Uma profissão de risco que sustenta milhares
PESCA ARTESANAL.Tem a particularidade de estar associada à luta diária pela sobrevivência e à cultura de vários povos. Em Angola não é excepção.Na Praia da Mabunda e em Cacuaco, o VE manteve dois dedos de conversa com pescadores artesanais.
Salomão Tumba, de 54 anos de idade, é um destacado pescador na Praia da Mabunda, em Luanda, há 17. Tem seis filhos, com quem vive em casa própria construída exclusivamente com os proventos da actividade.
Tumba tem jeito para a actividade e foi precisamente isso que o seu antigo patrão notou em si. Fruto da dedicação e destreza na execução das tarefas, vendeu-lhe o barco, com a oferta de o liquidar em prestações. O beneficiário honrou o compromisso ao fim de quatro meses com parcelas de 243 mil kwanzas, após as quais tornou-se dono legítimo da embarcação.
Aos 972 mil kwanzas pagou mais 50 mil ao Ministério das Pescas para garantir a licença de pesca, e mais cinco mil para a necessária carta marítima, passando depois de empregado a patrão em pouco mais de ano e meio.
Numa actividade considerada de alto risco, em que tanto pode haver ganhos como perdas, Tumba contratou sete assistentes, a quem paga entre 30 mil e 50 mil kwanzas mensais, dependendo do nível de pesca nesse período.
Como em qualquer outro ramo de actividade, existem dias maus, sobretudo quando o peixe escasseia. E, quando assim acontece, a equipa tem de permanecer no mar 10 a 15 dias, mas com a certeza de que, no regresso, a comercialização do produto supera o investimento, o esforço e a ausência longe da família.
“É preciso paciência. Não podemos regressar para a praia sem o produto”, diz Tumba. É precisamente a determinação em contornar as adversidades e a necessidade de alimentar a família que o grupo de pescadores não olha para os meios quando, às manhãs, parte em direcção ao mar.
O sacrifício é tal que, em algumas ocasiões, navega para lá de 300 milhas náuticas (540 quilómetros) da Praia da Mabunda, entrando nas águas da província de Cabinda, onde o pescado é em maior quantidade e qualidade. Ali abundam a garoupa e o popular carapau, fazem as delícias dos clientes. No dia em que Tumba falou ao VALOR, a equipa acabava de regressar de mais uma expedição com a embarcação apinhada destas duas espécies Numa actividade sujeita a riscos de várias ordens, Salomão Tumba desenvolveu algumas práticas básicas de gestão para garantir a sustentabilidade do negócio.
Por exemplo, reserva parte dos lucros para se prevenir de eventuais imprevistos. Como são frequentes, é preciso estar preparado. Existem períodos em que o negócio corre tão mal que o empreendedor se vê obrigado a recorrer a empréstimos para cobrir despesas correntes, como alimentação, material e combustível. Mas as pessoas e entidades a quem recorre nem sempre estão disponíveis. Estima em 300 mil o custo de cada deslocação ao mar, sendo que grande parte recai sobre o combustível e alimentação.
No regresso em terra firme, Tumba e os seus assistentes aplicam algumas noções de marketing antes da venda do peixe. Avaliam cuidadosamente o nível de procura e de oferta da concorrência e o preço para as diferentes espécies. Parte da captura destina-se a clientes de forma aleatória, mas são as peixeiras da zona as principais compradoras. Dada a confiança conquistada e a necessidade de fidelizar a clientela, Tumba permite que algumas ‘tias’ levem o produto a crédito.
No outro extremo de Luanda, em Cacuaco, encontrámos André Domingos. Aos 27 anos de idade, faz ‘pesca à rampa’ com o recurso a duas chatas, uma para si e outra para transportar os marinheiros. Emprega até 13 ajudantes, cujo pagamento (entre 20 e 30 mil kwanzas) também depende da captura e das vendas. Pescam apenas nas águas de Luanda durante 24 horas, no máximo, com a equipa a realizar três viagens por semana. Uma lancha pode custar 600 mil kwanzas, e o motor até dois milhões.
Ao contrário de Tumba, Domingos não possui barco próprio, mas equaciona adquirir um em breve, estando a economizar para isso. Se conseguir chegar aos 600 mil kwanzas, já seria suficiente para adquirir um barco vocacionado para a pesca da popular lambula, passando, assim, de empregado a empreendedor. Quando o dia corre bem e a facturação atinge, pelo menos, 100 mil kwanzas, desconta o valor do combustível, alimentação e demais consumíveis. O que resta vai para o dono.
Domingos gasta mais de 150 mil kwanzas para a compra de gelo, alimentação, água engarrafada, bem como equipamento de navegação, de segurança e de pronto socorro.
Segundo o Ministério das Pescas, existem cerca de 30 mil pescadores artesanais em todo o país, maioritariamente nas províncias de Benguela e do Zaire.
A regulamentação aprovada para o exercício da actividade impõe o pagamento de taxas consoante o porte das embarcações (de 12 a 54 metros de cumprimento), variando entre nove mil e 18 mil kwanzas. O valor mais alto está estabelecido para os barcos que realizam ‘cerca da rapa’, cifrando-se em 53 mil kwanzas.
A lei angolana estabelece que a embarcação de pesca artesanal deve medir entre cinco e 14 metros, seja motorizada ou não.
O director do Instituto de Pesca Artesanal (IPA), Nkussy Luyeye, disse ao VALOR que a pesca semi-industrial e industrial está sob a alçada da Direcção Nacional das Pescas e Protecção dos Recursos Pesqueiros, que tutela as sete províncias do litoral angolano.
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