ANGOLA GROWING
ADALBERTO COSTA JÚNIOR

Um fenómeno de popularidade

FIGURA DO ANO. Lutou em várias frentes, internas e externas, e saiu vitorioso de quase todas elas. Quando foi derrotado pelo Tribunal Constitucional, viu disparar a popularidade e reconquistou a presidência da UNITA com mais de 96% dos votos. Mas essas batalhas ajudaram-no a captar simpatias e popularidade, até transversais aos partidos políticos. Ao mesmo tempo, provaram que ele é, de facto, o político que o MPLA mais teme. Tudo isso justifica a escolha do jornal Valor Económico para a ‘Figura do ano’ de 2021. 

 Um fenómeno de popularidade

No discurso de posse como presidente da Unita, de novo eleito, Adalberto Costa Júnior traçou as linhas que terá de seguir em 2022: “o propósito de liderar a Unita para a governação do país e resgatar a liberdade, a dignidade e a justiça e para realizar a inclusão social”, bem como “o resgate da soberania da Unita e para dar autonomia aos membros que decidirem sobre a sua liderança”.

Desta forma, em poucas linhas, quase resumiu o que foi 2021 para a Unita e para ele próprio. Durante um ano, foi obrigado a travar batalhas, enfrentando adversários internos e externos. E alguns deles até se confundem e confundem os campos em que se movimentam: são internos ou externos ou as duas coisas ao mesmo tempo.

Na história da democracia angolana, dificilmente se encontra alguém que tenha sido tão fustigado politicamente como o foi Adalberto Costa Júnior, em apenas dois anos, com especial incidência para 2021. Em várias frentes.

Durante os últimos 12 meses, o líder da Unita teve de se envolver em combates políticos dentro do partido e na Assembleia Nacional; enfrentou campanhas que o rotularam como “mentiroso” por alegadamente não ter terminado a licenciatura em engenharia; lutou, sem sucesso, para que João Lourenço cumprisse a promessa de realizar as autarquias ainda este ano; apoiou a ideia de se combater a corrupção sem que se desfizessem as empresas já constituídas; batalhou contra a revisão da Constituição, nos moldes propostos pelo MPLA, contra a nova lei eleitoral e ainda contra a composição da Comissão Nacional Eleitoral , finalmente, perdeu a ‘guerra’ que anulou o congresso de 2019 e lhe retirou a liderança do partido.

Sobreviveu e renasceu. Somou derrotas que, no entanto, lhe reforçaram uma popularidade que, ao longo do ano, foi crescendo. As campanhas impulsionaram uma maior resistência dos militantes da Unita, ao mesmo tempo, que o líder ia colhendo simpatias fora do círculo do partido. Internamente, conquistou mais votos, incluindo de dirigentes históricos que não o apoiaram na primeira vez, como foram os casos de Alcides Sakala, Abílio Kamalata Numa, Paulo Lukamba ‘Gato’ e até de Massanga Savimbi. E ainda consolidou apoios internos importantes dentro da Unita como os de Samuel Chiwale, Eugénio Ngolo ‘Manuvakola’, Ruben Sicato, entre outros. O filho de Jonas Savimbi acabou por fazer a súmula, no final do congresso, do que estava em causa: “aprendemos com tudo isto, tirámos boas ilações e juntos vamos para a disputa do poder no próximo ano”.

‘FAMÍLIA’ MAIS UNIDA

Reunir a ‘família’ da Unita foi assim uma das principais vitórias de Adalberto Costa Júnior, em 2021. A repetição do congresso e a vitória com uns arrasadores 96% dos votos foram, sem dúvida, o acontecimento político do ano. Adalberto Costa Júnior voltou a ser eleito presidente da Unita, a 4 de Dezembro. Mais de 1.100 delegados exerceram o seu direito de voto no XIII Congresso. No entanto, ainda falta receber a validação do Tribunal Constitucional (TC), não só da realização do congresso como da nova liderança. E, como o presidente da Unita, bem sabe e já experimentou, no TC, tudo pode acontecer.

Foi o mesmo TC que deu provimento a um pedido de impugnação do congresso, vindo de um grupo de militantes da Unita. Alegaram que a candidatura de Adalberto Costa Júnior era ilegal, por, na altura da apresentação, o hoje líder da Unita ter dupla nacionalidade, angolana e portuguesa, e a Constituição não o permite. De nada adiantou a Adalberto Costa Júnior apresentar a declaração de renúncia e a respectiva aceitação por parte de Portugal. Daí que, depois de saber os resultados da eleição repetida, Adalberto Costa Júnior tenha reafirmado que o seu objectivo era “o resgate da soberania da Unita e para dar autonomia aos membros decidirem sobre a sua liderança”. Estava também dado o recado.

Durante o ano, foi notável o esforço de Adalberto Costa Júnior em aproximar-se das províncias do Sul, particularmente a do Huambo, de onde, aliás, é originário. No entanto, desde muito novo que se afastou do Planalto Central, indo viver para Benguela, primeiro, e depois para Portugal, para estudar.

Esse distanciamento da base tradicional da Unita não é propriamente bem visto ou bem aceite nas cúpulas do partido. Além disso, falta-lhe o nome em umbundo. Para uma ala mais conservadora da Unita, Adalberto, Costa e Júnior são demasiados nomes e sobrenomes em português. O líder da Unita, ao longo do ano, tudo fez para se aproximar das lideranças tradicionais, em visitas constantes a várias localidades e em encontros com sobas e autoridades.

POPULARIDADE EM ALTA

O resultado final do Congresso repetido originou uma retumbante vitória do líder da Unita. No ‘primeiro’ congresso, em 2019, Adalberto Costa Júnior foi ‘eleito’ por 53,4% dos votos. Dois anos depois, no ‘segundo’ congresso, arrecadou 96,43% dos votos.

A subida reflecte bem a popularidade que alcançou, com níveis elevados, visíveis na adesão a intervenções públicas, nas reacções positivas nas redes sociais e nas sondagens que algumas empresas vão produzindo, entre elas, as do AngoBarómetro. A mais recente deu-lhe uma vitória por mais de 20 pontos, caso as eleições fossem em Novembro.

Também significativas são as audiências conquistadas pelas rádios, canais de televisão (a maioria na internet), em sites e ‘webinars’ sempre que o presidente da Unita é convidado.

A popularidade do líder da Unita é um dos pontos mais altos do balanço do ano de Adalberto Costa Júnior. Outra vitória de se assinalar foi ter conseguido juntar alguns partidos na oposição em redor de uma plataforma que provisoriamente adoptou a designação de Frente Patriótica Unida. À Unita, juntou-se o Bloco Democrático, liderado por Filomeno Vieira Lopes, e o projecto PRA-JA, de Abel Chivukuvuku, antigo ‘companheiro de estrada’ e ex-chefe de Adalberto Costa Júnior, na Unita.

A acção política deu-lhe espaço para ‘estender a mão’ a João Lourenço, propondo um encontro que servisse para desanuviar as tensões. Ainda não recebeu respostas, nem directas, nem indirectas.

APOIOS DE DENTRO E DE FORA

A nível nacional, o líder da Unita capitalizou simpatias, algumas das quais, inusitadas, aproveitando um descontentamento generalizado nos outros partidos. Por exemplo, de militantes do MPLA, desavindos com o rumo que o partido tomou na gestão de João Lourenço. Entre eles, o de uma das filhas de José Eduardo dos Santos, Welwítschia dos Santos ‘Tchizé’, que não esconde, em declarações públicas, a admiração por Adalberto Costa Júnior. O caso não é para menos. Enquanto José Eduardo dos Santos é alvo constante de tentativas de humilhação por parte de João Lourenço, o líder da Unita e outros dirigentes têm conservado o respeito pelo antigo Presidente, até com elogios à sua postura enquanto estadista, o papel fundamental que teve nos acordos de paz do Luena, em 2002.

No intervalo da luta interna, Adalberto Costa Júnior foi trilhando caminhos na frente externa. Recorreu a ‘velhos’ amigos europeus, dele e da Unita, para ter encontros em Portugal e na Bélgica, na recolha de apoios internacionais, através de partidos aliados e de fundações e organizações que estiveram, ao longo dos anos, ao lado da Unita.

Forjado na diplomacia

Adalberto Costa Júnior destacou-se na política quando foi escolhido por Jonas Savimbi para ser o representante em Portugal. Para a diplomacia da Unita, Lisboa era a praça mais importante, em especial, no período em que se discutiam os acordos de paz para Angola. Portugal era também uma plataforma onde giravam militantes e simpatizantes da Unita, desde os mais simples a dirigentes portugueses, amigos, reais ou interesseiros, da Unita. E era ainda uma placa giratória internacional nas ligações com os EUA e a Europa ocidental.

Na lógica de uma guerra fria, com o mundo dividido entre o capitalista e o socialista, a diplomacia da Unita foi uma espécie de treino intensivo para se chegar a lugares de destaque na política. E foi bem aproveitado por Adalberto Costa Júnior.

Além disso, o líder da Unita ainda fez um tirocínio nas relações com Jonas Savimbi – aprendeu, por exemplo, que nunca se devia colocar em questão as decisões tomadas pelo líder da Unita, sob pena de se pagar caro – e experimentou as relações com a Igreja Católica, quanto foi colocado em Roma, como representante da Unita em Itália, o que, no futuro, lhe iria ser muito útil.

É já com um currículo experimentado nas relações com os poderes e na diplomacia que Adalberto Costa Júnior chega a deputado e, posteriormente, a líder parlamentar. Na Assembleia Nacional, destacou-se pela acutilância das intervenções e pela forma vibrante como defendia as posições do partido. Mal Isaías Samakuva admitiu largar o poder, o nome de Adalberto Costa Júnior, a par do veterano Alcides Sakala, saltou para a primeira linha de favoritos.

“Mulato”, “estrangeiro” e “falso
engenheiro”

As diversas acusações contra Adalberto Costa Júnior já se tinham iniciado ainda antes de ele assumir a candidatura à presidência da Unita, em 2019. Agudizaram-se a seguir ao congresso que o elegeu e que foi anulado. E ganharam ainda mais importância no decorrer de 2021. Com raras excepções, o mundo político nunca teve dúvidas de que eram orquestradas nos bastidores, pela mão do MPLA e do Gabinete de Acção Psicológica e Informação da Casa de Segurança do Presidente da República, órgão dirigido por Norberto Garcia.

Intensificaram-se as dúvidas sobre a legitimidade de um ‘cabo-verdiano e mulato’ poder dirigir a Unita. Foi reforçada a campanha de que ele não tinha concluído a licenciatura no Instituto Superior de Engenharia da Universidade do Porto, como consta no seu currículo.

Estas campanhas, especialmente as racistas, animaram sobretudo as redes sociais. De tal ordem que obrigaram dirigentes do MPLA a admitir que embarcar nesse tipo de campanha tinha sido um “erro”.

Em contrapartida, a própria Unita teve de usar a mesma estratégia para provar as origens de Adalberto Costa Júnior, mostrando fotos de quando ele era pequeno, na sua terra natal, na localidade de Chinjenje, no Huambo.