RENTABILIZAÇÃO. Estado quer livrar-se dos espaços públicos devido aos custos de manutenção. Solução passa pela concessão da gestão a privados e, em alguns casos, pela venda. Muitos espaços ficam ao abandono, mas, no Rangel, há um exemplo a seguir.
Numa altura em que o país se prepara para introduzir a administração autárquica, a listagem das possíveis fontes de arrecadação de receitas do futuro poder local está na ordem do dia. E, pelas contas das autoridades, a gestão dos espaços públicos entra na equação.
Pelo país, existem inúmeros espaços públicos, sendo que muito poucos podem servir de exemplo de boa gestão. A maioria nem por isso. Ninguém sabe quem ganha e quanto se ganha com espaços públicos. Há também os que estão votados ao abandono total.
Por norma, as administrações cedem-nos à gestão de privados, mas nenhum dos gestores contactados quis avançar os valores envolvidos. No entanto, o VALOR apurou que, nos espaços onde existem quiosques e que se encontram sob o controlo das administrações, os ocupantes pagam entre 15 e 20 kwanzas por mês.
Segundo José Moreno, director do Comércio de Luanda, cabe aos gestores municipais definir o modelo de gestão nas respectivas zonas de jurisdição. Nataniel Narciso, administrador do Cazenga, explica que, com a excepção do Marco Histórico, que é gerido pela repartição do Comércio e Hotelaria local, os demais foram entregues com base em contrato de exploração, mas não avançou valores.
Além dos espaços existentes, bem e mal geridos, nas principais cidades do país existem ainda terrenos que podem dar lugar ao surgimento de mais espaços públicos e a parceria pública privada poderia ser uma das opções para a construção. Há disponibilidade por parte dos empresários.
As autoridades lançariam concursos públicos, perspetivando o surgimento de diversos serviços. Os privados construiriam e ganhariam o direito de exploração por tempo determinado. Assim surgiriam mais quadras desportivas multiusos, parques de diversão, pequenas salas de trabalho e de estudos e parques de estacionamento. Esta é uma opção que encontra apoio de diversos munícipes contactados em Luanda, mas grande parte apresenta um “senão”: a possibilidade os locais virem a representar pontos de promoção e de consumo de bebidas alcoólicas.
BEM CONSERVADO MAS SEM MÃO DO GOVERNO
A Acção Humanitária Angola Unida (ACHAU), financiada pela fundação Obra Bella, tem uma série de infra-estruturas, entre largos para lazer, parques de estacionamento, campos multiusos e 18 ginásios comunitários que foram erguidos no Rangel desde 2011.
Esses espaços públicos diferenciam-se dos do Estado, por serem geridos pela própria comunidade. Para o seu uso, não se paga nada, com excepção do parque de estacionamento com 24 lugares em que se paga 100 kwanzas por noite.
O coordenador do projecto, Sebastião Silva, diz não ter custos com a manutenção nem com fiscais, porque a própria comunidade, “movida pelo espírito de pertença”, cuida da higiene e da fiscalização.
“Quando se envolve as comunidades ninguém vandaliza. Pelo contrário, cada morador sente-se parte, torna-se fiscalizador e não permite quem se atreva a vandalizar o que é comum”, observa, acrescentado que “é está visão que o Governo não tem e por isso os seus espaços são destruídos em pouco tempo”.
Para Sebastião Silva, o Estado deveria apenas construir e entregar a gestão à própria comunidade e não às administrações. “O Governo falhou e agora pensa corrigir, é tarde, esperamos que tenha aprendido”, repara.
A ACHAU trabalha apenas no Rangel, mas mostra-se disponível em replicar a sua forma de gestão. desde que aceitem os seus princípios: “têm de ser as administrações a procurar-nos e, nos nossos espaços, não permitimos venda de bebidas alcoólicas”.
Zungueiros podem ser os beneficiários
O Ministério do Comércio apresentou ao Conselho de Ministro uma proposta que pretende retirar os comerciantes ambulantes da rua e colocá-los em espaços públicos existentes nos municípios, licenciando-os como feirantes ou comerciantes precários.
A medida até já é aplicada em alguns municípios e, além de garantir a conservação dos espaços, permitiu a geração de emprego, sobretudo para jovens, além de receitas para o Estado, através dos contratos de exploração.
A decisão governamental de aproveitar os espaços públicos para formalizar os pequenos negócios divide opiniões. Há munícipes que defendem que a atribuição aos gestores privados não é feita de forma transparente. E há quem, como Isaías Miguel, morador do Rangel, pense que a medida descarateriza a utilidade dos espaços, por causa,por exemplo, da venda de álcool.
JLo do lado errado da história