TELEVISÃO. Tomás Ferreira Walter considera “uma utopia” esperar que o empresariado privado invista no cinema. Em entrevista ao VALOR, o actor e realizador defende uma televisão que privilegie a cultura angolana, afirma que já não se faz cinema há décadas e lamenta que os políticos olhem para esta arte como “um brinquedo de malucos”.
Qual dos papéis mais gosta: actor, realizador ou apresentador?
Depende. Por exemplo, quando se trata de ficção, que é a minha maior paixão em televisão, adoro realizar e actuar. No caso de programas, prefiro a apresentação.
O que é feito da Associação Angolana de Profissionais de Cinema, Televisão e Audiovisual (APROCIMA), na qual exerce o cargo de porta-voz?
Fazendo o seu trabalho. Claro que não na dimensão e ‘agressividade’ que se espera, por ‘n’ razões próprias da nossa realidade.
É rentável fazer cinema em Angola?
Em Angola, já não se faz cinema há décadas. O que se tem estado a tentar fazer, e que, de certa forma, cobre esta ‘sede’ de fazer cinema por parte dos amantes desta arte, é a produção de audiovisual. O pouco cinema que se conseguiu, da Independência ao presente, foram iniciativas isoladas de arrojados profissionais com todo um apoio e aparato estrangeiro, que, em muitos casos, inclusive, até actores não eram angolanos, para não falar dos técnicos.
Porque ainda se preferem estações estrangeiras?
A televisão é uma arte. Quem nela trabalha precisa de saber dominar. A forma como se abordam as questões nos programas, a técnica de comunicar com o telespectador, o ‘desenho’ que a realização estabelece para desenvolver o conteúdo em questão. O povo precisa de se rever no que vê e ouve. É aqui onde reside o segredo de atrair a audiência. Os nossos programas precisam de ir mais ao fundo dos costumes, tradições e culturas do povo que realmente nos assiste. Para tudo isso ser possível e exequível, é preciso entender que o ‘casamento’ entre formação e televisão é incontornável para o sucesso de qualquer canal de TV.
Quando houve a polémica sobre a exibição de ‘As 50 sombras mais negras de Grey’ a menores, algumas ‘casas de cinema’ revelaram que, para a exibição de filmes, seguem os critérios de Portugal por falta de legislação angolana! O que acha disto?
O importante aqui é assumirmos a importância dos ‘filtros’ (censura) relativamente à fronteira das idades e os conteúdos do que se vê nos cinemas. Sempre foi assim e deve continuar a sê-lo. Tudo o que tiver de ser feito com esse propósito, ponderando questões objectivas e subjectivas da lei e dos direitos do consumidor, é bem-vindo.
Em que medida o cinema pode contribuir para a diversificação da economia?
Sempre tive a impressão de que os políticos entendem que o cinema é apenas um elemento de entretenimento. Não têm uma visão mais filosófica e sociológica desta arte. Para eles, o cinema é um brinquedo de meia dúzia de malucos metidos a artistas para delírios momentâneos. Enquanto for assim, o poder político nunca irá perceber o valor desta ‘magia’, o cinema, na concretização da estratégia de Nação que eventualmente se tenha, se é que o têm. Basta vermos o papel da indústria cinematográfica na expansão daquilo que hoje é a imagem do país mais poderoso do mundo, os EUA. Estes há muito descobriram a importância do cinema.
Como o Estado pode contribuir para o desenvolvimento do cinema?
Se perceberem o quão ele pode ser um instrumento valioso até para a politica, claro, há que se ‘botar’ mãos à obra e reactivar esta indústria. Sabemos que os custos não são poucos, pois não existe nada no país. Mas, aos poucos, ano a ano, a coisa vai. Precisam-se de duas coisas, acima de tudo: vontade política e dar os primeiros passos. Se começarmos em 2018, por exemplo, acredito que nos próximos 20 anos, mais ou menos, teremos os primeiros sinais desta indústria no país.
E o empresariado privado?
Contar agora com o empresariado no incentivo desta ou outra arte é utopia. Empresário que investe em cultura é um empresário com um outro nível, outra educação, sem falarmos também que, para isso, o país teria que estar numa situação diferente no que diz respeito à própria Lei sobre o retorno e benefícios para quem tem esta prática. É muito cedo para falarmos disso. Nos próximos 50 anos, só o Estado estará em condições de investir no cinema, até porque faz parte de toda uma estratégia de desenvolvimento do Estado ou pelo menos devia.
Qual tem sido o contributo do ‘Stop Sida’ na consciencialização sobre o VIH?
O ‘Stop Sida’ é um dos elementos de maior contacto ‘sistemático’ com a população no que concerne à educação e prevenção do VIH, dentro da estratégia de luta do Ministério da Saúde. O Instituto Nacional de Luta Contra a Sida considera-o um dos parceiros mais valiosos no combate à doença. No facebook, publica conselhos e/ou críticas.
Há um escritor a caminho?
Tenho recebido muitas propostas nesse sentido, mas ainda não pensei nisso. Crio os textos impulsionado mais pelo meu ‘defeito’ de desejar ajudar as pessoas e transmitir os poucos conhecimentos que penso que possuo. Entretanto, a reforma está a chegar a ‘galope’. Terei mais tempo para reflectir e, ao invés de ficar só a ler jornais no jardim ou a ver TV, talvez escreva livros.
PERFIL
Na TPA há mais de 30 anos, onde já realizou programas como ‘Janela Aberta’ e ‘Carrossel’, Tomás Ferreira Walter possui uma licenciatura em Ciências da Comunicação. Actualmente, além de realizador, é o subdirector de conteúdos da TPA.
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