SONANGOL BIPOLAR
A narrativa do novo paradigma em Angola tem particularidades, no mínimo, curiosas. Invariavelmente - diríamos - cheia de paradoxos. E as contradições vão ao ponto de colocar uma ‘empresa-Estado’ como a Sonangol a manifestar sintomas visíveis de bipolaridade na interpretação da Lei. Da mesma Lei de sempre, diga-se por reforço.
Vem a propósito o exemplo da controversa aquisição de mais 25% da Unitel, anteriormente detidos pela brasileira Oi. Por semanas a fio, o VALOR questionou o interesse que a petrolífera pública manifestava na compra dos activos da Oi na operadora angolana. E as interrogações colocaram-se, essencialmente, com três argumentos. O primeiro é político: o reforço da petrolífera na Unitel contrariava o programa de privatizações do Governo que inscreveu a alienação dos então 25% da Sonangol até 2022. O segundo é económico: a estatal não havia esclarecido o racional económico-financeiro por detrás da operação, na medida em que, entre outras exigências, teria de fazer recurso a financiamento para concretizar o negócio. O terceiro é legal: o negócio entre a Sonangol e a Oi potenciaria necessariamente algum conflito, já que o direito de preferência dos demais accionistas ficaria em causa.
A operação, como se esperava, entretanto, avançou. À questão política e económica a Sonangol deu a mesma resposta. Qualquer coisa justificada com a oportunidade de valorização do investimento para uma venda futura mais lucrativa. E porque apenas a Sonangol domina as contas que fez, neste quesito merece o benefício da dúvida.
O mesmo não é válido, contudo, quanto ao argumento apresentado para relativizar o risco legal. A bipolaridade na interpretação da Lei aqui é inquestionável. Basta um recuo aos factos. Há pouco mais de quatro anos, a Sonangol juntou-se à Vidatel e à Geni para contestar, na justiça angolana, a entrada dos brasileiros na Unitel, por via da aquisição da Portugal Ventures. Na análise da petrolífera, o então accionista português não teria respeitado o acordo parassocial da Unitel, porque, tendo optado por sair da estrutura por opção própria, tinha a obrigação de colocar os seus 25%, em primeiro lugar, à disposição dos seus parceiros. A justiça angolana analisou os factos e sentenciou a favor dos queixosos.
Paradoxalmente, a Sonangol declara hoje publicamente que não vê qualquer risco legal, uma vez que comprou a PT Ventures e não os 25% da Unitel. O que não diz é como não percebeu antes que a brasileira Oi também não havia comprado os 25% na Unitel, mas antes a PT Ventures.
Resumindo, das duas uma: ou a justiça angolana equivocou-se em toda a extensão, ao dar razão à Sonangol no passado. Ou a Sonangol está a servir de instrumento de retenção/agregação das acções da Unitel para serem transferidas em algum momento para algum sortudo. E, claro, se a primeira hipótese é, pelo menos, humilhante; a segunda, a confirmar-se, será no limite um escandaloso assalto a coberto do Estado.
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