No início deste ano, exactamente na sessão de apresentação do Programa de Estabilização Macroeconómica (PEM), o governador do BNA disse que o valor do kwanza passaria a ser determinado automaticamente pelo mercado e era o fim da determinação administrativa do câmbio. A estratégia consistiria em o BNA realizar leilões no verdadeiro sentido da palavra. Cada banco participante do mercado primário de venda de divisas teria a possibilidade de dizer quanto é que estava disposto a pagar por uma determinada divisa e o BNA extrairia dali o preço mais actualizado destas mesmas divisas.
O anúncio de abandono do regime cambial fixo para regime cambial misto mereceu o meu encorajamento na altura, não obstante eu ser defensor da livre flutuação da taxa de câmbio. Percebi que era uma forma suave de o BNA atingir a livre flutuação a médio prazo. No curto prazo, para não ser uma medida muito violenta para as famílias e as empresas, combinaria os dois regimes extremos (perfeitamente livre e fixo) para obter um misto com maior ênfase para o livre e, depois, transitar para o livre. Será?
Pela prática do BNA desde o referido anúncio, devo dizer que o Banco Central foi destruindo o regime cambial misto à medida que o foi construindo. Continuamos a ter um regime cambial inadequado e fundamentalmente causador de injustiças económica e sociais no actual contexto da economias, portanto fixo.
A resolução da crise cambial passa pela necessidade urgente de quem detém a política monetária encontrar a taxa de câmbio de equilíbrio. A taxa de câmbio de equilíbrio é um consenso natural entre os compradores (bancos e casas de câmbio) e o vendedor (BNA) de divisas no mercado primário (leilão de verdade). A determinação da taxa de câmbio de equilíbrio pelo mercado é a única forma eficaz e eficiente de se acabar com a absurda diferença cambial entre o mercado formal e o informal e garantir que a procura de divisas para a especulação e precaução se reduzam para níveis aceitáveis e a procura de divisas para a transacção (necessidade real de comprar um bem ou serviço no exterior). A taxa de câmbio de equilíbrio é a melhor via para se distribuirem as divisas pela economia, garante eficiência e justiça na distribuição.
O INSTRUTIVO Nº 1/2018 de 19 de Janeiro, sobre Política Cambial, foi o anúncio da morte do anunciado novo regime cambial. Diríamos que é deitar o bebé com a água do banho. No ponto 4.1.3 deste aviso é dito: ‘‘Cada Banco Comercial pode apresentar até 4 (quatro) propostas com taxas de câmbio diferentes, devendo o limite mínimo e máximo ser de 2% (dois por cento) sobre a taxa de câmbio de referência à data do leilão.’’
Através do instrutivo acima mencionado, o BNA inventou o seu próprio leilão em que os bancos não são livres de propor preços que se ajustem à procura de moeda estrangeiras nos seus balcões. O BNA perde a oportunidade de conhecer o preço de reserva de cada banco comercial (preço máximo que cada banco comercial está disposto a pagar) ao dizer que a proposta mais elevada no leilão tem de ser até/no máximo 2% da última taxa de câmbio. Não identificando o preço de reserva dos bancos, o Banco Central perde também a oportunidade de identificar a taxa de câmbio de equilíbrio. Por outras palavras, o BNA continua a fixar, de forma administrativa, a taxa de câmbio, não tem sido o mercado a fazer isso.
Mas que tipo de leilão é esse que o BNA inventou? Quando se fala em leilão, existem regras próprias e que devem ser observadas tanto por quem organiza quanto por quem participa dele. Imaginemos que eu tenha um carro para vender e decida fazer isso através de um leilão. A quem eu venderia o carro? Evidentemente, ao participante que fizesse a proposta de compra mais elevada. O BNA decidiu fazer completamente o inverso, proibir propostas de compra elevadas, fixando um preço máximo para as divisas (tecto). Será medo da inflação?
Precisamos de definir exactamente o que se pretende conquistar em termos económicos e a começar pela política cambial. No curto prazo, existirá sempre um trade-off (dilema) entre inflação e ajuste cambial. Se o BNA escolher menos inflação terá de adiar a reforma cambial, se escolher a reforma cambial terá de admitir ou acomodar maior inflação, se escolher o melhor das duas, isto é, baixa inflação e ajuste cambial, não concretizará nada. O que o BNA precisa de admitir é maior inflação no curto prazo em prol do ajuste cambial e só depois disso atacar com foco a inflação. Não se trata de deixar de olhar para a inflação no todo, trata-se apenas de prioridade. A política económica exige escolhas, são os tais trade-offs.
Mais recentemente, e refiro somente para reforçar os meus argumentos neste artigo, numa entrevista exclusiva concedida a um diário da nossa praça e divulgada no dia 27 do Março, José de Lima Massano disse que a ‘‘depreciação deverá ser cada vez menos acentuada’’. A pergunta que eu coloco é: porquê, se o risco cambial ainda é muito elevado e o mercado ainda não dá sinais de sossego? Pois aqui está, fica aqui mais uma vez evidenciado que o BNA nunca procurou obter a taxa de câmbio de equilíbrio através de leilões no verdadeiro sentido do termo, o que o BNA tinha nas suas notas «secretas» era uma mera percentagem de desvalorização do kwanza (parece rodar os 30%, tanto para o euro como para o dólar) e que uma vez atingida de forma administrativa, voltaria a olhar para ela como a mais fixa possível. Só assim eu posso aceitar que a depreciação/desvalorização do kwanza deverá agora ser menos acentuada, pois, pela via natural do mercado estamos ainda consideravelmente afastados do equilíbrio. Estamos diante de uma missão interrompida ou simplesmente diante de mais um adiamento da reforma cambial.
Adiada que está a reforma cambial, continuaremos com a mesma gestão administrativa das divisas, em que só têm acesso as famílias e empresas com padrinho na cozinha. A maioria esmagadora da sociedade, que teoricamente tem os mesmos direitos que o punhado de privilegiados, continuará a optar entre comprar as divisas a um preço mais elevado (mercado informal) e ficar sem acesso (recorrer ao mercado formal). As desigualdades são uma das principais fontes de fracasso das nações e o país insiste nisso.
O BNA pode emitir muitos regulamentos, mas será sempre impossível encontrar um bom método de afectação/alocação das divisas pela via administrativa. A melhor que pode existir é a via do mercado, isto é, deixar o kwanza tanto desvalorizar como valorizar de forma livre. Só assim teremos um diferencial próximo de zero entre o câmbio formal e o informal, só assim as divisas estarão ao serviço da economia angolana e, consequentemente, do bem comum. De contrário, só me resta dizer o seguinte: Adeus economia não petrolífera! Adeus diversificação das exportações! Adeus IDE! Adeus crescimento económico! Adeus desenvolvimento económico!
Economista e investigador do CEIC
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...