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‘EMPURRADO’ PELA PANDEMIA

Sabão artesanal dá de comer e cria negócios

12 Jan. 2021 (In) Formalizando

EMPREENDEDORISMO. Sabão tem servido para o sustento de várias famílias fragilizadas financeiramente pela pandemia e na prevenção da propagação da covid-19, em especial, nas comunidades mais carentes. É fácil de fazer e passou a ser uma alternativa de negócio.

Sabão artesanal dá de comer e cria negócios
D.R

Se, por um lado, a pandemia causou efeitos nefastos na vida financeira de muitas famílias desfavorecidas, por outro, deu azo a muita gente a lançar-se ao mundo do empreendedorismo, na luta da busca de uma fonte de rendimento alternativa diante do acentuado nível de desemprego. A produção e comercialização de sabão caseiro, cada vez mais utilizado na higienização das mãos, ganharam espaço.

Nas ruas e mercados informais de Luanda, é notória a venda a retalho, cujos preços variam de 50 aos 100 kwanzas. Até nas redes sociais, a publicidade para vender o produto tem presença nos perfis, páginas e grupos de negócios. À medida que o consumo aumenta, surgem vários produtores, uns formados por famílias e amigos e outros individualmente, com ou sem formação solidificada sobre o processo químico. Em média, gasta-se 2.500 a 3.000 kwanzas para o fabrico, com óleo vegetal já utilizado. Enquanto com óleo vegetal ainda não usado, pode cifrar-se à volta dos 12 mil kwanzas ou mais, dependendo da quantidade desejada a produzir.

Formado em Petroquímica, Felizardo Culembela decidiu apostar no fabrico do sabão, respondendo à necessidade desencadeada pela pandemia. Mas antes capacitou as formadoras do centro de formação profissional do MAPTSS do Rangel na produção da matéria.

Para ele, “o processo de fabrico é fácil”, mas “requer rigorosos cuidados” por causa de produtos químicos, pelo que não “se pode utilizar materiais metálicos ou ferro, bem como estar desprovido de luvas”. O sabão é feito com óleo de palma, vegetal (utilizado ou não), soja, gordura de porco, soda cáustica (hidróxido de sódio), água e fragrâncias, artificiais ou naturais, como são os caso do limão e o café.

Geralmente, o jovem residente na rua da Suave, em Viana, produz com óleo utilizado, fornecido habitualmente a uma quantidade de cinco litros a troco de mil kwanzas por proprietárias de barracas de comida. Refere ser mais rentável deste modo do que com óleo não utilizado, pois, com a inflação, “o bidão de cinco litros de óleo vegetal ‘novo’ custa agora mais de cinco mil, a soda cáustica três mil”. Por cada cinco litros, é capaz de produzir seis barras de sabão, vendidas a mil kwanzas cada uma. Por dia, obtém seis mil kwanzas, um valor que reflecte lucros satisfatórios quando usado óleo queimado.

O óleo usado também faz parte das preferências de Domingos Miguel Capitão, um bacharel em química. Mas, explica não ser tarefa fácil de conseguir. Tentou parcerias com restaurantes, mas não obteve sucesso, inclusive na campanha porta a porta criada no bairro Quintalão do Petro, no Golfe II. Domingos Capitão apenas queria uma troca de óleo utilizado por alguma barra de sabão. “Mesmo com a campanha feita os moradores dão poucas quantidades, desconhecem que com o óleo queimado se faz sabão. O processamento com óleo queimado acaba por ser mais rentável porque só compramos a soda e um outro aromatizante para dar mais qualidade”, refere.

Domingos Capitão tem como principais clientes os vizinhos, algumas senhoras que revendem nos mercados informais e interessados provenientes das redes sociais. Além da própria mãe que vende a retalho à porta de casa. O preço da barra varia dos 850 aos 900 kwanzas e as metades pequenas de 100 a 200 kwanzas. 

Pedro Rocha é outro produtor que lamenta a falta de colaboração dos restaurantes, pastelarias e outros estabelecimentos que usam constantemente grandes quantidades de óleo. Alegadamente, a maioria apresenta como pretexto o facto de terem parceria com outros produtores. As poucas que aceitam disponibilizam reduzidas quantidades, à volta de cinco litros, mensalmente. Por isso, produz actualmente com algumas oscilações, na maior parte das vezes por solicitação. A maior encomenda conseguida foi de 600 barras enviadas para o Bengo.

Fora o rendimento, o jovem produtor no bairro Hoji-Ya-Henda, Cazenga, encara o fabrico do sabão como “um acto de solidariedade para com as comunidades carenciadas”. Esclarece que, em comparação à fase de emergência, hoje o rendimento baixou significativamente. E ainda conta com a concorrência de muitos produtores que vão surgindo.

FORMAÇÃOEM PROLIFERAÇÃO

Em várias ruas da capital e nas redes sociais, é possível ler cartazes publicitários para se frequentar cursos de fabrico de sabão artesanal. É uma outra fonte de rendimento dos produtores perante o interesse de muitas famílias aprender a confecção, não apenas por uma questão de evitar os gastos com produtos de higienização, mas de subsistência. No ano passado, com o desemprego a atingir níveis alarmantes, Pedro Rocha perdeu a conta do número de formandos. Grande parte deles eram professores. “Alguns não tinham nada para comer em casa. Aprenderam a fazer sabão e rapidamente começaram a produzir em casa e a vender. Criou renda para famílias, muitas até hoje agradecem”, revela.

À semelhança de Pedro Rocha, Felizardo e Domingos também afirmam ter perdido a conta do número de pessoas formadas até ao momento. Classificam até a formação de “pendor altruísta pelo valor cobrado”

A formação intensiva tem duração de 24 horas e é ministrada nos centros de produção instalados em residências. Os preços variam de 2.500 a 10 mil kwanzas, dependendo da possibilidade financeira dos moradores da zona em que estão instalados.

No entanto, os jovens empreendedores recomendam a quem fabrica por curiosidade a consultar as vídeo-aulas na internet, para se capacitarem sob pena de colocarem produtos nocivos na pele e no mercado. Por outro lado, pedem mais colaboração das empresas do ramo de restauração, em especial, as de ‘fastfood’.

Além de auxiliar na higienização das mãos e na sobrevivência de famílias vulneráveis, a proliferação da produção de sabão artesanal tem contribuído para um ambiente saudável nas comunidades, onde até então o óleo usado era misturado com água suja e deitado em locais inadequados, num claro atentado ao ambiente.