ANGOLA GROWING
RUI CARREIRA, CEO DA TAAG

“[Redução de salários] é uma possibilidade que não pode ser descartada”

Em 2020, a TAAG foi praticamente financiada pelos seus fornecedores e prestadores de serviços. A revelação é de Rui Carreira, o presidente da comissão executiva da empresa . No seu bem conhecido estilo directo,  fala também da dívida, da redução dos custos de estrutura, de cortes de subsídios e da estratégia comercial pós-covid.

“[Redução de salários] é uma possibilidade que não pode ser descartada”
D.R

Com os prejuízos  causados pela covid -19 no sector aéreo, qual é a realidade actual da TAAG?  

Com o eclodir da pandemia em Março último, e com ela todas as consequências para a mobilidade das pessoas, a receita  reduziu, no exercício passado, em 70% (usd 120 milhões) relativamente ao período homólogo (usd 385 milhões). As estimativas iniciais da empresa relativamente ao plano de receitas  de 2020 previa um fecho na ordem de 400 milhões de dólares. No que concerne ao número de passageiros, ascendeu a 368 mil, uma quebra de 75% face a 1,4 milhões do ano transacto.

 

E os resultados do transporte de carga?

Como em todas as companhias aeronáuticas, tivemos de nos adaptar ao momento. E, em 2020, a receita do transporte de carga superou a receita de 2019 em 19 milhões de dólares. Neste momento, estamos a concluir o fecho de contas do exercício do ano passado, por isso, ainda não nos é possível divulgar os resultados.

 

Como a companhia está  a suportar as suas necessidades, entre as quais as estruturas no exterior (delegações)?

Até ao momento, não se deixou de pagar salários, porque  alguns factores têm contribuído para suportar as necessidades da empresa.

 

Por exemplo...

Por um lado, a realização de alguns voos de carácter humanitário e de transporte de carga em todos os segmentos (intercontinental, regional e doméstico) permite gerir as reservas de tesouraria. Por outro, os Estados, os principais fornecedores e os prestadores de serviços responderam positivamente ao apelo global das companhias aéreas para deferir as suas cobranças e escalonar as dívidas existentes. Isto deve-se ao facto de todos reconhecerem a importância do sector do transporte aéreo para a economia mundial, que corresponde a 4% do PIB.

 

Face a este cenário, quais as expectativas quanto à capacidade financeira da empresa, agora que a IATA anunciou que, antes de 2024, não haverá recuperação ao nível dos valores pré-pandemia?

Devo afirmar que já se está a chegar ao limite dessa capacidade e, por isso, será urgente uma intervenção  financeira mais eficaz por parte do Estado angolano, no que diz respeito à companhia de bandeira.

 

Não houve ainda nenhuma intervenção financeira do Estado, uma espécie de auxílio de emergência , à semelhança do que acontece lá fora com as companhias de bandeira?

Por razões estratégicas, o Estado angolano devia fazer o mesmo. Precisamos, como todas as companhias do sector, de recursos para que a empresa possa sobreviver, estabilizar e eventualmente recuperar. No entanto, o Estado foi, sem dúvida, um cliente importante em 2020.

 

E o que é que considera um cliente importante?

Significa que uma boa parte dos nossos recursos vêm de serviços prestados ao Estado, cujo esforço em honrar as suas obrigações para com a companhia reconhecemos.

 

É exagerado pensar que a empresa pode falir?

Muito exagerado.

 

Razões...?               

A TAAG tem património para não falir, por um lado. Por outro, não devemos ignorar o facto de que o accionista maioritário é o Estado. Por conseguinte, defendemos a continuidade do negócio e, por isso, é urgente a existência de uma alavanca financeira.

 

Mas…

Consideramos irrefutável a importância da companhia  para as economias do país e das sub-regiões africanas às quais pertencemos. Mais, ambicionamos, a longo prazo, ser líderes a nível regional e estar nos cinco principais players a nível do continente.

 

E não o preocupa, particularmente, a dívida?

Preocupar, não há dúvida… preocupa. A dívida agravou-se em 2020, pois nesse ano a empresa foi, praticamente, financiada pelos seus fornecedores e prestadores de serviços. A nível mundial, as perdas no sector da aviação civil já rondam os 118,5 mil milhões de dólares e estima-se que estas perdas atinjam 84,3 mil milhões de dólares em 2021. A nossa empresa  não está fora deste contexto.

 

A subida da dívida da TAAG é inevitável?

De acordo com as nossas demonstrações financeiras de 2019, a dívida ronda os 500 milhões de dólares, dos quais 190 milhões  é dívida de longo prazo referente à compra de aeronaves.

 

Não receia que a implementação do Plano de Reestruturação fique comprometida?

O Plano de Reestruturação é uma condição fundamental para a continuidade do negócio, razão pela qual  merece todo o apoio do Estado, existe e já está a ser implementado. Aliás, são notórios alguns dos seus efeitos. Por exemplo, finalizámos o processo de saneamento das contas por via da compensação de saldos, e está em curso o processo de realização do capital social, uma empreitada importante, pois permite uma melhor e mais saudável exposição da empresa perante as instituições financeiras nacionais e internacionais. Mas não é suficiente para este período de emergência, em que registamos uma paralisação quase total das nossas operações.

 

Os custos de estrutura não são para aqui chamados?

Olhe, outro efeito importante do Plano de Reestruturação é a redução dos custos de estrutura, o nosso maior desafio ao longo dos tempos. Neste quesito, renegociámos alguns contratos referentes a serviços de apoio e já é possível vislumbrar poupanças importantes.

Por outro lado, abrimos concursos públicos para os serviços de handling e catering em todas as nossas estações (incluindo Luanda) e perpectivamos também reduções significativas sem penalizar a qualidade desses serviços, no âmbito da redução dos custos operacionais variáveis.

 

Vai ser necessário despedir funcionários?

Um dos pilares do Plano de Reestruturação é a adequação orgânica da TAAG à dimensão da sua operação. As operações vão diminuir, estamos a encerrar escalas, a reduzir voos em algumas rotas e a suspender voos para destinos não rentáveis.

Ainda no cenário pré-covid, fechámos as rotas do Rio de Janeiro, Porto, Harare, Lusaka, Havana e Praia e reduzimos as frequências em todas as rotas.

 

E...?

Obviamente haverá, como consequência, capital humano ocioso e a empresa tem de arranjar soluções de requalificação e reenquadramento destes técnicos, pois, dentro da estratégia de diversificação da nossa economia, eventualmente haverá actividades produtivas para absorver esta mão-de-obra qualificada. Contamos também com o apoio do Estado para esta tarefa de grande responsabilidade social.

 

Defende a redução de salários, como aliás está a acontecer nas maiores companhias aéreas do mundo?

Os trabalhadores têm plena consciência da importância da sobrevivência da empresa e estão dispostos a consentir sacrifícios para a manutenção dos seus empregos que são o garante da sustentabilidade das suas famílias...

 

...Assim  sendo...

...Estamos a fazer tudo para não ter de reduzir os salários. Mas, obviamente, essa possibilidade não pode ser descartada.

 

E quanto aos subsídios?

Suspendemos temporariamente alguns subsídios que, nesta fase, podem ser dispensados, nomeadamente os de transporte e de alimentação para quem está a trabalhar remotamente em casa, por força das restrições ligadas à pandemia. Aos detentores de cargos de administração e direcção, foram também suspensos temporariamente os subsídios de representação, só para citar alguns exemplos. Esta medida mereceu a compreensão de todos.

 

Relativamente ao mercado pós-pandemia, está a ser estudado?

O estudo e observação do mercado é uma tarefa diária numa companhia aérea de voos regulares. Certamente, nas nossas equações habituais, somos agora obrigados a introduzir novas variáveis, como a incerteza e a volatilidade, para termos uma perspectiva que nos permita planear com antecipação.

“[Redução de salários] é uma possibilidade que não pode ser descartada”

Acha que as viagens de negócios podem nunca mais retornar aos níveis pré-pandémicos, uma vez que as empresas se estão a acostumar às soluções da Internet?

Esse é um aspecto a ter em conta quando observamos o comportamento da procura. O segmento empresarial é importante por corresponder ao alto 'yield'.

 

Mas...

Mas há,  evidentemente, uma parte importante do turismo de negócios que só faz sentido presencialmente. E este segmento está ansioso que a pandemia acabe, de forma a poder voltar à sua actividade.

 

A estratégia comercial está também atenta a novas oportunidades de mercados regionais, ou nem por isso?

A África Austral e Central apresentam um défice de conectividade que constitui, com toda a certeza, uma janela de oportunidade para a TAAG, que está pronta para servir este mercado mal as condições o permitam. Esta possibilidade está alinhada com a nossa visão de competir com os melhores no continente. Neste momento, estamos a preparar-nos para começar os voos para São Tomé.

 

Os custos operacionais domésticos justificam os preços tão altos dos voos provinciais?

A estrutura de custos, mesmo em voos domésticos, é de 80% em divisas e kwanzas indexados ao dólar. Por este facto, os preços dos bilhetes têm de ser permanentemente ajustados para fazer face à constante depreciação do kwanza.

 

O preço dos bilhetes domésticos pode subir ?

Até ao momento, não há nada que indicie esse aumento, apesar de o preço do combustível JET-A1 estar a subir em Angola, contrariando a tendência mundial de descida. Temos um preço muito acima da média mundial.

 

Os voos domésticos podem fazer parte dos desafios para redimensionar a companhia?

Os voos domésticos sempre fizeram parte da nossa estratégia comercial e são um imperativo social a observar. É missão da TAAG ligar o país por via aérea, utilizando as suas aeronaves como meio de transporte rápido e versátil. Foi com este fim, e o de aumentar a eficiência deste importante segmento, que a companhia comprou seis DASH-8, dos quais já chegaram três ao nosso país.

 

Que resultados se espera com a introdução na frota dos aviões do tipo DASH 8-400s?

Estas aeronaves têm a oferta de lugares adequada ao nosso mercado doméstico e países vizinhos. E representam uma poupança de 70% em consumo de combustível, comparativamente à aeronave que utilizávamos anteriormente. Esperamos, com a aquisição dos DASH-8, um maior equilíbrio nas nossas demonstrações de resultados por rota e uma maior flexibilidade nas opções de horários de voos para os nossos passageiros.

Dentro da estratégia do Executivo de transformar Luanda num hub regional e intercontinental, os Dash-8 são as aeronaves adequadas para alimentar as rotas mais longas, por causa da sua versatilidade e baixo custo operacional.

 

Transporte das vacinas contra covid-19

 

E qual é o calendário previsto para a chegada dos restantes aviões?

Prevemos que as restantes aeronaves cheguem nos próximos meses, Março, Abril e Maio.

 

Vão contratar pilotos estrangeiros?

Neste momento, não temos necessidade de contratar pilotos estrangeiros para este tipo de aeronave. Contudo, está em curso um processo de formação, cujos instrutores ainda são estrangeiros, mas que serão paulatinamente substituídos por quadros nacionais.

 

O negócio com a Boeing está definitivamente anulado?

Em qualquer contrato há obrigações para  ambas as partes. Contudo, por causa da crise económica em Angola e reforçada pelos efeitos da pandemia, o negócio com a Boeing está a ser revisto pelas partes mediante discussões em que tem imperado a boa fé e uma grande flexibilidade.

 

 É verdade que a empresa americana reclama por indemnização?

Até agora não houve qualquer reclamação.

 

Em 2022, é possível termos uma gestão privada à frente da TAAG, sem intervenção do Estado - à excepção de um possível voto de qualidade do chairman, nomeado pelo Estado, nas reuniões periódicas da administração?

É preciso saber diferenciar a propriedade (que são os accionistas) da gestão. Neste momento, os gestores são todos profissionais da aviação. Não são funcionários públicos. Em 2022, tal como se planeia, eventualmente haverá uma alteração da estrutura accionista e caberá a ela a nomeação dos gestores e a definição dos objectivos da companhia.

 

A TAAG será a transportadora oficial para o transporte das vacinas contra a covid-19?

Vamos apoiar o transporte de vacinas para algumas províncias, mediante a solicitação do Ministério da Saúde, instituição com a qual temos tido reuniões sobre esta importante tarefa.

 

Está a dizer que não serão os vossos aviões  a trazer as vacinas para Angola?

Exactamente. O Ministério da Saúde faz parte da plataforma internacional COVAX, que garante o transporte das vacinas desde a origem para os países destinatários.

 

E já se equiparam os aviões com as arcas apropriadas para o transporte das vacinas para as províncias?

Todos os detalhes técnicos estão a ser debatidos internamente. Na devida altura, a TAAG estará preparada para o cumprimento de mais uma nobre missão.

 

Há muitos pedidos de reembolso?

Há um aumento extraordinário nos pedidos de reembolso.

Reconhecemos que não têm sido realizados à velocidade exigida pelos nossos clientes, pois, como devemos calcular, a companhia não tem capacidade imediata de resposta ao nível da tesouraria...

 

E agora ?

Entretanto, temos estado a encorajar os clientes a obterem o voucher - um título com o valor do bilhete comprado -, que tem validade de um ano.

 

Com este voucher, o cliente pode adquirir um bilhete para outro destino qualquer, é isso?...

...e pode ser transmitido a outra pessoa.

 

De piloto de caça a presidente da Taag

Rui Carreira é uma das vozes mais autorizadas em aviação de Angola, sector para o qual entrou aos 21 anos, como piloto aviador de caça da Força Aérea Angolana, e nunca mais parou. Antigo  oficial das Forças Armadas, desempenhou, na aviação civil, entre várias funções profissionais, a de piloto comandante e chefe de frota.

Entre os cargos de gestão na TAAG,  destacam-se o de coordenador adjunto do Comité de Refundação, de administrador executivo e de coordenador adjunto da comissão de gestão, antes de ser nomeado presidente da comissão executiva, em 2018.

No seu currículo, contam-se também os cargos de presidente da Associação dos Pilotos de Angola e de director-geral do Instituto Nacional da Aviação Civil.

Natural de Luanda, há 54 anos, ler e tocar violão são as suas paixões. No futebol, o Petro de Luanda, Asa, Sport Lisboa e Benfica, Manchester United e Flamengo são os clubes do coração.

Rui Carreira tem ainda uma licenciatura em Direito, é mestre em Finanças Empresariais e pós-graduado em Alta Direcção de Empresas. Fala francês, inglês, russo e espanhol.