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Terminais marítimos de passageiros quatro anos a ‘afundarem’ e à espera de investidores

EMBARCAÇÕES. Inaugurados há quase oito anos, terminais marítimos de passageiros do Kapossoca e Museu da Escravatura perderam o fulgor em 2018 quando deixaram de receber passageiros. Governo abriu concurso público para passar a gestão aos privados. E, enquanto novos gestores não chegam, espaço vai ficando ao abandono. Estacionamento serve para a venda ambulante e até para churrascos.

 

Terminais marítimos de passageiros quatro anos a ‘afundarem’ e à espera de investidores

Desde 2018 que já não existe o ambiente de luxo desse terminal. Está tudo wazebele (abandalhado). “É assim que um antigo marinheiro do terminal do Kapossoca, no embarcadouro do Mussulo, em Luanda, descreve o antes e o depois de um espaço que prometia ‘glamour’ e um movimento de barcos e iates.

Luís dos Santos trabalha no terminal do Kapossoca há mais de uma década, como marinheiro. Enquanto fala do passado e do presente do terminal que, para ele, era um “luxo”, há uma vendedora ambulante a apontar para a bacia de frutas logo à entrada do terminal. “Essas senhoras, quando isto estava bem bom, nem venderiam aqui bem perto”, brinca.

O terminal marítimo do Kapossoca foi inaugurado pelo ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, em 2014. O espaço, prometiam as autoridades na cerimónia de abertura, tinha como objectivo aliviar o congestionamento do trânsito no troço Benfica/Samba para o centro da cidade, com o uso dos catamarãs. Mas não só. Pretendia oferecer conforto a quem o utilizasse.

Na altura da inauguração, o terminal contava com áreas de atendimento, entre as quais uma sala destinada às entidades ‘VIP’, um espaço para acomodação dos passageiros, com serviço de táxi, zona para venda de bilhetes, com terminais multicaixa e a informação impressa detalhada sobre horários e preços.

Contava ainda com pequenas lojas, entre as quais uma de venda de acessórios de praia, outra com um largo serviço de esplanada com pequenos-almoços e lanches, gelados e sumos tropicais, além das inevitáveis cervejas. Para quem fosse desprevenido, sem dinheiro, não faltava o terminal multicaixa em pleno funcionamento.

Uma das ‘cerejas no topo do bolo’ era o restaurante com almoços e jantares, bem à beira-mar. Por aqui, houve passagens de modelos, grandiosas festas particulares e de empresas, convívios de empresas e até jantares românticos.

Ao lado, na zona de embarque, exibiam-se iates, uns pequenos, outros maiores, mas igualmente luxuosos.

O espaço, sem a ironia do marinheiro, deixou de receber passageiros em 2018, com a suspensão da operação dos catamarãs em Luanda, devido à falta de manutenção e por a empresa gestora, a TMA Express, estar supostamente ilegal.

Luís dos Santos era um dos funcionários da empresa. “Não entendemos nada”, desabafa. A denúncia da ilegalidade da empresa partiu do antigo secretário de Estado para os Sectores de Aviação Civil, Marítimo e Portuário, António Cruz Lima.

Pouco a pouco, o embarcadouro ficou reduzido e começaram a faltar os clientes.

Sala VIP e estacionamento: os “sobreviventes”

Do antigo Kapossoca apenas o estacionamento e a sala ‘VIP’ se mantêm funcionais. As lojas, o restaurante, a zona de bilheteira e o serviço de táxi deixaram de funcionar. “Foi fechando tudo. Nem os terminais multicaixa sobraram”, lembra um turista, enquanto espera para fazer a travessia, numa das ‘chatas’ que animam o espaço.

A sala VIP tem servido de suporte para o embarque de clientes, todos passageiros do resort Roça das Mangueiras, da ilha do Mussulo, no âmbito de um contrato de exploração celebrado com a entidade que detinha a gestão dos terminais marítimos. Os clientes dos outros resorts, localizados na ilha, têm de esperar pelos barquitos que atracam próximo do cais. Uma das clientes, por exemplo, reclamava da falta de acomodação. “Parecemos refugiados aqui à espera. Nem uma cadeira para sentar!”, protesta.

Um dos responsáveis da sala ‘VIP’, Márcio Fortunato, lamenta que o terminal do Kapossoca esteja com um “ambiente tão triste” para um lugar que “devia ser cartaz” para se ir à ilha do Mussulo. “Todos os turistas deveriam ter um espaço para ficar e estarem acomodados. Isso devia ter um ar mais alegre. Já não havia muita alegria. Agora só piorou.”

O terminal do Kapossoca está sob gestão do Porto de Luanda. O Valor Económico constatou que o terminal beneficiou de ligeiras melhorias, face ao que era há pelo menos dois anos, quando o processo de destruição se mostrou mais acelerado.

Museu menos triste

Diferente do terminal do Kapossoca, o terminal do Museu da Escravatura tem outra “vista”, fruto também da distância em relação à cidade e ao pouco movimento. Um dos marinheiros da zona, João Miguel, lembra, por exemplo, que desde a inauguração que o terminal não tem “tanto movimento e por isso o estado de degradação é mais reduzido” em relação ao do Kapossoca. “O problema é a localização. O do Kapossoca é o mais perto e acaba por ser o preferido. E com isso é mais usado”, explica.

A limpeza do espaço é assegurada pelos guardas do local, como assegura um dos seguranças. A Polícia Nacional mantém o espaço “seguro”, assim como o faz também no Kapossoca. 

Nova gestão traz esperança

O Porto de Luanda abriu, em Agosto do ano passado, um concurso público limitado para a concessão e exploração dos terminais marítimos de passageiros do Kapossoca, Mussulo, Museu da Escravatura e do Macôco.

O vencedor do concurso terá um período de 10 anos para a sua exploração. O processo para a adjudicação ainda decorre, assegura o coordenador da Comissão de Avaliação do Concurso Público para Concessão dos Terminais Marítimos de Passageiros de Luanda, Carlos Domingos.

A projectada concessão dos terminais reacendeu a esperança de alguns marinheiros e turistas. Luís dos Santos espera que, com a nova gestão, ele e os antigos colegas possam ser enquadrados. “Temos esperança. Será muito bom para os terminais”, acredita.

Cobranças desconhecidas

Apesar do visível estado de abandono, os estacionamentos dos terminais do Museu da Escravatura e do Kapossoca sempre estiveram funcionais, assegura um dos responsáveis por manter o espaço “limpo e garantir o controlo dos carros que lá parqueiam”.

No terminal do Kapossoca, o parque “está quase sempre cheio”, em especial durante os fins-de-semana. O parque deveria ser gratuito desde que o terminal deixou de receber passageiros. Mas, por algumas horas, são cobrados 500 kwanzas e, por dia, mil kwanzas. O responsável afirma que o dinheiro serve apenas para pagar alguém que mantenha os carros vigiados e com a ajuda da Polícia Nacional.

O mesmo valor também é cobrado no terminal do Museu da Escravatura. Neste já com muito menos carros devido ao pouco movimento. No entanto, sem tantos carros, parte do espaço vai servindo para grelhar churrascos.

Apesar de a colecta ser feita diariamente, à vista ‘desarmada’, a administração do Porto de Luanda desconhece que seja feita a cobrança de valores no estacionamento. De acordo com Carlos Domingos, a instituição investiu na recuperação de todo o equipamento de suporte à gestão dos parques de estacionamento (cancelas e sistemas informáticos), mas não começou a fazer cobranças. “E nem as fará, porque esta é uma responsabilidade que caberá ao futuro concessionário. Os parques funcionam actualmente como espaços públicos livres de cobranças. Se estão a ser feitas cobranças, presentemente, antes de os terminais serem concessionados, desconhecemos e, portanto, não temos qualquer responsabilidade nisso”, conclui.