JOSÉ LUÍS DOMINGOS, BASTONÁRIO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DE ANGOLA

“A assistência aos mais desfavorecidos também tem sido uma situação muito má em Angola, tem de ser alterada”

29 Jan. 2025 Grande Entrevista

Entende que o país precisa de um poder judicial que se liberte do poder Executivo. E vê na dependência financeira um dos principais pontos de estrangulamento. José Luís Domingos não tem dúvidas de que a justiça está em crise e levanta interrogações em relação à idoneidade de juízes dos tribunais superiores diante de processos com evidências de erros de forma. Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola defende que a instituição deveria ser orçamentada.

“A assistência aos mais desfavorecidos também tem sido uma situação muito má em Angola, tem de ser alterada”

Em 2024, a justiça continuou a debater-se com diversos problemas, desde a morosidade nos processos às greves de magistrados, assim como queixas de interferência política. Que balanço faz do ano que terminou? 

Os nossos problemas são sempre os mesmos. Este ano vamos chegar aos 50 anos, mas na verdade ainda não alcançamos um Estado de Direito desejável. Ou seja, temos de reflectir e perceber que temos uma justiça em crise. Mas também nunca tivemos uma justiça excelente ou dentro dos padrões. Tenho afirmado que estamos num percurso que podemos chamar de um Estado de Direito embrionário. Ainda não temos Estado de Direito em Angola. Isto porque a nossa justiça ainda está acossada de sérios problemas estruturais e conjunturais. Tal como em 2024, 2023 e 2022, em 2025 vamos continuar a vivenciar os mesmos problemas. 


Quais são as questões críticas? 

Vamos pensar numa ideia e perceber que ainda não temos um ser que já tenha nascido, ainda estamos numa fase de embrião. Agora, precisamos de ter coragem de atacar aquilo que é essencial para que, de facto, possamos nascer como Estado de Direito. Se não tratarmos bem, claro que isso se vai revelar um aborto. A questão começa a crescer. No fundo, as principais críticas que se pode fazer à nossa justiça assentam-se em dois pilares: a eficiência e a independência do poder judicial. Quando reflectimos sobre a justiça angolana, temos de olhar para essa dupla perspectiva. Depois coloca-se uma série de consequências. Por exemplo, é assertivo afirmar que a nossa justiça é ineficiente, que é inacessível, que existe uma elevada morosidade, as custas são elevadas, falta de responsabilização pelos erros judiciais, falta de transparência, excesso de prisão preventiva, incompetência e falta de seriedade na investigação dos processos criminais, partidarização e, até certo ponto, alguma militarização da justiça. Apesar de ter havido alguma diminuição, em quase todas as estruturas da nossa justiça os titulares máximos são militares. São militares que, na verdade, estão na reserva e que, por outra via, acabam por ser subordinados do Presidente da República, que é a entidade máxima das Forças Armadas. E temos outras situações, como a corrupção, a falta de preparação e o modelo para se chegar a juiz. 


E como se altera esse quadro?

O primeiro passo tem a ver com uma decisão do próprio poder político. Temos de entender que, como país, ainda não encontramos um equilíbrio em que podemos afirmar que Angola já é um país estruturado. Tivemos um período de independência que resvalou imediatamente para uma guerra civil, depois tivemos um momento quando alcançamos, graças a Deus, a tal estabilidade militar. Mas nunca normalizamos uma sociedade e nunca tivemos uma verdadeira estabilidade política. E agora estamos num período, em que continuamos naquela transição, sem, de facto, o país politicamente estar estável. O poder judicial acaba por ser consequência também dessa estabilidade. Temos um poder judicial que vem de uma realidade em que a justiça, num sistema comunista, não é despartidarizada. Evoluiu para um momento democrático, mas que ainda não consolidamos. Logo, ainda temos fortes influências do poder político na justiça. E, no nosso contexto, posso indicar três aspectos: a ausência da autonomia financeira dos tribunais, os tribunais acabam muito dependentes do poder executivo pela via financeira porque quem determina praticamente o orçamento dos tribunais é o Executivo, via a Ministério das Finanças, quem controla o desembolso é o Executivo. A justiça tem tido uma verba extremamente residual para os interesses ou para que ela saia deste abismo. 

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