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FANNIE MFANA PHAKOLA, EMBAIXADOR DA ÁFRICA DO SUL EM ANGOLA

“O Presidente Cyril Ramaphosa deve visitar Angola já no final deste ano”

A cooperação entre Angola e a África do Sul, que envolve acordos nas áreas da defesa, ambiente, alfândegas, entre outras, deverá estar mais bem consolidada no final deste ano, altura em que se prevê a visita do Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, a Luanda. Em entrevista ao VALOR, o embaixador fala da cooperação entre os dois Estados nesta nova fase de transição política em Angola. Na área empresarial, antecipa o interesse de companhias sul-africanas nos diamantes e Nas telecomunicações. Nesta última, a ‘gigante’ MTN, segundo confirma, está muito próxima de começar a operar em Angola.

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Qual é a avaliação que faz das relações bilaterais, neste momento de transição política em Angola?

A relação entre Angola e a África do Sul é de longa data e antecede o período que marca a Independência de Angola. O MPLA e o Congresso Nacional Africano, mas também o Chama Chama Penduza, da Tanzânia; a Frelimo, de Moçambique; a SWAPO, da Namíbia, e da Zanu-PF, do Zimbábue, todos esses movimentos de libertação trabalharam juntos até à presente data. Isso foi na era do falecido doutor Agostinho Neto e de Oliver Reginald Tambo, do ANC que tinham boas relações. Depois, Angola alcançou a Independência, em 1975, só que, infelizmente, logo depois surge a guerra civil no país. Estou a dizer isso, só para elucidar como é que as relações entre Angola e a África do Sul começaram.

Em relação ao período actual, o que destaca?

Só mais uma referência histórica. O Governo angolano, na liderança do doutor Agostinho Neto, foi o primeiro país que albergou aqui [em Angola] a ala militar do ANC, que era chamada ‘Umkhonto we Sizwe’. Os primeiros elementos do ANC que chegaram a Angola vieram no tempo em que o Agostinho Neto assumiu a pasta de Presidente. Isso espelha bem o envolvimento e a relação entre os dois países, que sempre foram muito fortes. Isso, fora do quadro de relações de partido para partido. Sabemos qual foi o papel desempenhado pelo Governo angolano para a libertação da Namíbia. E, após isso, para a libertação da África do Sul. Lembro-me da guerra do Kuito Kuanavale na qual o regime do apartheid foi humilhado. Após isso, A África do Sul tornou-se também um país independente. Depois desse processo, que se deu em 1994, as relações bilaterais foram formalizadas através de um acordo de cooperação mista, assinado em Novembro de 2000.

E o que esse acordo previa de concreto?

Nessa altura, foram rubricados cerca de 33 memorandos entre os dois países. Foram rubricados memorandos na área da agricultura, energia, saúde, arte e cultura, defesa e cooperação económica. Todos estes acordos foram assinados a partir daquela data e prevaleceram até 2017.

Voltando à pergunta inicial. Hoje que Angola vive uma nova liderança política, que avaliação faz da relação bilateral com a África do Sul?

A mudança actual na liderança política em Angola tem também o seu impacto no sentido de facilitar as relações entre os dois países. É só lembrar que a primeira visita do actual chefe de Estado angolano foi para a África do Sul, em Novembro do ano passado. E, antes do final deste ano, o presidente Cyril Ramaphosa fará a reciprocidade da visita do camarada João Lourenço.

Para além dos acordos que já referiu, Angola e a África do Sul rubricaram recentemente novos protocolos. Como está a implementação desse novo processo?

O mais importante foram os acordos bilaterais assinados entre os dois presidentes, o que significa que a comissão mista foi elevada para o nível mais alto. Ou seja, saiu dos ministros das Relações Exteriores para os presidentes dos dois países. Ambos concordaram em reunir anualmente com o objectivo de fazer a avaliação dos acordos que foram assinados para verificar se estão a ser realmente implementados. Foram assinados acordos na área das alfândegas, ambiente, segurança e supressão de vistos.

Em relação ao acordo de supressão de vistos, houve impacto imediato?

Sim! Os números dobraram. Era muito difícil para o sul-africano visitar Angola. E o processo era moroso e longo. Agora é mais fácil. É só comprar o bilhete de passagem, levar todos os documentos necessários e visitar o país. Neste momento, estamos a falar do grande fluxo que há entre Luanda e a Cidade do Cabo. Porque a Cidade do Cabo é uma zona turística por natureza. Para negócios, o fluxo é entre Luanda e Joanesburgo. Outro pormenor importante é que, nesse momento, há muitos angolanos a viajar para a África do Sul em tratamento médico. Outros são os estudantes. Estes cidadãos estão agora a solicitar os serviços da embaixada (da África do Sul) no sentido de adquirirem os vistos para lhes ser permitida a sua entrada.

O regime de supressão de vistos é também válido, por exemplo, para os cidadãos angolanos que vão a tratamento médico e estudantes?

O processo é o seguinte: cada cidadão tem o direito de entrar na África do Sul durante 90 dias por ano sem solicitar o visto. Mas, visto que, no caso de tratamento médico e de estudo, as pessoas poderão necessitar de permanecer mais tempo para além dos 90 dias, então, nesses casos, tem de solicitar o visto.

Na área da Defesa, que acordos em concreto foram rubricados?

Este é um acordo assinado entre os dois chefes de Estado e o objectivo é que as operações entre os dois países, nesse ramo, sejam facilitadas. A partir daí, entra a parte técnica que deverá discutir em que áreas ou como esse processo deverá ser proocessado. Só no final desse processo é que vamos saber qual será realmente o efeito desses acordos, entre os dois países. É preciso lembrar que, para todos acordos existe uma linha padrão. Por exemplo, antes de se fazer a supressão dos vistos, tivemos de fazer um trabalho primário para saber que riscos poderia haver nesse processo. Este mesmo processo é também aplicável na área das alfândegas.

Mudando de assunto, em que pé está a situação da De Beers em Angola, sendo que a empresa diminuiu a sua operação no país. Há novas perspectivas?

É uma pergunta um pouco técnica. Mas devo dizer que antes havia muitos desafios para os sul-africanos em Angola, no ramo dos negócios. Mas o novo Governo angolano está a aliviar este quadro. No passado, em Angola, para se fazer negócio, como estrangeiro, tinha de se ter um parceiro angolano. Isto também é algo que foi abolido e dá vantagem. Significa que os empresários sul-africanos têm condições e podem vir montar também o seu negócio em Angola, desde que respeitem e obedeçam as leis em vigor. Recentemente, recebemos um dos homens fortes de negócios sul-africano, o senhor Tokyo Sexwale, que assinou alguns contratos na exploração diamantífera, através de uma sociedade mista, formada entre ele e um cidadão angolano. E é uma empresa nova formada no início deste ano, chamada Angossa. Ou seja, é um grupo angolano-sul-africano. Isso significa que as coisas estão a correr bem entre os dois países, devido às relações fortes que existem desde há longa data.

Mas a De Beers deverá ou não reforçar a sua posição em Angola?

Neste momento, infelizmente não posso entrar em detalhes, porque, como a De Beers se tinha retirado do mercado angolano e está, neste momento, a voltar, significa que está a finalizar as negociações com o Governo angolano. E só a partir daí é que teremos mais detalhes acerca das suas operações em Angola.

Sabe-se que há também da parte dos empresários sul-africanos o interesse em investir na área das telecomunicações, em Angola. Que informações pode avançar em relação a este assunto?

O Governo angolano emitiu a quarta licença para as comunicações. A empresa MTN, que está em quase em todos os países africanos, está a finalizar as negociações para começar a operar em Angola. Há duas empresas que estão a competir, a MTN, da África do Sul, e uma empresa local, de origem angolana. Penso que isso vai acontecer em finais de Outubro.

A MTN, caso vença esse concurso, vai operar sozinha ou em parceria com alguma empresa local?

A MTN, se ganha o concurso, deverá operar com outras empresas locais. É claro que a MTN não vai colocar aqui as suas infra-estruturas. Deverá colaborar com as empresas locais como é o caso da Unitel e outras. Até porque essas empresas locais já têm as suas antenas e as suas estruturas. Esta é a lógica que tenho, olhando para a situação.

Acredita que a MTN vai ganhar o concurso?

É difícil dizer que a empresa vai ganhar o concurso. Vai depender. Conforme disse, este é um concurso entre duas empresas e quem ganhar vai receber a licença. Mas posso realçar que a MTN é uma empresa forte. Acredito que tem a possibilidade de ganhar. Repare que é uma empresa que já opera em vários países africanos e também na Ásia. Tem grande capacidade de ganhar esse concurso.

De uma forma geral, como avalia actualmente a presença de empresas sul-africanas em Angola?

Este processo está no bom caminho. E agora tudo está a acontecer muito rápido. Na última edição da Filda, tivemos a presença de 18 empresas sul-africanas. Isto é um ponto que realça que os sul-africanos estão realmente a investir em Angola. O pavilhão sul-africano foi considerado o melhor, na Filda passada. Após essa Filda, apareceram em Angola 20 empresários sul-africanos que vieram para investir em ramos diferentes. Visitaram várias áreas como as linhas férreas, a defesa, entre outras. E, recentemente, os homens das linhas férreas estiveram novamente aqui em Angola para fazer o ‘follow up’ dos seus contactos no sentido de finalizar as negociações. E eles [empresários sul-africanos] viram uma oportunidade de negócio, porque o Governo angolano precisa de novas carruagens para reforçar a sua frota. E a África do Sul tem capacidade para fazer isso. Podíamos falar o dia inteiro para avaliar até que ponto a África do Sul quer investir em Angola. A Shoprite é outro exemplo. A Shoprite tem a meta de construir 50 lojas ao longo do país e já construiu 37 lojas em diferentes províncias.

Do lado angolano, haverá já empresa?ios que se deslocam à África do Sul para avaliar oportunidades de negócios?

A câmara de negócio de Angola e África do Sul poderá dar mais dados em relação a isso. A AIPEX poderá igualmente ceder mais dados a respeito.

Falemos globalmente das trocas comerciais...

Antes disso, há um assunto muito importante que gostaria de destacar, que está relacionado com a problemática das divisas. Muitas empresas não estão a conseguir repatriar os seus capitais por causa da falta de moeda estrangeira, que é um caso do conhecimento de todos. E este é um desafio que as empresas sul-africanas têm em atenção.

Nenhuma empresa sul-africana conseguiu repatriar?

Segundo o relatório que temos, embora exista o problema, algumas empresas sul-africanas conseguiram repatriar os seus capitais. A companhia aérea sul-africana teve essa dificuldade, mas conseguiu superar, após alguns meses, estando, neste momento, a aumentar a sua frota.

Quais são os números das trocas comerciais?

Aumentaram sustentavelmente. Isso significa que Angola é um parceiro estratégico, nesse momento, para a África do Sul. Até ao ano passado, a foi exportação para a África do Sul na ordem dos 67 mil milhões de rands. E a importação baixou para 17 mil milhões de rands. No geral, a troca comercial entre os dois países está avaliada em 25 mil milhões de rands.

O que a África do Sul exportou para Angola?

A África do Sul exporta mais produtos alimentares e medicamentos e Angola, por sua vez, exporta sobretudo petróleo. Mas é preciso lembrar que Angola não depende somente da África do Sul. Tem outros parceiros, como o Brasil, Portugal, entre outros.