Todos enganados
Uma semana após a apresentação da proposta de revisão constitucional, a hipótese de o MPLA e o seu presidente terem ludibriado os angolanos desapareceu do debate público. Mas vamos por partes, já que o rigor da análise assim o exige.
Ao longo deste período já transcorrido do seu mandato, o Presidente da República foi questionado várias vezes sobre o tema da revisão constitucional. João Lourenço nunca chegou a admitir a hipótese por iniciativa própria, mas, em determinada circunstância, chegou a desafiar, de forma implícita, que assim o desejasse. E fê-lo como se não soubesse que, nas circunstâncias políticas actuais, apenas a ele ou ao seu partido cabia a iniciativa por determinação constitucional. Inebriado pela tradição da razão incontroversa do líder, o MPLA alinhou-se a João Lourenço. Pelo seu porta-voz, o partido maioritário descartou, há menos de um ano, qualquer agenda de revisão constitucional. E Albino Carlos até foi particularmente enfático, ao responder ao VALOR que o seu partido estava “focado” no que era prioritário: a implementação de “um conjunto de medidas para apoiar as empresas, as famílias e o sector informal da economia, visando mitigar o impacto económico-financeiro da pandemia”.
O que se ficou a saber na terça-feira, 2 de Março, é que o MPLA ou o seu presidente, afinal, tinham mesmo a revisão constitucional entre os “focos”. E as palavras de João Lourenço não deixam dúvidas, ao sublinharem que a sua proposta decorre da experiência da aplicação da Constituição. Mas também de uma “profunda reflexão e de um estudo aturado”, no quadro dos trabalhos da Comissão da Reforma do Estado. Uma “profunda” reflexão” e um “estudo aturado”, tratando-se da Constituição, não podem ter ocorrido do dia para a noite. A hipótese do embuste geral aos angolanos é, por isso, mais do que provável.
A forma repentina como a proposta foi colocada no Parlamento e no debate público também é consistente com a atitude de quem pretende impor uma vontade, imune às influências das aspirações colectivas. Em situação normal, João Lourenço teria convocado o Conselho da República para auscultá-lo sobre os aspectos e os timings da revisão, antes de apresentar publicamente a proposta. Por uma questão de bom senso, de busca de consensos e até de correcção política. Não o fez, provavelmente, pelo agravamento da crispação política, sobretudo com a Unita, mas também para evitar o incómodo de ter de ignorar as sugestões que recebesse dos seus conselheiros. Afinal, aqui reside também a controvérsia central da revisão proposta na última semana. Estando todos de acordo que as alterações na Constituição eram exigidas pela sociedade e pela Oposição, também é verdade que essas alterações apontavam como prioridade máxima um aspecto que João Lourenço decidiu ignorar olimpicamente: a forma de eleição do Presidente da República. Sugerir, por isso, que as exigências da sociedade ficaram respondidas por João Lourenço só por uma das duas: ou por manipulação política ou por ignorância insanável.
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