo aquele que precisa de ser resgatado do demónio. É uma conceituação metafísica? Não, é tudo política.

 

Quem é o antipatriota?

O antipatriota não é o professor catedrático que braveja por ganhar pouco mais de 400 dólares num país que ele passou a vida a caracterizar aos seus alunos como belo e rico. O antipatriota é aquele que, confundindo a riqueza do país com os adornos do quintal da sua casa, retirou ao professor catedrático a possibilidade de ter um salário digno para viver com dignidade.

O antipatriota não é o médico muito menos o enfermeiro que decide reclamar na rua por melhores salários e condições de trabalho, tão acostumados a ver angolanos a morrer por falta de ampolas, siringas e oxigénio. O antipatriota é aquele que constrói e consolida uma prática de governação que dá tudo a quem se encontra no topo e distribui migalhas a quem se encontra na base. Ao ponto de usar o dinheiro para a compra de siringas e oxigénio em viaturas milionárias para o Palácio, para ministros, deputados, governadores e para quejandos.

O antipatriota não é o jovem que profere palavras de ordem nas ruas do país contra a governação que não lhe dá escola, nem habitação, nem trabalho, nem saúde. O antipatriota é aquele que se mantém a pensar que Angola saltou de pequenos grupos tribais para um Estado patrimonial, como bem o definiu o alemão Max Weber, confundindo os recursos do erário com propriedade pessoal e privada.

O antipatriota não é o angolano que dá luta por um país democrático todos os dias da sua vida, consciente de que se trata da única saída séria para a liberdade e para o progresso pleno . O antipatriota é tudo o que representa o alimento do autoritarismo, do terrorismo do Estado, do atentado aos direitos humanos; é tudo o que representa o retrocesso do Estado.

O antipatriota não é o sindicalista que cruza os braços, depois de anos de luta e de esgotamento de todas as vias de diálogo possíveis. O antipatriota é aquele que, sentado em poltronas banhadas de ouro e em mesas fartas com tudo do melhor que há de importado, está convencido de que o angolano que sai de casa às seis da manhã para regressar às vinte da noite pode ganhar 30 mil kwanzas por mês e 'já vai a rir'.

O antipatriota não é o angolano que exige eleições livres, justas e democráticas. O antipatriota é quem se acha herdeiro do poder divino para gerir o país ‘ad eternum’, convencido de que qualquer meio justifica o fim de manter o poder que tem como principal programa de governação a delapidação do erário, por via da roubalheira descarada.

O antipatriota não é quem exige a contagem dos votos e a divulgação dos resultados de forma tempestiva, com observância estrita da lei. O antipatriota é aquele que se serve de todos os pretextos para manipular eleições, para ocultar resultados e para declarar o que lhe convém, ante o silêncio das instituições relevantes, feitas reféns.

O antipatriota não é quem pede justiça, exige leis justas e bate-se pelo seu estrito cumprimento. O antipatriota é aquele que, em nome da manutenção do poder, engendra uma arquitectura de leis que atenta contra direitos e garantias fundamentais, que sobrevaloriza a discricionariedade e privilegia a consolidação de instituições extractivistas.
 
Em Angola, os antipatriotas não são quaisquer rostos inominados. São uma casta específica com caras, nomes, endereços e cores conhecidas timbradas nas camisolas. São os tais que afundam todos os dias o país e que precisam de um resgate urgente do demónio.