“Governar um país não é como gerir a nossa casa”
Proprietário da Diexim que entra no projecto Air Connection Express, chumbado publicamente por João Lourenço, é particularmente duro com as decisões do Presidente da República. Acusa-o de ter agido com “arrogância” e critica-o por não ter ouvido os empresários. Bartolomeu Dias alerta também para os milhares de emprego colocados em risco nos projectos na madeira e nos diamantes e defende a qualidade do projecto de criar uma empresa de aviação para voos nacionais e regionais.
Como analisa o posicionamento do Presidente da República em relação ao consórcio Air Connection Express?
Um Presidente da República, que quer criar emprego, não fala daquela forma, porque o surgimento de uma empresa é sempre bem-vinda para um país. O que o Presidente da República deve ter como preocupação é que a TAAG não pode voar para Catumbela com um avião 737. É prejuízo. O surgimento dessa companhia seria para substituir este esforço que a TAAG tem feito em manter os voos com prejuízo para honrar um compromisso de Estado, mais por questões políticas do que técnicas ou financeiras. Tecnicamente, não é viável ter um avião 737 a voar 30 minutos entre Luanda e Catumbela ou pouco mais de 20 minutos para Mbanza Congo. São muitos ciclos e o avião tem de estar quase permanentemente em manutenção. Por outro lado, se queremos proteger as empresas e o surgimento de novas, a figura que deve proteger estas empresas é o Presidente. Mas não é naquele tom em que deu a entrevista. Fiquei estupefacto ao ouvir um chefe de Estado como se fosse um inimigo do desenvolvimento. É perigoso.
Mas sabe da razão do Presidente para a decisão que tomou?
Não sou membro do Governo para saber, de facto, o que há, mas, como cidadão visado e com algum conhecimento sobre gestão e liderança, não estou a ver nenhum ministro a cometer o erro de rubricar um acordo com uma instituição internacional sem que o Presidente tivesse conhecimento. Não estou a ver o ministro Augusto Tomás, um indivíduo experimentado nas lides de governação, a cometer este erro. O surgimento desta companhia já existe desde o anterior Governo, foi aprovado em Conselho de Ministros e a TAAG não seria sócia maioritária, teria um volume de acções inferior ao conjunto dos privados. Agora, além da especulação, há aquele negativismo do negro porque nós, raça negra, enfatizamos tudo o que é negativo, não somos indivíduos positivistas para desenvolver o nosso continente e país. Queremos sempre destacar o erro dos outros por mais pequenos que sejam, esquecendo os aspectos positivos.
Não será uma decisão pela suposta incapacidade financeira dos privados que obrigaria o Estado a um grande esforço financeiro?
A TAAG é um sócio dentro do consórcio, não esteve arrolada para dar dinheiro aos outros sócios. Quem estava a fazer a mobilização de capitais eram os privados. O que mais me motivou a entrar no consórcio é a possibilidade de voar para a região. A TAAG deixaria de voar com os aviões 737, dedicar-se-ia ao longo curso e as viagens regionais ficariam para esta companhia. É um projecto viável, é o que mais me motivou porque, com a Diexim, não tinha a possibilidade de fazer voos regionais. Não havia nenhuma relação em que a TAAG seria o senhor com os custos altos para beneficiar um grupo de pessoas que, conforme dizem as más-línguas, estão falidas.
Mas pode ter sido esse o argumento que chegou ao Presidente ou não acredita nessa hipótese?
Se o Presidente pensou assim, está errado. O Presidente não pode avaliar as pessoas pelas conversas. Se for à entrada da Chibia, na Huíla, está lá a ser montada uma fábrica de mais de 20 milhões de dólares. Por detrás da Shoprite (Palanca, Luanda), estamos a montar uma fábrica de luvas. Se for ao lado da Unitel, em Talatona, há três prédios a serem erguidos pelo grupo. Se for a Viana, vai encontrar a fábrica de sacos. Para não citar coisas que estou a fazer fora do país. Como é que vão dizer que estas pessoas não têm capacidade? Mesmo os outros não pararam por falta de dinheiro. Se ligarem para o INAVIC e perguntarem se a Diexim tem ou não aviões a voar, vão dizer que tem, foram inspeccionar os meus aviões que estão na África do Sul porque continuam com a matrícula angolana. Não há incapacidade. Este é um país de meia pancada em que o Presidente vai falar das questões internas, num órgão de comunicação internacional o que tira credibilidade ao próprio país, porque quem assinou o acordo com a Bombardier são privados, mas com o consentimento das instituições do Estado.
Os privados estariam em condições de avançar, caso a TAAG e a ENANA se retirem do consórcio?
Porque não? A arrogância com que o Presidente abordou o tema parece ter alguma situação ou contra o seu ministro ou contra as pessoas que estão envolvidas no negócio. O que deveria dizer é que “vou avaliar a questão, veremos as vantagens económicas para a companhia de bandeira, é um processo antigo, iniciado no antigo Governo, mas vamos analisar os prós e contras”. Esta seria a posição de um líder e não desafiar o jornalista a ligar caso voe com a companhia. Governar um país não é como gerir a nossa casa, há interesses de cidadãos que o Presidente deve defender. Não está aí para agradar pessoas, mas para dirigir o país com a maior transparência, embora não seja prática em África, infelizmente.
Os accionistas, sobretudo os privados, já se reuniram para decidir os próximos passos?
Ainda não, mas teremos este encontro. É necessário analisarmos. Não recebemos nenhum documento oficial que nos notificasse sobre o fim da parceria no sentido de tomarmos o passo que podemos dar porque não estou a ver o Presidente a proibir o surgimento de uma empresa, isso é ilegal. Abusando do poder até pode, mas não deve.
Considerando os acordos já assinados, haverá prejuízos em caso de o projecto não avançar?
Não houve nenhum custo primário, não haverá prejuízo. Ou melhor, haverá um prejuízo, que é o bom nome de Angola que fica manchado e vai ser difícil reparar. Permanentemente, temos vendido uma imagem negativa da seriedade dos nossos governantes e este caso pode servir como mais uma prova de que o país não é sério.
Teve contacto com o ‘dossier’, encontra alguma razão, por mais simples que seja, que possa justificar a posição do Presidente?
Não posso passar um cartão de incompetência às pessoas envolvidas. O processo começou no anterior Governo. Fui convidado já no fim. Ninguém me forçou, analisei o estudo de viabilidade e achei interessante, tem alguma vantagem que eu não conseguiria ter com a Diexim, que são os voos transfronteiriços. Não iria fazer com a Diexim mesmo que comprasse novos aviões ou aumentasse a minha capacidade. Pelo estudo, vejo simplesmente vantagens. Estou a completar 31 anos como empresário e, se houvesse algo de errado, não entraria, não meteria o meu capital em risco só porque quero ser sócio da TAAG, haveria vantagem para todos. Por outro lado, é contraditório o próprio Presidente que fala em PPP estar contra um projecto destes. Não consigo perceber a posição do Presidente.
Muitos empregos em risco
Disse que esta posição vai contra o seu objectivo ou promessa de criar 500 mil empregos. Mas concorda, certamente, que este é apenas um dos muitos projectos possíveis?
Se ler o estudo, vai ver que os seis aviões criariam muitos postos de trabalho. Depois, como é que o Presidente vai atingir os empregos que prometeu se encerrou o corte da madeira e anulou a emissão de licença para a exploração de diamantes? Desde que entrou, o Presidente só está a colocar travões no desenvolvimento, não fez nenhum gesto que desse sinal de impulso à economia. Mesmo quem quer organizar não pára tudo. Quando eu quero organizar a minha empresa, não fecho. Reestruturei as minhas empresas, por isso estão todas ali mesmo com a crise total, mas não foi necessário fechar.
Mas não concorda que havia muita desordem e o Estado pouco ou nada ganhava?
Não pode ser verdade. Se há algum descontrolo pela forma como é feita a exploração da madeira ou com o processamento dos diamantes pode fazer-se de forma diferente. Criam-se mecanismos de produção, de comercialização e, por último, de controlo. É necessário incentivar as três fases.
Não exagera quando diz que o Presidente ainda não deu sinal de impulso à economia quando já alterou a lei do investimento privado e agora esteve na Europa numa clara iniciativa de diplomacia economia?
Não há país nenhum que se desenvolva sozinho, também não há país que se desenvolva dependente apenas de estrangeiros. Aliás, o comportamento dos estrangeiros, e do europeu em particular, é ver o negro africano sem capacidade para se desenvolver, devido à ausência de política dos Estados africanos. A primeira questão que temos de ter é encontrar mecanismos para fortificar o sector empresarial nacional, foi sempre a minha luta, é o que sempre defendi e defendo. Não é possível, em Angola, termos construído acima de cinco mil quilómetros de estradas e não ter resultado num encaixe financeiro suficientemente bom para os empresários angolanos porque sempre se deu primazia aos estrangeiros. Quando houve a crise, estes estrangeiros foram-se embora, ficaram os nacionais, que o Governo, de uma ou de outra forma, enfraqueceu, que não conseguem cobrir a balança de pagamento com receitas tributárias. Não considero que as visitas de Estado sejam um sinal bom para a economia, é bom para o futuro, mas as empresas e a economia não esperam. É preciso fazer um programa de curto, médio e longo prazos. Estas visitas são uma estratégia para médio e longo prazos, mas precisamos de programas que tirem a economia da crise em que se encontra e só é possível com os empresários nacionais. Não é proibindo a extracção disto e daquilo pelos pequenos empresários nacionais. Ainda não vi sinais. Acredito no que vejo e não no que ouço. O que ouço é que há bons sinais, mas o que estou a ver é diferente.
Mas o Presidente só tem ainda oito meses…
Nas questões económicas, não se espera por anos. Se o antigo Governo fazia algumas coisas erradas, quem vai substituir deve ter linhas definidas de como vai corrigir os erros. Estamos a falar de políticas económicas, da economia real e não de políticas partidárias. Não é falar bonito que vai desenvolver o país, faz-se trabalhando, definindo regras e estratégias para determinados sectores. O maior problema da nossa economia é a falta de estratégia e nós temos várias soluções. A solução não passa pelo endividamento. Temos outras formas de moldar uma estrutura, não digo de carácter definitivo, porque a economia é dinâmica, mas podemos normalizar os efeitos que abalam a economia de três em três anos.
Perdeu a esperança que, no início, depositou neste Governo e no Presidente, em particular?
Não sou de fazer leituras de curta distância. Os erros são passíveis de ser cometidos por quem trabalha e lidera. É um erro do Presidente, espero que faça uma leitura das várias opiniões da sociedade, porque há prós e contras, para se posicionar. E se decidir passos que sirvam a sociedade, estaremos com ele.
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