TAAG faz “KRF” às comissões de gestão
AVIAÇÃO. Primeiro a equipa demite-se, depois a mesma é exonerada. Em meio a jogos administrativos, Emirates impulsionou retirada da TAAG de lista-negra europeia, dois anos após assumir gestão de operadora em crise profunda.
A intenção é deixarmos de ser uma companhia de bandeiras e passarmos, de facto, a companhia de bandeira”. Com estas palavras e um leve sorriso, o piloto Rui Carreira finalizava, em Maio de 2009, uma entrevista à TPA em torno dos esforços da TAAG para contornar a proibição de voar a todo o espaço europeu.
Então membro de uma comissão de gestão montada para contrapor a suspensão das operações da TAAG na Europa, o conhecido piloto referia-se às mais recentes medidas que a transportadora e o Ministério dos Transportes desenvolviam para o retorno auspicioso aos céus do velho continente.
Foi em Fevereiro de 2007 que a Comissão Europeia (CE) anunciou a entrada em vigor do bloqueio, na sequência da actualização de uma lista de companhias estrangeiras cujos procedimentos operacionais de segurança chocavam com as rígidas regras do continente. Na altura, o comissário europeu dos transportes, Jacques Barrot, esclareceu que a inclusão da TAAG nessa lista-negra havia sido aprovada pelo comité de segurança aérea da CE, ao que faltaria, apenas, a sua adopção formal pelo executivo comunitário.
O passo seguinte seria a publicação da medida em Jornal Oficial das Comunidades Europeias, após a qual a medida entraria em vigor no mesmo dia. Vamos recordar, também, que a votação para a inclusão da TAAG na referida lista foi unânime entre os membros do organismo europeu. Estava decretada a sentença, sem apelo nem agravo, contra os velhos Boeings 747 tricolores da companhia de bandeira.
Os europeus nunca revelaram em público os detalhes das inconformidades em que a TAAG teria sido apanhada, sabendo-se apenas que se referiam à segurança em terra e no ar.
Nesta altura, o país vivia a melhor fase económica e financeira do pós-guerra, com a alta do petróleo a garantir uma liquidez robusta ao Estado angolano. O preço do barril de crude atingirá uns inéditos 146 dólares, facto que catapultou o país para uma exclusiva lista de nações que haviam registado o maior crescimento económico dos últimos anos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou o pico do crescimento angolano em 27%.
Vários analistas acreditaram que foi precisamente a bonança decorrente do ´boom´ petrolífero que incutiu ao Governo angolano um certo ar ufano e arrogante. A medidas negativas tomadas por organismos ou governos estrangeiros, Luanda respondia com advertências de retaliação, com base num alegado direito de reciprocidade previsto no Direito Internacional.
Em comunicado, o Governo angolano considerou a medida de injusta e referiu que se reservava o direito de tomar medidas semelhantes contra operadoras europeias. Por seu turno, a TAAG denunciou um “comportamento de concorrência desleal”, considerando a falta de um “veredicto”, mas apenas de uma “recomendação”.
Fruto de retaliações tomadas na altura contra Portugal, na sequência de episódios que beliscaram as relações bilaterais, a opinião pública receou que a Air France e a TAP seriam as primeiras a sentir a fúria angolana. Mas nada disso aconteceu.
Não se sabe ao certo se iluminado por algum poder estranho ou tomado pelo bom senso, o facto é que o Governo angolano deu uma abordagem diferente ao problema. Em Novembro de 2008, anunciou a refundação da TAAG e a criação de uma comissão de gestão para a companhia. Presidido por António Pimentel de Araújo, a comissão tinha como objectivos primários conceber uma estratégia e uma estrutura organizativa para a ´nova´ companhia aérea de bandeira nacional.
Teria, também, como missão elaborar medidas e respectivos cronogramas que levassem à retirada da transportadora da “lista-negra” da UE, assim como apresentar um programa de “transformação organizacional”.
Ao grupo pedia-se, ainda, a adopção de um “modelo dualista”, traduzido na separação do órgão de supervisão (conselho geral e de supervisão), o órgão executivo (conselho de administração), bem como a contratação de gestores nacionais ou estrangeiros para o conselho de administração; aludia à possibilidade de contratação de empresas de consultoria e à selecção de um parceiro estratégico internacional, no que seria o embrião para a assinatura do acordo de gestão com a influente e aclamada companhia árabe Emirates.
E porque o problema residia não apenas nos procedimentos, mas, também, nos aparelhos em si, a refundação passava pela renovação e reforço da frota para cobrir as operações domésticas, regionais e internacionais. Este aspecto, em particular, não era de implementação tão fácil.
Se, por um lado, o país ainda vivia os bons ventos da alta petrolífera, por outro, a crise internacional iniciada nos EUA e o custo das aeronaves impunham algum freio aos ânimos do Governo. A decisão de compra de novos aviões, estimada em 600 milhões de dólares, era anterior à interdição, mas esta apressou o processo.
Angola aposentou a frota de Boeings 747 e tratou de dar a devida publicidade à aquisição de vários aparelhos Boeings 777, na altura a coqueluche da fabricante norte-americana. Em Novembro de 2009, exatamente um ano depois de criada a comissão de gestão, a Europa anunciou uma nova medida que colidia de frente com os objectivos de reestruturação da TAAG.
Na sequência de mais uma actualização da sua lista, Bruxelas votou pela manutenção da angolana no conjunto de operadoras proibidas, sequere, de espreitar o seu espaço. Só poderiam estar a brincar! Em comunicado, o Governo angolano criticou a decisão e fez menção que a entidade europeia nem levara em conta o facto de que o país disponha de aparelhos novinhos em folha… Mas a medida dos europeus era anterior a uma outra, anunciada em Julho do mesmo ano, que concedia à TAAG o direito de operar um máximo de dez voos semanais para um único destino europeu, com a qual Bruxelas dizia reconhecer os esforços da TAAG para ultrapassar os problemas de que haviam resultado o bloqueio operacional.
O executivo europeu dizia ter levado em conta “os grandes esforços desenvolvidos pela autoridade angolana da aviação civil e pela transportadora aérea TAAG - Linhas Aéreas de Angola para resolver progressivamente os problemas de segurança”, pelo que a TAAG é autorizada a aumentar o número de aeronaves utilizadas nas suas operações aéreas com destino a Portugal”. Rui Carreira, também porta-voz da comissão de gestão, disse, na altura, que a escolha da rota para Lisboa tinha sido uma opção estratégica comercial da companhia e não uma imposição da União Europeia (UE).
“A União Europeia colocou-nos algumas condições, mas nós fomos soberanos na tomada de decisão e optamos por Lisboa, porque do ponto de vista comercial é a nossa melhor rota”. Em 2014, dá-se outro facto inédito na vida da TAAG. O Presidente da República, José Eduardo dos Santos, substituiu a comissão de gestão por um conselho de administração de cariz marcadamente estrangeiro.
O acordo com a prestigiada Emirates vinha “ajudar na construção e desenvolvimento de uma nova TAAG”, segundo um comunicado do Ministério dos Transportes, o qual aludia à indicação, pela transportadora do Dubai (Emirados Árabes Unidos), de quatro administradores executivos. Em meio a contínuas controvérsias e apelos de cariz marcadamente ´nacionalistas´, por se ter ´entregue a estrangeiros´ o controlo de uma companhia estatal estratégica, há exactamente um ano, Bruxelas anunciava a retirada da companhia angolana da sua lista-negra. Sem reservas.
A TAAG “está agora livre para se candidatar a qualquer licença comercial para operar em qualquer dos Estados-membros da União Europeia e está no mesmo nível que qualquer grande companhia aérea estrangeira a voar para a Europa”, referiu a Agência Europeia para a Segurança da Aviação (EASA, na sigla em inglês). A Emirates celebrou o facto como um “marco significativo para a sua história”.
BILHÕES PROVOCAM RETALIAÇÃO
As dificuldades de conversão de biliões de kwanzas, resultantes da venda de passagens da Emirates em Luanda, levaram a que a companhia do Dubai abandonasse a gestão da TAAG. Ao VALOR, fonte da companhia recusou-se a avançar o montante em causa, observando apenas que se “tratam de vários biliões em moeda local” em bancos do país que a companhia não consegue converter em dólares ou em euros, para a sua transferência.
Segundo a mesma, a decisão não pode ser considerada de brusca nem o Ministério dos Transportes se deve considerar de surpreendida. “A Emirates fez vários esforços junto do BNA e do Ministérios dos Transportes”. Na quinta-feira, 13, o Governo criticou a forma “brusca e menos flexível” como a companhia terminou o contrato.
“A Emirates misturou indevidamente dois planos distintos que são a sua operação em Angola enquanto companhia de aviação e o acordo de gestão que rubricou com a TAAG”, segundo comunicado do Ministério dos Transportes
JLo do lado errado da história