DESPORTO. Começou a vender peixe seco, hoje, Norberto de Castro, 57 anos, é um empresário de sucesso no desporto e na educação. Acredita que Angola tem condições para se criar uma liga de futebol profissional, e queixa-se da falta de apoio financeiro nas escolas de formação. Não se considera rico, mas “perseguido e injustiçado” e admite vender o complexo escolar e desportivo para investir em outros países africanos.
Existem condições para se criar uma liga profissional de futebol?
Sim, mas deve haver boa vontade. Temos em Angola vários milionários e empresas com capitais próprios. Não é missão do Estado, mas atendendo o actual momento é possível que possa dar o seu contributo. Em Moçambique existe uma liga e Angola também pode seguir o mesmo caminho.
Como deve ser uma liga?
Em primeiro lugar, os clubes devem estar organizados. Deve-se separar aqueles clubes com pouco poder financeiro para constituir-se a segunda liga profissional, mas, infelizmente, alguns clubes são apoiados pelo Estado e devem ser definidas regras para evitar situações desagradáveis. Há clubes que recebem acima de 50 milhões de dólares, mas existem aqueles que não recebem quase nada.
Quanto pode gerar financeiramente uma liga?
É prematuro ditar uma estimativa.
O futebol angolano é rentável?
O futebol é rentável em qualquer parte do mundo. Só que, infelizmente, há pessoas que recebem dinheiro do OGE e não se preocupam em desenvolver a modalidade. O futebol é uma indústria, logo, produz dinheiro, mas em Angola não dá dinheiro por falta da vontade da Federação Angolana de Futebol (FAF) e dos clubes. Se se valorizasse a formação como acontece na Europa, o nosso futebol seria bastante rentável. Não se admite que um clube que forma jogadores receba dois mil dólares por ano, enquanto na Europa o valor varia entre os 30 e os 50 mil euros. Isto só acontece em Angola, porque, em Marrocos, Líbia, Costa do Marfim, Egipto, paga-se bem na formação.
O Estado deve ou não apoiar os clubes?
Os clubes não, mas o desporto. Aliás, o Estado tem apoiado o desporto, mas, infelizmente, os dinheiros são mal distribuídos. Algumas escolas de formação recebem, outras não. Existe muita discriminação e má distribuição dos recursos do Estado e isto pode vir matar o desporto.
Como está a formação em Angola?
Péssima. Só se fala no assunto quando as coisas estão a correr mal, sobretudo nas selecções seniores. Estamos mal, não há apoio, é uma autêntica mentira. Do Estado, nunca recebi nada, nem uma garrafa de água. A FAF recebe anualmente dinheiro da FIFA para a formação. Se eu estivesse na federação ofereceria material desportivo às escolas espalhadas pelo país.
De quem é a culpa?
Somos todos culpados.
Quanto está avaliado o seu complexo?
Já esteve avaliado acima dos 20 milhões de dólares. Com a crise, e com a inconsistência do dólar, não sei precisar.
Com uma proposta, venderia o complexo?
Claro que sim. Venderia para trabalhar noutro país africano, porque, em Angola, não sou valorizado. Os que governam não me valorizam e existo graças ao apoio moral do povo angolano. O complexo esteve fechado por duas vezes, mas, devido à insistência do povo, voltei a reabrir. Tenho sido solicitado para vários países de África para criar projectos semelhantes, em Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Existe muita inveja e o angolano não gosta do próprio angolano. Se pertencesse a um estrangeiro, teria muitos apoios financeiros.
Que futuro reserva para o complexo?
Não sei o que dizer (risos). Já não tenho esperança nas pessoas que estão a dirigir este país em relação a mim e não me canso de dizer que sou de uma família humilde. O meu pai foi operário da extinta fábrica Siga. Fui o primeiro angolano a fazer uma escola desportiva e de ensino com cabeça, tronco e membros, com salas de aulas, dormitório, refeitório, piscina, infra-estruturas e hoje apareceram outras escolas como a do Progresso do Sambizanga e do 1.º de Agosto.
Que apoios já teve?
Recebi do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, 50 mil dólares, mas não fui o único a ser agraciado. Esse dinheiro ajudou-me a pagar salários dos funcionários que estavam com dois meses de atraso. Do Estado, nunca recebi nada.
Quanto gasta no complexo?
Com sacrifício e a apertar o cinto, gasto entre 500 e 600 mil dólares anuais. Com dinheiro e água, faria um trabalho melhor. A conduta de água, que devia servir para o abastecimento do complexo, foi desviada para o hospital do Kapalanga e dependo exclusivamente de cisternas.
Passou a apostar no Huambo e Namibe. Cansou-se de Luanda?
Nestas províncias, são mais unidos e os dirigentes são fantásticos e não existe perseguição. Segundo é o apoio e os pedidos que têm surgido para que se crie uma equipa nestas províncias. Não tenho condições financeiras para estender o projecto para outras províncias, porque o equipamento vem do Brasil. Quando chego ao aeroporto, sou maltratado por funcionários da alfândega que pensam que estou a trazer droga, mas estou atento e de olho bem aberto para uma possível armadilha.
Que projectos tem?
Estou com intenção em fazer um projecto melhor ou semelhante no Namibe, porque fomos bem recebidos. Apesar de os sobas do Huambo terem cedido um terreno de oito hectares todo documentado, o governo local ainda não resolveu a sua legalização. O Namibe já deu ‘luz verde’ e vamos começar com a vedação do espaço. Teremos dois campos de futebol, dormitórios, refeitório e vamos acolher crianças da Huíla, Cunene, Kuando-Kubango e Moxico. Depois do futebol, vou salgar peixe e possuir uma pescaria no Namibe ou Benguela, por ter muita experiência neste ramo. No passado, vendia peixe seco e sal no antigo Zaíre, actual Congo Democrático. Sou um sofredor antigo e vou voltar a fazer este trabalho.
Considera-se rico?
Não. Vivo apenas dos rendimentos do colégio. No passado, tinha mais de mil alunos, hoje temos cerca de 300 no I e II ciclo de ensino.
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