“A arte cerâmica não existe”
ARTES PLÁSTICAS. Com mais de 45 anos de carreira, tem obras na Igreja de Jesus, na Cidade Alta, no Ministério das Finanças, no Museu da Moeda e é criador dos selos dos Correios de Angola. É praticamente o único ceramista em Angola e até já ganhou prémios. Agora pensa em alargar os interesses e quer usar a matéria-prima que Angola fornece. Sempre que pode, toca no grupo ‘Os Kiezos’.
No ano passado, foi distinguido com o Prémio de Cultura e Artes…
Fui laureado com a mais alta distinção da República. É impensável que um laureado não conheça o PR, um aperto de mão, ou ser recebido no Palácio. As mais altas distinções são entregues por monarcas, é obrigação deles, dá honra e brilho ao prémio que ganhámos por mérito. Desde o primeiro prémio, o distanciamento do chefe do Estado foi notório. O prémio Nobel é entregue na presença de monarcas, o ‘Sakharov’ é entregue pelo presidente da União Europeia, o ‘Príncipe de Astúrias’ é entregue pelo rei de Espanha...
O Estado deve apoiar os artistas?
O Estado tem obrigações sociais. Tem de retomar os pagamentos sobre a propriedade intelectual. Os criadores vivem da propriedade intelectual, escrita, sonora ou de imagem. E é isso de que têm sido privados. O Estado deve subvencionar quem tem obra, não necessariamente uma estrada de longos anos. Qualquer um de nós pode produzir uma única obra que seja muito mediatizada e utilizada. O Estado tem de pôr as instituições a funcionar com penalizações e indemnizações.
E os artistas como devem contribuir para o Estado?
Os artistas são descontados, pagam imposto de selo pela União Nacional dos Artistas e Compositores (UNAC). A UNAC tem de declarar às finanças os seus encargos. Pagava 100 mil kwanzas, por cada artista. Já presenciei a UNAC a dar assistência financeira a artistas. Não existem gestos de caridade das instituições, porque qualquer remuneração é acompanhada de imposto. Antes de levar o produto ao cliente, o imposto de selo é pago nas finanças.
É autor da imagem dos selos dos Correios de Angola (CA)…
Tenho grande responsabilidade. Fiz uma série de selos de quatro grandes músicos, Zé Keno, Belita Palma, Liceu Vieira Dias e Lourdes Van-Dúnem. Uma questão muito íntima, são códigos de honra que essas instituições exigem de nós. É uma relação de consultoria tanto aos CA e o BNA e também por conhecimento e pela observação dos nossos direitos e sob a propriedade intelectual. São essas instituições que me têm mantido vivo. Tenho cerca de 250 selos nos CA, além de outras imagens.
E pela arte decorativa da moeda nacional?
Sim! Sou responsável da decoração de todas as notas da moeda nacional, incluindo moedas, com excepção da nota com o estiar da bandeira, que é da responsabilidade do BNA.
Qual é o estado da cerâmica?
A arte cerâmica praticamente não existe. Por uma razão muito simples. Temos já o ensino superior em belas artes. Nunca fui convidado a dar uma palestra, posso passar conhecimento, reunimo-nos e conhecer outros artistas. A UNAP não faz absolutamente nada, está paralisada, os artistas não se conhecem. E a brigada jovem quase não conhece ninguém.
É viável esta arte?
Se pretender viver disto, não consigo! Vai começar a faltar tudo, começo a ‘baquear.’ Neste tipo de produção, tem de se estar anexado a uma empresa já com estrutura que possa tratar de documentos de concepção e exploração da área onde nós extraímos.
Faz produção em série ou por encomenda?
Só por encomenda e personalizada, por particular ou empresa. No mínimo, acima de dez unidades. Cada panela fica por três mil kwanzas, a caçarola por dois mil, quando encomendada em grandes quantidades. Não existem fábricas nestas áreas. Este ano, pretendo alargar para o fabrico de loiça sanitária. Temos toda a matéria-prima com bastante qualidade para não importarmos nada. Encontramos no Lubango, Uíge, Caxito, Barra do Dande...
Quantos funcionários tem?
Já tive mais funcionários, mas tive de dispensar, por enquanto, só tenho um. Quando há maior número de encomendas, chamo-os. Tenho electricista, mecânico, artista plástico um pouco de tudo.
Já há produção de cerâmica vidrada considerável?
Não existe! Houve várias tentativas, mas não há nada. Mesmo a cerâmica de tijolo abriu insolvência.
É o único ceramista em Angola em grande escala. Há condições para se exportar?
Provavelmente, em termos de cerâmica vidrada sou o único, infelizmente. Para exportar, tem de se constituir empresa. Depois, passar por uma série de processos e por controlo de qualidade permanente para não deixar passar nada que possa comprometer a marca Angola. Não tenho essas estruturas, estou no meu quintal, vivo em termos laboratoriais. Claro que tenho máquinas produzidas por mim. Vou agora trabalhar em fundição com peças de aço. Tudo de que necessitamos, importamos. Não há sequer troca de conhecimento e esse é o grande problema.
Quanto custa criar uma fábrica de cerâmica da dimensão da sua?
Com um moinho de martelos, um senfim e um forno feito em Angola, pode custar 15 milhões de kwanzas. Só depende de quem estiver à frente. Porque é uma questão de criatividade e manter o diálogo.
E como faz a exploração de inertes?
Sou artesanal, trabalho com sacos. Não vou pedir uma concepção de uma coisa que não vou tirar proveito.
Quem mais solicita os seus serviços?
Tenho tido mais encomendas em azulejaria, revestimento de paredes. Tenho no Ministério das Finanças, no 4.º andar, na Sé Catedral, igreja de Jesus, mesmo a entrada um grande painel, é muito reconfortante ter em um edifício como aqueles um painel de azulejos do século 21. Tenho também em residências. Também material de revestimento, pavimento para à construção de um forno de padaria. Claro que não sai na dimensão desejada.
PERFIL
Horácio Dá Mesquita, 65 anos, artista plástico e músico, natural de Luanda, tem duas filhas de 13 e nove anos. É autor da decoração da moeda nacional e responsável pelos selos dos Correios de Angola. A filha mais nova segue as pegadas do pai em cerâmica e a mais velha prefere o desenho. O lixo é o seu grande fornecedor para a montagem dos protótipos.
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