Fábricas de medicamento não saem do papel
SAÚDE. Em 2016, foi aprovada a construção de mais uma fábrica de medicamentos. Intenção do ex-ministro José Van-Dúnem nunca passou do papel. Teve um destino semelhante a dezenas de projectos anunciados pelo Ministério da Saúde.
Os diversos projectos e intenções de construção de fábricas de medicamentos no país têm ‘morrido’ no papel, segundo informações recolhidas pelo VALOR ao apurar o estágio de um projecto aprovado em decreto presidencial, em 2016.
O documento autorizava a construção da fábrica de medicamentos, soros e materiais gastáveis e o ministro da Saúde, na altura, Luís Gomes Sambo, a celebrar com a empresa Labopharma Helthcare um contrato no valor de 44,4 milhões de euros.
O ministro das Finanças tinha a responsabilidade de “proceder ao ajustamento fiscal necessário para garantir a execução orçamental do projecto, bem como inscrever o mesmo no âmbito do Fundo Nacional de Desenvolvimento”.
Cabia ainda ao titular das Finanças “proceder ao enquadramento financeiro do projecto de construção da fábrica de medicamentos, soros e material gastável, nas linhas de crédito disponíveis, bem como proceder à assinatura do acordo individual de financiamento e toda a documentação relacionada com a mesma”.
No entanto, fonte das Finanças garante que, desde que o despacho presidencial foi tornado público, a fábrica “não passou do papel do despacho”, acrescentando que o “projecto foi concebido no tempo do antigo ministro da Saúde, José Van-Dúnem e que, depois de o seu sucessor, Luís Gomes, ter sido empossado as prioridades mudaram”.
Um funcionário sénior da Direcção Nacional de Medicamentos e Equipamentos (DNME) garante desconhecer qualquer projecto de construção de uma unidade fabril de medicamentos aprovada pelo ex-Presidente, José Eduardo dos Santos. Acrescentando que “não fazia sentido a aprovação de uma fábrica de medicamentos em 2016, quando o mesmo Estado tinha privatizado a Angomédica a favor do grupo Suninvest”.
No entanto, não é a primeira vez que um quadro sénior do Ministério da Saúde afirma desconhecer o projecto. O antigo titular da pasta, Luís Gomes Sambo, também admitiu numa conferência de imprensa, dada no primeiro trimestre do ano passado, um total desconhecimento do projecto. “Não sei de quem é o investimento. O Ministério da Saúde não tem nenhum investimento na área da produção porque pensamos que não é vocação do Estado”, acrescentando que o “Ministério tem a responsabilidade de regulação e controlo de qualidade”.
Mais 15 na gaveta
No entanto, o referido projecto não é o único que “morreu” no papel. O VALOR apurou que, nos últimos dois anos, deram entrada na DNM 15 solicitações para o licenciamento de fábricas de medicamentos e produtos hospitalares.
As solicitações são provenientes tanto de investidores nacionais como internacionais e grande parte delas com intenções de instalação em Luanda. “A maioria dos investidores, quando toma contacto com as regras para se avançar com a implementação de fábricas de medicamentos, desiste, porque produzir medicamente requer muitos cuidados”, revela ao VALOR uma fonte da DNME, acrescentando que aquela direcção afecta ao Ministério da Saúde não pede mais do que a Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta. “Não queremos que se produza medicamentos só por produzir. Têm de ter qualidade. Na indústria, não há medicamentos com pouca ou muita qualidade. Há apenas medicamentos com ou sem qualidade”, frisa.
Em 2013, o então do director do Gabinete de Estudos e Planeamento (GEP) do Ministério da Saúde, Daniel António, também tinha anunciado cerca de uma dezena de projectos para a instalação de unidades de produção de medicamentos em Angola. Na altura, perspectivava que alguns desses projectos estariam concluídos num prazo de dois anos.
Este mesmo ano ficou marcado pela reinauguração da Angomédica, com o nome de Nova Angomédica, resultante de um investimento de 17 milhões de dólares e a promessa de produção de 20 milhões de medicamentos por mês. “É resultado de um projecto desenvolvido pelo grupo empresarial Saninvest em parceria com o Ministério da Saúde e parceiros externos, com o objectivo de responder às exigências do Executivo na melhoria da assistência médica às populações”, referia o então ministro, José Van-Dúnem.
Sem uma indústria farmacêutica nacional, o país é alimentado a 100% com fármacos e produtos hospitalares importados. Angola vem-se debatendo com a falta de medicamentos e material gastável nos últimos anos. Segundo dados do Ministério da Saúde, o país gasta anualmente mais de 60 milhões de dólares com a importação de medicamentos. Uns atribuem a culpa a má distribuição e a quem fica pelos desvios de medicamentos. O último grito de socorro que envolveu o lançamento de um “programa de emergência”, pelo Estado foi em Abril de 2016, para fazer face aos surtos de febre-amarela e malária.
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