Fábricas de farinha agitam pescas
INDÚSTRIA PESQUEIRA. Angola pode sentir carência de peixe para o consumo, caso haja novas fábricas de farinha de peixe. Os armadores falam em crise. O Ministério das Pescas e do Mar garante que o risco não existe e desafia a que se invista mais. Os armadores de pesca das três principais províncias piscatórias, Benguela, Luanda e Namibe, estão preocupados com a possibilidade de a dinamização da indústria de produção de farinha de peixe provocar carência de peixe para o consumo, em breve. Por isso, apelam ao Ministério das Pescas e do Mar que elabore um estudo para equilibrar as necessidades. “Há toda a necessidade de se fazer um estudo cuidadoso para não se chegar à crise do pescado”, defende o presidente da Associação dos Armadores de Luanda, Manuel António, que viu a sua ideia reforçada pelo homólogo do Namibe, Mário Luís França de Faria. Para o responsável do Namibe, “o risco de carência de peixe é inevitável, caso surjam outras indústrias farinheiras que, de momento, já carecem de peixe para a sua produção”. Angola captura, em média anual, 500 mil toneladas de peixe, quantidade que não deixa excedente e que, segundo a lógica da indústria, sustentaria as fábricas de farinha de peixe, conforme sublinha Manuel António, lembrando que “Angola não tem excedentes, até porque importa o carapau, entre 700 e 900 mil toneladas por ano”. A farinha de peixe serve para a pecuária, aquicultura e avícola, sendo que esta última é a área que tem a maior parte dos clientes. Para a produção de farinha, são necessárias grandes quantidades de peixe, por exemplo, para um quilo de farinha são necessários seis peixes. A procura de farinha, segundo os presidentes das associações de armadores de pesca, aumentou de “maneira substancial”, principalmente quando os clientes nacionais começaram a perceber que um frango ou ovo produzido com rações que incorporaram a farinha de peixe oferece melhor qualidade. Segundo Mário Luís França de Faria, no Namibe, com uma produção anual de 50 mil toneladas de pescado, 50% das quantidades capturadas são destinadas a duas fábricas de farinha e óleo. A realidade do Namibe é transversal às outras províncias piscatórias. De momento, reforçam os representantes dos pescadores, a carência de peixe já é sintomática. Por exemplo, umas das fábricas de farinha do Namibe com capacidade para produzir 600 toneladas por dia, produz apenas metade por falta da matéria-prima, o peixe. Crise não está no mar Os armadores de pesca asseguraram ao VALOR que o país já vive aquilo a que chamam de “crise das pescas”. Para eles, não se traduz na falta de peixe no mar, mas, na dificuldade de conseguir repor acessórios em caso de avaria do barco. Há muitas embarcações em terra porque, quando um barco avaria, tem de esperar três a seis meses para a reposição de peças que normalmente são adquiridas na Namíbia ou na África do Sul. Devido à escassez de divisas, os pescadores ainda encontram dificuldades de comprar material de trabalho como bóias, equipamentos electrónicos e até anzóis. No entanto, o Ministério das Pescas e do Mar, através da Direcção Nacional de Pescas, garante que “não há o perigo de se ficar sem pescado para o consumo porque é alocada para a farinha de peixe uma percentagem do total capturado”. Por exemplo, em 2018, foi alocada 56.800 toneladas da quota de sardinella para as embarcações de pesca associadas às fábricas de farinha. Isto corresponde a 37,3% do total admissível de captura (TAC) para a sardinella e apenas 22,2% do TAC atribuído para as espécies pelágicas”, escreve o Ministério numa nota enviada ao VALOR. Acrescenta que, “como matéria-prima para a farinha, as fábricas usam quase exclusivamente a sardinha, capturada por embarcações próprias com autonomia de mar”. O Ministério faz ainda recurso à história para mostrar ser possível manter a indústria sem prejudicar o consumo. “Em 1973, Angola foi considerada o maior exportador mundial de farinha de peixe. Devido a diversos motivos, especialmente o estado obsoleto dos equipamentos, as empresas foram paralisando e criou-se um vazio nacional desta indústria. No âmbito da diversificação da economia, foram reactivadas quatro fábricas de farinha (três no Namibe e uma em Benguela)”, explicou. O director do gabinete de comunicação institucional do Ministério das Pescas reforça a ideia de que os “investidores não gostam de investir, gostam que tudo lhes seja dado de borla e, por isso, falam em crise das pescas”. Filipe Muacasso rebate ainda a queixa dos armadores por falta de peças. “Isso não pode ser atribuído ao Ministério das Pescas, pois são os empresários que não largam os kwanzas para comprar divisas”, conclui.
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