Resort de referência à beira do abismo
TURISMO. Já foram despedidos funcionários e o grupo hoteleiro, que tem uma unidade pronta para abrir portas, enfrenta custos de manutenção avultados sem perspectiva de receita, já que a interdição das praias, em vigor desde Março. não tem data para levantamento.
Com mais de uma década dedicada ao Ecoturismo em Angola, e depois da construção paulatina de uma marca que se tornou referência nacional dentro e fora de portas, o gestor e proprietário do Carpe Diam, Paulo Augusto, começa a ‘atirar a toalha ao chão’, depois do fecho de portas da famosa Praia dos Surfistas, imposto desde Março. A covid-19 foi uma catástrofe para a maioria dos empresários, mas o sector do turismo, privado de voos e viagens, e sujeito a restrições de vária ordem, é dos mais atingidos a nível mundial. O resort Carpe Diam, em Cabo Ledo, encontra-se numa situação de fragilidade maior, porque se situa na praia que, no âmbito das restrições do estado de calamidade, é proibido frequentar. “Tivemos de mandar os funcionários embora porque já não temos como lhes pagar. Foram 30 empregos directos e no Carpe Diem que empregava 50 vão sobrar apenas metade, se isto continuar”, conta o gestor que, há mais de 20 anos, investe na zona que “antigamente não passava de um pântano”. Mas, mais do que os postos de trabalho directos que desaparecem, “destrói-se todo um ecossistema económico que vivia da actividade, desde as aulas de surf às vendas e alugueres do parque e de artigos e kitutes variados por jovens ambulantes que assim alimentavam as suas famílias”.
O VALOR ouviu clientes do resort que se queixam das ameaças de multa da Polícia, que tornam a estadia, outrora relaxante, num stress adicional. “Depois de hora e meia a conduzir para descansar, a última coisa de que se precisa é ter um polícia a ralhar para que a pessoa saia da areia e não molhe sequer os pés. Mas a água tem covid?”, interroga-se um cliente. Lógica da interdição que é questionada também pelo proprietário do espaço. “Não podemos ir à praia apanhar vitamina D, que é essencial para o sistema imunológico, mas podemos ir ao cinema, que é fechado? É incompreensível, somos o único país que manteve proibições nas praias e aqui nós até temos condições de criar segurança por ser uma zona concessionada, quanto mais não seja para manter empregos e gerar impostos.” Paulo Augusto conta que construíram um parque de estacionamento para 100 carros, e que é possível criar um “exemplo de acesso à praia em segurança”, com espaçamento de 10 metros entre as pessoas, lavagem e desinfeção das mãos e medição da temperatura. “Podemos fazer as regras funcionar, mas é preciso que o Governo olhe para estas situações”, clama.
Sobre apoio do ministério de tutela, o gestor descreve um cenário de “deriva” com três ministros diferentes em menos de um ano, desde a saída da ministra Ângela Bragança, “que teve o mérito de procurar soluções ouvindo todos os intervenientes no sector”, aos seis meses da ministra Adjany Costa, que também deu “alguma esperança” ao sector. “Temos um novo ministro e ainda não sabemos nada dele”, explica.
Do pólo de desenvolvimento turístico de Cabo Ledo, o gestor diz não saber nada “porque não falam com os operadores”, mesmo se tratando do Carpe Diam, “o maior empregador” da zona. “Quem vai pensar investir num país assim? Só se ouve falar que o turismo vai ser a fonte de rendimento para Angola e não estamos a entender como?”, questiona-se. “Os parques naturais estão numa lástima, precisam de um investimento muito grande que não se faz em meia dúzia de meses, e o turismo sol e mar, que poderia fazer isto funcionar, vê as praias interditas”, lamenta.
Cabo Ledo não tem energia da rede, nem água canalizada e, por isso, as despesas fixas de manutenção na região e os custos operacionais com água, energia e lixo são muito elevados e mantêm-se “com as portas abertas ou fechadas”. “Para cortar custos só cortando em pessoal lamentavelmente. Vai chegar o Natal e o fim do ano e estamos quase parados quando, nesta altura, já estaríamos cheios e com quartos livres só lá para 6 de Janeiro. Com todas estas regras mais a proibição da praia não estamos a conseguir”, insiste o empresário para quem a covid-19 poderia ter fomentado o turismo interno. “Temos uma cerca sanitária em Luanda, onde se concentra todo o poder económico e um terço da população. Por causa da cerca, havia uma esperança nos pontos turísticos da capital”, como Mussulo, Cabo Ledo, Barra do Dande, mas que morre devido à interdição às praias.
Antes da pandemia
Paulo Augusto conta que o projecto, que cresceu de forma paulatina mantendo os custos possíveis baixos, teve um período de crescimento e que, mesmo com a entrada da crise, investiram no turismo de fora, participando em feiras internacionais que deu resultados positivos que permitiram colmatar o êxodo dos expatriados que compunham grande parte da clientela. O turismo interno e a diversificação de projectos que atraíam o turismo da natureza contribuíram para a sustentabilidade do projecto. Através de uma parceria com uma associada internacional, instalada em Portugal e Israel, a estratégia incluía pacotes internacionais para um público nicho de surfistas e observadores da natureza, particularmente no período do cacimbo.
Também com a crise as pessoas que costumavam sair passaram a fazer férias dentro do país, “portanto esse mercado interno passou a compensar a transição e tivemos de nos adaptar, mudar pratos, abrimos o safari tours que faz safaris, promovemos cursos de guia turístico para fazer visitas às grutas”. Os 45 quilómetros entre a Barra do Kwanza e Cabo Ledo, lembra o empresário, “são provavelmente uma das melhores zonas de África para turismo com o parque da Quissama, um campo de golfe muito bom, grutas, um dos maiores rios do continente, o surf, a desova das tartarugas, a segunda ou terceira maior peregrinação Católica do mundo com a Senhora da Muxima, os resorts, o marisco e um por do sol fantástico. O potencial é muito grande o problema é operacionalizar e deixar as coisas acontecerem”.
A empresa familiar tem também um resort ecológico, novo, já inspeccionado e pronto a inaugurar, feito com materiais locais, com madeira reciclada e adobe. A unidade conta com 14 alojamentos e restaurante mas “tem de estar fechado porque é na praia”. Cansado, o gestor, que diz compreender as restrições mas não o fecho de praias com condições de segurança, apela a que salvem aquele “exemplo de turismo nacional”.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...