Geralda Embaló

Geralda Embaló

Directora-geral adjunta do Valor Económico
09 Feb. 2022

E agora pergunto eu

Numa semana em que me calharam mil perguntas em torno da tentativa de golpe de Estado na Guiné-Bissau porque o meu sobrenome é o mesmo do presidente daquele país, (não conheço o presidente que poderá ser ou não família, perdi o meu pai muito cedo e com ele o contacto com a família paterna), coincidentemente também a família materna, de sangue mucubal, fez marca na actualidade depois de circular bastante um vídeo feito no Virei, precisamente o município onde nasceu a minha mãe. No vídeo, uma Sra. com a cara do Presidente da República esticada na barriga dizia que ‘representava uma nova direcção que queria ter proximidade com as populações e entender os seus problemas’. Antes tarde que nunca... mesmo que, depois de quatro anos, e a meses de eleições – política a quanto obrigas...

O Financial Times publicou uma daquelas reportagens que chega a dar inveja dos problemas dos outros. Há muitas assim, com esse efeito ‘invejoso do mal alheio’, como quando lemos sobre as quedas de exportações portuguesas ou sobre quedas de produção industrial nos EUA que tinha sido notícia na semana anterior. Estamos tão longe de ter exportação significativa ou produção industrial capaz de nos dar de comer, que quando os outros se queixam da sua má sorte quando as estatísticas baixam, a nós só nos dá para pensarmos ‘quem nos dera ter esses problemas em vez dos bastante mais básicos que temos’. Quando os outros discutem, por exemplo, direitos dos animais, em Portugal discute-se imenso as touradas, nós aqui ainda temos muito que discutir sobre direitos humanos, que são consistentemente atropelados antes de chegarmos aos direitos dos animais... Na semana passada, uma vigília para a libertação de activistas que foram presos por altura da greve dos taxistas levou a mais detenções, inclusive de jornalistas... a inveja dos problemas dos outros deve-se à constatação de que estamos tão atrasados que o pior dos outros seria avanço para nós. Outro exemplo vindo da Metrópole e que coincide com temas da nossa actualidade refere-se às lamúrias por terras lusas quanto ao salário mínimo, por ser o 13.º mais baixo do espaço europeu com 823 euros, cerca de 485 mil kwanzas. Por aqui, o Presidente João Lourenço fez lançar manchetes festivas de aumento do salário mínimo em 50%... E não faltam perguntas... Porquê agora? Fez o anúncio como Presidente da República (e com o melhor interesse do país em mente) ou nas vestes de pr. do seu partido (com olho nas eleições, o que justificaria a medida sendo que acontecem dentro de poucos meses)? Se o fez com olho na propaganda eleitoral, terá isso efeito positivo ou será mais um motivo de irritação para os eleitores, sendo que, para além de ter tido quatro anos para aumentar o salário sem o fazer, este aumento, na prática, é tão irrisório que não serve para cobrir a desvalorização que os salários/moeda sofreram nos últimos anos? Salário mínimo passar de pouco mais de 33 mil kwanzas para perto de 50 mil quando um quilo de fuba que alimenta famílias geralmente numerosas ronda os 400 kwanzas? É isso que serve de propaganda política eleitoral? Até da inteligência das máquinas políticas alheias dá inveja... em qualquer país normal, o governo aumentava sem alarido, aqui o ratinho é parido das mais altas montanhas e com pompa e fanfarra a acompanhar o evento. 

Enquanto o petróleo está esta semana a caminho dos 90 dólares por barril, os nossos líderes decidem acirrar e regar a crise política dos últimos anos com os seus derivados em vez de estarmos a ver com clareza os caminhos para o país sair da crise económica e social onde anda imerso aproveitando essa alta que deixou para trás os anos negros de barril a 30 e 40 dólares...

Seja bem-vindo, querido leitor, a este seu espaço onde perguntar não ofende, nesta que é a primeira edição do novo ano de 2022. Um ano já cheio de perguntas, de incógnitas desde a primeira semana...