De executivos a artesãos
ARTES. Largaram as carreiras de sucesso para se dedicarem ao artesanato. Acreditam que a arte em Angola esteve parada no “tempo” e acabou “ultrapassada”, por isso querem recriá-la, com uso de matérias-primas típicas nacionais.
Ela começou por transformar chinelos em peças de arte nos seus tempos livres. Ele, sempre que pudesse, enquanto publicitário, fazia qualquer coisa com as mãos. O dom sempre esteve lá. Até que, em 2012, o destino os juntou como casal e criaram o projecto Artesanatoangolacr.
Cristina Moda e Rui Lavrador encontraram no artesanato uma nova forma de viver. Cristina largou a carreira de administradora sénior e Rui largou a carreira de publicitário, com experiência e bagagem adquirida em muitos países, tanto na América como na Europa. Hoje, passados cinco anos, os artesãos garantem que vivem exclusivamente daquilo que rende o projecto.
O relacionamento permitiu a partilha, mas o dom ajudou a inovar através de matérias-primas, típicas de Angola, que provêm da natureza. Múcua, cabaças, cana da India, balaios, folhas de coqueiros e tecidos africanos dão lugar a peças únicas, como esculturas, objectos decorativos, acessórios de moda e as famosas bonecas de Angola.
A ideia de usar cabaças e múcua, entre outras matérias-primas, surgiu numa das muitas viagens que o casal fazia para o sul de Luanda. “Numa das muitas viagens para onde nos evadíamos sempre que podíamos, parámos na estrada para comprar umas cabaças que iriamos decorar. Foi o nosso começo. Depois de decoradas, foram vendidas”, revela Cristina, que começou a criar uns conjuntos de chinelos, nesta altura, com base na famosa marca brasileira Havaianas.
Para fazer as peças, inspira-se “normalmente em coisas, nos sentimentos, na cor, no tempo, entre outros”. Ele, “só de olhar” para as matérias-primas, já encontra uma forma para fazer uma peça artesanal. “As formas dos materiais quase me dizem como querem ser trabalhados, para se transformarem em objectos decorativos ou funcionais. As cores são influências da nossa cultura”, enfatiza Rui Lavrador.
Em cinco anos de Artesanatoangolalacr e de Benguela, onde residem actualmente, o casal ganhou notoriedade e foi convidado para decorar as suites do hotel Terminus, no Lobito, e o Hotel Epic Sana, em Luanda.
Recriar o artesanato
Os dois acreditam que o artesanato em Angola “esteve parado no tempo e acabou ultrapassado” pelas peças provenientes do oriente que invadiram África com réplicas feitas em grande escala.
O casal acredita que Angola tem excelentes artesãos nas áreas dos couros, madeira e cestaria, mas que, apesar disso, “não houve evolução” e diversificação e “normalmente as pessoas acabam por ver sempre as mesmas peças”. “A falta de conhecimentos e pesquisa contribuem para isso. A não valorização e a protecção das autoridades ao que é produzido face à invasão do oriente constituem um forte desincentivo a esta actividade”, rematam. Além disso, apontam outras dificuldades: “O alto custo de vida retira a competitividade face ao estrangeiro, principalmente quando não há inovações, e o desinteresse das direcções provinciais da Cultura em cadastrar os artesãos”.
Os dois artesãos são a prova de que é possível “viver bem” e ter “o suficiente” apenas dedicando-se à arte. A peça mais cara que já venderam custou 200 mil kwanzas.
A maior parte dos clientes são mulheres. Também têm vendido para o estrangeiro. As solicitações mais frequentes vêm de Portugal, Espanha, Rússia, Bélgica, Brasil e EUA.
PERFIL
Cristina Moda tem 56 anos e é natural do Huambo. Viveu muitos anos em Portugal. Trabalhou como técnica administrativa superior e como chefe de departamento dos recursos humanos da cadeia de supermercados Maxi. Tem três filhos. Actualmente é a principal criadora e artesã dos acessórios de moda, bolsas, havaianas personalizadas, colares e as famosas bonecas de Angola em que se integram modelos masculinos e femininos.
PERFIL
Rui Lavrador tem 59 anos e nasceu em Luanda. Trabalhou como publicitário em países como Portugal, Brasil, Espanha, Andorra e Angola. Tem uma filha e actualmente é o principal criador artesão do projecto Artesanatoangolacr. É ele o responsável pelas esculturas e iluminarias.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...