DESCOORDENAÇÃO
Raramente se ouvem referências, em discursos oficiais, sobre a necessidade de uma maior coordenação institucional. No mínimo, trata-se de uma omissão comprometedora, para não dizer inconsequente. A explicação é simples. A existência de descoordenação institucional é excessivamente visível. E todos sabem que se estende da super-estrutura à infra-estrutura da governação. Desde o nível dos departamentos ministeriais à esfera dos sectores de decisão intermédios. Não é por mero acaso que o tema faz parte inclusivamente das conversas de circunstância, nos corredores do poder. Se se tratasse de um drama, diríamos que os exemplos são arrepiantes. Os casos falam por si.
Quem anda por fóruns, conferências e espaços afins já terá assistido a cenas deprimentes de governantes a trocarem acusações entre si por causa de incumprimentos em processos de decisão que requerem mais de uma assinatura. Normalmente a troca de ‘sopapos’ acontece de forma indirecta. Mas há também registos em que os recados são distribuídos às claras, com contornos incompreensíveis. Numa recente conferência de iniciativa pública, em Luanda, uma ministra que coordena um dos sectores produtivos mandou recados a um dos seus homólogos, através de um responsável intermédio deste último. A governante usou palavras precisas, como “vá dizer” isso e aquilo ao ministro, perante a assistência atónita. Em causa estavam processos, ou seja iniciativas de investimento, que teriam transitado do primeiro ministério e acabaram estagnados no segundo, à espera da necessária ratificação. Nos círculos institucionais, correm outras histórias inusitadas que mostram o nível de descoordenação das estruturas de governação. Há relatos de governadores que se deslocam a Luanda para ‘suplicar’ transferências, no âmbito das verbas que são cabimentadas às províncias no Orçamento Geral do Estado. Com o agravante de, muitas vezes, conforme os relatos, os governadores terem de ‘pedinchar’ a inferiores hierárquicos. Há queixas de várias instituições públicas que trabalham com dados estatísticos e que estão impossibilitadas de realizar o seu trabalho, porque estão amarradas a outros órgãos públicos que se recusam a conceder informação. Que o digam, por exemplo, os técnicos do Instituto Nacional de Estatística. Mas há casos em que a descoordenação evolui para a confusão institucional. Como nas conhecidas situações em que dois ou mais ministérios ou instituições diferentes aparecem a executar programas com a mesma vocação, cada um virado para si mesmo. Acontece muito, por exemplo, nos programas de combate à pobreza. Ou nos casos em que uma multiplicidade de órgãos, ligados a diferentes ministérios, aparece a controlar uma mesma operação, de forma desconectada. É o que ocorre, por exemplo, no processo de fiscalização das farmácias em que intervêm pelo menos quatro ministérios descoordenados, conforme exemplificado na bienal do ‘Direito na Saúde’, realizada na última semana em Luanda.
Estes e os outros casos, que não cabem aqui, são exemplos de descoordenação institucional à vista desnuda. O que ninguém sabe, infelizmente, é o peso desta desorganização nas contas do Estado. Só uma coisa é certa: são rios de recursos e de energia que se esgotam de forma, inexplicavelmente, chocante e que nos embrulham a todos em infindáveis novelos burocráticos. A receita, claro, é necessariamente a marcha no sentido inverso. E o primeiro passo, ainda que doa, deve ser o reconhecimento público do problema.
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