O BODE EXPIATÓRIO DO PRESIDENTE
Que uma coisa fique, desde logo, clara. A agitação política e social que devasta hoje o país não pode ser compreendida com pretextos de circunstância. E, verdade seja dita, não é nada que tenha apanhado a governação e os políticos avisados de surpresa. Os riscos sempre foram evidentes e houve quem, a todo o momento, acautelasse com alertas fundados.
Com o início do mandato de João Lourenço, os avisos agravaram-se após a confirmação definitiva da intervenção do Fundo Monetário Internacional. A partir de finais de 2017, mas sobretudo no princípio de 2018, várias análises internas e externas começaram a prevenir que João Lourenço deveria estar preparado para assumir o risco político e social que decorreria das reformas na economia. Porque o Governo, empurrado pelo Fundo, optou, numa única sentada, por combinar medidas económicas duríssimas com impacto social incomensurável. Mas, sobretudo, porque, ao mesmo tempo que essas medidas eram aplicadas, o Governo não foi capaz de concretizar programas que atenuassem a dureza das reformas. Pelo contrário, a derrapagem do valor do kwanza, o agravamento dos impostos (especialmente do lado dos rendimentos das famílias), alinhados com uma obcecada tentativa de consolidação fiscal, penalizaram gravemente o consumo e o investimento público e privado. E, como consequências sociais mais palpáveis, o desemprego e a pobreza extrema descontrolaram-se. Estava, portanto, desde logo, a ser montado o cenário perfeito para o agravamento das tensões sociais e políticas.
Mas há explicações ainda mais profundas para se compreender o que se passa hoje, no contexto da governação de João Lourenço. Mais do que uma mera percepção, está cada vez mais consolidada a convicção de um falhanço rotundo do conjunto da agenda reformista do Presidente. Os jovens que levam a contestação à rua são, na verdade, a face visível da indignação de uma maioria expressiva da população. Uma população que, grosso modo, se diz enganada e desiludida com os incumprimentos do Presidente. E não é para menos. As principais bandeiras do mandato iniciado em 2017 caíram. Do desemprego não há muito que se diga. João Lourenço destruiu mais empregos, em três anos, do que os que prometeu criar em cinco anos. A efectivação das eleições autárquicas emperrou e não é verdade que a culpa seja da pandemia. A maximização das liberdades – a de expressão e de imprensa – não passou de um engano e os últimos acontecimentos de 24 de Outubro são apenas mais uma prova disso. Sobre a luta contra corrupção é o critério que já se conhece. Quando se trata de figuras cimeiras, ou são inimigos reais e virtuais, ou são próximos a José Eduardo dos Santos. E os processos nas instituições de (in)justiça correm com todos os atropelos inimagináveis. Com ou sem provas, os visados são condenados por ordens superiores. O resto é para proteger a todo o custo. E, quando muito, uns poucos são largados nas malhas da (in)justiça, quando o ruído popular se torna insuportável.
Como se vê, arranjar bodes expiatórios pela agitação popular, como se pretende fazer com a Unita, é, no mínimo, um sintoma de desespero. Assim como é desavisado confundir um posicionamento táctico com um erro estratégico, como o fez o deputado David Mendes.
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