OBJECTIVO AMBICIOSO DO PLANO DO TURISMO ATÉ 2020 POSTO EM CAUSA

A meta inalcançável de cinco milhões de turistas

TURISMO. Plano Director do Turismo perspectiva cinco milhões de turistas em 2020. Mas empresários do sector não acreditam e justificam com números: até agora, Angola recebe apenas mil turistas por ano.

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As metas de cerca de cinco milhões de turistas e uma contribuição de 3,21% em turismo no PIB, em 2020, dificilmente serão alcançadas, considerando os objectivos já cumpridos pelo Plano Director do Turismo de 2011/2020.

Olhando para os números de partida, a presença de turistas cresceria cerca de 125% desde os pouco mais de um milhão estimados em 2011, enquanto a participação no PIB cresceria cerca de 2,46 pontos percentuais.

Num cenário mais optimista, perspectivava-se mais de seis milhões de turistas e, no menos expectante, esperava-se por pouco mais de 1,5 milhões de turistas em 2020, quando os números actuais, a dois anos da meta, apontam para cerca de 600 mil turistas/ano.

Operadores do sector também consideram os dois primeiros objectivos inalcançáveis em 2020. “Não acredito que a vai alcançar, porque não estamos a cumprir as metas. Para atingir esta meta, contava-se com o desenvolvimento do turismo interno, passando depois para o regional e depois o internacional. O plano director previa até 2015 o turismo interno e agora estaríamos a desenvolver o regional”, defende Sónia Cunha, directora de operações da AKI Hotéis, gestora dos hotéis Terminus.

“Antes da crise, começou-se a preparar, mas não se avançou. Era preciso melhorar a oferta turística, a mão-de-obra, o marketing e a marca. Angola precisa de criar a sua própria marca”, reforça.

Augusto Pedro, secretário-geral das Agências de Viagens e Operadores Turísticos de Angola (AAVOTA), tem a mesma opinião e sustenta-a com o “pouco impacto” que a isenção de vistos está a ter no aumento dos turistas. “Temos um barómetro a indicar que, mesmo com a isenção de vistos, o gráfico da entrada de turistas não evoluiu. Os turistas não estão a vir”, lamenta, lembrando que se precisa de “organização interna”.

Razão do fracasso

O empresário Roberto Mendonça tem a mesma opinião e sugere um novo horizonte temporal, apontando para entre cinco e sete anos, visto existir ainda “muito trabalho”. Considera que as infra-estruturas e o ambiente de negócios “não são apropriados ao desenvolvimento salutar da indústria turística” e defende o fim “da burocracia, ao mesmo tempo que se deve olhar de frente para investimentos nas estradas e na formação de quadros”. Manuel Fidalgo, com larga experiência na restauração, lamenta ao VALOR a gama de “pontos fracos” do turismo nacional, como a oferta de serviços que deixa muito a desejar. O empresário entende que o país “tem tudo para uma saída em frente”, mas precisa, em primeiro lugar, de “fazer um gigantesco exercício de redução dos insuportáveis e descontrolados preços de hospedagem e alimentação”. “Há dias estive com amigos num restaurante, na Ilha do Mussulo, e ficámos defraudados pela demora da refeição, além do elevado custo do peixe de tamanho médio (7.500 kwanzas)”, exemplifica, recorrendo ainda ao do Parque da Quiçama, onde os preços são igualmente ‘a doer’: dois mil kwanzas a entrada, 16 mil kwanzas por um passeio de Unimog e “apenas duas bolachas para ‘matar’ a fome”. “O mais agravante” é que “nem sequer há localizadores de animais para que o turista os veja em tempo útil”.

Manuel Fidalgo critica também a falta de serviços num dos mais emblemáticos ‘postais’ da capital: o Miradouro da Lua. “Um ponto turístico de referência sem uma simples ‘roullote’ para comercializar água para beber.” Acrescenta que cenário idêntico pode ser encontrado nas Cachoeiras do Binga, no Kwanza-Sul, ou nas Quedas de Kalandula, em Malanje.

Para este empresário, no turismo, Angola é uma “casa desarrumada” e cita o caso da destruição de edifícios históricos da baixa de Luanda que serviriam para impulsionar o turismo cultural, ou ainda da degradação de fontes termais para alavancar o turismo da natureza. “Não se compreende que as ‘águas quentes’ do Alto Hama, no Huambo, tenham sido vedadas por um ‘chico esperto’ que não as consegue rentabilizar há quase 20 anos. Além da exploração da água, aquele é um ponto turístico simplesmente abandalhado por ‘prazer’ de um indivíduo que não faz nem deixa fazer. O país perde dinheiro.”

Mas reconhece que “o negócio” para lugares como este, e em todos os equipamentos turísticos, depende principalmente de uma política de expansão da rede eléctrica e de fornecimento de água para se evitar o dispendioso recurso aos geradores e cisternas que acabam por influenciar o preço no consumidor.

O que estava previsto

No entanto, estas preocupações e todas as que, ao longo dos anos, foram identificadas como ‘gargalos’ estão inscritas no documento governamental, assim como os passos para superá-los. Segundo o documento, por exemplo, os Ministérios das Relações Exteriores e do Interior devem responsabilizar-se pela facilitação de vistos. E é das poucas tarefas realizadas ou em curso. Os Ministérios do Planeamento e das Finanças devem assegurar uma política fiscal incentivadora para o investimento, enquanto o dos Transportes deve desenvolver e optimizar os serviços e infra-estruturas. Por sua vez, o Ministério do Urbanismo e Construção deve dedicar-se ao ordenamento do território nas zonas de interesse turístico. Este é um dos ‘gargalos’ que mais se destaca, assim como o fraco investimento na manutenção e conservação de monumentos e sítios históricos, que é da responsabilidade dos Ministérios da Cultura e da Juventude e Desportos, que têm ainda a responsabilidade de apoiar eventos desportivos e culturais de nível internacional.

Escolas ‘penduradas’

A formação de quadros é imprescindível em qualquer área e o turismo não foge à regra. Aliás, é um dos pressupostos salvaguardados no Plano Director, que atribui esta responsabilidade aos ministérios da Educação e da Administração Pública, Emprego e Segurança Social.

Até 2007, depois de 12 anos, acabava de ‘suspirar’ a Escola de Hotelaria e Turismo Alameda, em Luanda. No resto do país, também já estavam fechadas outras instituições do género.

Foi a olhar para este cenário de ‘estagnação’ que, em 2010, a Associação de Hotéis, Restaurantes, Similares e Catering de Angola (AHORESIA), dirigida pelo veterano gastrónomo João Gonçalves, decidiu avançar com um projecto de formação apoiado pelo Banco Mundial (BM) do qual resultou a capacitação de 200 profissionais em pastelaria, restaurante, recepção, andares, decoração, hotelaria e turismo.

João Gonçalves previa também erguer uma unidade de formação em gastronomia angolana e internacional, na Ilha de Luanda, um projecto orçado, no arranque, em cerca de 18 milhões de dólares e que ainda não saiu do papel por constrangimentos financeiros. Ao VALOR, o gastrónomo reitera a vontade de prosseguir “a concretização deste objectivo para o bem da Nação” e insiste que “temos de colocar uma pedra nos alicerces do desenvolvimento de Angola já que a gastronomia, por ser um factor de identidade de um povo, é caminho andado para atrair turistas”.

“É preciso apostar na formação de quadros. O Estado deve apoiar iniciativas particulares”, defende João Gonçalves, que critica a formação ‘on job’ “por “não ser abrangente”.

O Ministério da Hotelaria e Turismo (Minhotur) tinha em carteira a construção de seis hotéis-escola, antes da crise financeira, uma das quais, a de Luanda, nos Ramiros, estava inscrita no OGE inicial de 2015. Devia custar 1,9 mil milhões de kwanzas, mas tanto esta como as outras continuam ‘penduradas’.

Além de Luanda, previa-se a construção das escolas de Benguela, Huíla, Uíge, Moxico e Huambo. “Pretendemos formar mais pessoas porque a rede está a crescer, mas os recursos humanos ainda são reduzidos. As universidades também estão a criar cursos de turismo. Quer dizer que o trabalho está a ser feito e, daqui a dois ou três anos, teremos quadros formados em gestão de hotelaria”, esclarece Januário Marra, director nacional das actividades turísticas do Minhotur.

Polós turísticos sem investimentos

O Governo criou, em 2011, três pólos de desenvolvimento turísticos com o objectivo de fazer um melhor aproveitamento turístico e paisagístico, através de parcerias público-privadas. Passados sete anos, os pólos ainda não conhecem investimentos de vulto. Os poucos que existem foram feitos antes da criação oficial e não correspondem a 30% do potencial por explorar, segundo fonte do Ministério de Turismo.

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Dos três, dois, o do Cabo Ledo (Luanda) e o de Okavango (Kuando-Kubango), já concluíram os planos directórios, documentos que projectam o modelo de ordenamento do espaço, acessibilidades, infra-estruturas e empreendimentos a implantar. O do Cabo Ledo é o mais desenvolvido dos três e só a sua planificação ficou orçada em 500 mil dólares.

Os acessos à praia dos surfistas estão melhorados e os acessos para viaturas demarcados. Quem frequenta o espaço encontra um guia e normas de utilização de praias. Apesar de ser já o lugar bem frequentado, o seu desenvolvimento passa pelo investimento privado.

No caso do Kalandula (Malanje), com a sua transformação em pólo turístico nacional, espera-se que mais pessoas visitem as Quedas de Kalandula e as do Musselege, bem como os Rápidos do Bango-a-Zenze. O que se estima é que passe a ser mais rápido o acesso às Pedras Negras de Pungo Andongo e ao Parque de Cangandala.

Mas à volta das ‘quedas’ que distam 85 quilómetros de Malanje, além do hotel Yolaka, com 40 quartos, praticamente não há mais unidades de hospedagem e restauração.

Visão do governo

A ministra Ângela Bragança entende que o turismo requer algum rigor na estatística para avaliar o seu crescimento, o impacto na arrecadação de receitas e na criação de postos de trabalho. Segundo a ministra, o país precisa de elaborar um calendário nacional de eventos, com datas de feiras, moda, cultura e actividades desportivas, que mobilizem turistas. E há também a necessidade de se inventariar o que o país tem para oferecer.

“Há boas unidades hoteleiras, mas a hotelaria é apenas um vector, assim como são as agências de viagens e os guias turisticos, precisamos de saber o que temos para oferecer”, defende a governante, admtindo um longo caminho a percorrer, para se assegurar a sustentabilidade do sector, ao mesmo tempo que apela ao investimento.