O MÉRITO DE LUZIA SEBASTIÃO
Afinal, nem tudo está perdido. Não é apenas discernimento e clareza que remanescem na esfera de influência, sequestrada pelo radicalismo bacoco. Sobrevivem ainda exemplos de aprumo moral, de esclarecimento político e de coragem intelectual na mais fina elite da sociedade angolana. Especialmente aquela com conotações indesmentíveis ao MPLA. Nos dias que correm, encontrar essas três virtudes agregadas numa única pessoa permanece raro, ao arrepio da narrativa da ampliação das liberdades no pretenso novo paradigma.
A elite intelectual angolana já carrega, aliás, o passivo histórico da tenebrosa e persistente covardia em momentos da verdade. Repita-se: particularmente aquela com laços de familiaridade com o partido no poder. Salvo raríssimas excepções, foi assim no longínquo reinado de José Eduardo dos Santos e é assim no novel reinado de João Lourenço. Perante a necessidade de um debate aberto e franco sobre as consequências económicas e sociais das opções políticas actuais, autoridades da craveira de Luzia Sebastião escapam ao espaço mediático. Desaparecem da esfera de influência e, quando muito, limitam-se a despejar generalidades indigestas. Aos temas essenciais que implicam o confronto com as narrativas do poder fogem como o diabo da cruz. Optando antes por enclausurar os argumentos discordantes nas conversas de cozinha e de bar. Longe, portanto, dos ouvidos das massas. As consequências não poderiam ser mais desastrosas. Esse espaço acaba abocanhado por fenómenos de difícil caracterização, como a bajulação descarada, a ilusão do imediatismo, a inconsciência do radicalismo e uns tantos inumeráveis da mesma estirpe. O ajuizamento e a serenidade tornam-se raros.
No fundo, é este histórico-contexto de triunfo da ignorância e da indiferença das elites, alimentada pela cultura do medo, que faz de símbolo a intervenção pública de Luzia Sebastião, na televisão estatal. Não se trata, pois, de se estar de acordo ou em desacordo com as suas convicções quanto às vantagens da via negocial em processos que envolvam alegados crimes económicos. Ou quanto ao tratamento que determinados processos mediáticos têm ou não deviam ter nos tribunais.
O mérito de Luzia Sebastião está essencialmente no exemplo moral. Na coragem intelectual que a levou a contrariar, em toda a extensão, toda uma visão política instalada. E fê-lo com recurso às leis e à ciência, mas também ao discernimento político. Não fosse ela, se não a maior, uma das maiores autoridades do Direito Criminal em Angola.
Foi notável, por exemplo, o esclarecimento de Luzia Sebastião a respeito do papel dos tribunais no controverso combate à corrupção. Em diversas ocasiões, como foi na mais recente edição de 6 de Julho, o VALOR criticou declarações públicas de juízes de tribunais superiores que subscreveram o combate à corrupção. O entendimento deveria ser tão simples quanto Luzia Sebastião fez questão de voltar a lembrar. Os juízes não combatem a corrupção. Aplicam a Lei conforme os dados dos processos que julgam. Quando se propõem combater a corrupção, despem a batina do Direito e da Constituição e vestem o fato do político. Mas este é apenas um dos tremendos equívocos do novo contexto. Mas lá está…. Afinal, nem tudo está perdido.
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