O franco-angolano defende que o repatriamento de divisas de angolanos para investir no país pode servir de incentivo para o investimento de empresários estrangeiros. E acredita que o caso ‘Angolagate’ impediu o contributo de França para a reconstrução do país depois do conflito armado.
Qual é o enquadramento que faz das relações empresariais entre Angola e França?
São relações históricas. Para ter uma ideia, há dois anos, a Total celebrou 60 anos de presença em Angola. Significa que, antes da independência, já havia empresas francesas neste país. O grosso das empresas está na área petrolífera. A Total é a principal produtora do país com 600 mil barris de petróleo por dia, representando 40% da produção nacional, e conseguiu atrair várias empresas que prestam serviços. Há também uma grande presença na área da logística. Temos o grupo Castel, que produz cervejas, refrigerantes, vidro e, agora, está com um investimento na agricultura com a produção de milho, em Malanje. O grupo Castel é o maior contribuinte fiscal angolano fora do sector petrolífero. Seguem-se negócios de franceses na área de hotelaria, ‘rent-a-car’ e outros serviços, totalizando 70 empresas francesas que, no conjunto, criaram 25 mil empregos.
E como é que os empresários franceses encaram este período de crise e de transformações?
Os empresários franceses sentem-se cada vez melhor. Angola está a viver uma nova etapa da sua história que não se pode comparar ao período da década 1990, quando o sistema económico era centralizado. Há uma dinâmica em termos económicos e, depois das eleições, com as mudanças que o Executivo está a efectuar, os empresários franceses estão mais esperançosos. Angola não pode viver apenas do petróleo. O tempo do barril ao preço de 100 dólares acabou, agora é necessário diversificar a economia. Para esse desafio, é necessário que os países se apoiem, mas é necessário, sobretudo, que se apoie o empresariado.
Falou em 70 empresas a operar em Angola. Acha que a presença seria maioria se as relações não tivessem sido, a determinada altura, abaladas nomeadamente com o caso ‘Angolagate’?
O caso ‘Angolagate’ foi um episódio triste na relação entre os dois países e aconteceu num período em que Angola tinha alcançado a paz e em que a França poderia ter contribuído melhor para a reconstrução de Angola. Mas é um impasse político que ficou para trás. O mais importante agora é que os dois países perceberem que estão em concorrência com o mundo e, para Angola criar emprego, riqueza e desenvolver-se, precisa de ser atractiva para o investido.
Alguma empresa francesa chegou a abandonar o país?
Felizmente, não. Foi um assunto político-diplomático que não tocou nas empresas que já estavam no país. Não sentimos nenhum problema decorrente deste caso. Pelo contrário, foi nesta altura em que a Total fez as grandes descobertas e os grandes investimentos. Porém, houve retracção de novos investidores.
Como classifica o nível de atractividade do país?
Basta olhar para os ‘rankings’ internacionais, do Banco Mundial e de outras instituições credíveis. São claros: Angola está muito em baixo em termos de ambiente de negócio e, desta forma, é difícil criar ou desenvolver negócio. É necessário tornar Angola num país mais atractivo para se fazer investimento nacional ou estrangeiro. O próprio Presidente da República fez um apelo no sentido de os angolanos que têm dinheiro fora investirem em Angola.
Conhece casos de angolanos com dinheiros em França?
Fala-se em dezenas de milhões de dólares saídos de Angola, ao longo dos últimos anos, e colocados em diferentes países. Eu não tenho conhecimento de investimento nenhum angolano em França. Mas há casas de angolanos em França. E a questão até não é obrigar, mas tem de se incentivar para que o dinheiro investido no exterior volte para ser investido no país. Porque, senão, a pergunta que fica é: se os angolanos não investem no seu país, serão os estrangeiros a investir? Têm de ser primeiros os angolanos a dar exemplo ao investidor estrangeiro. Não basta dizer ‘venham investir, que eu fico com 30 ou 40%’. As parcerias devem ser mesmo parecerias. Cada lado deve arriscar com a mesma percentagem.
Conhece muitos casos de empresários franceses que receberam propostas do género?
Há casos. Criou-se uma cultura de pensar-se que o estrangeiro é que tem de trazer o dinheiro e correr o risco sozinho. É um facto, mas, como disse, têm de ser primeiro os angolanos a arriscarem pelo seu país e não esperar que sejam os estrageiros a fazer.
Mas essa não é uma realidade exclusiva de Angola?
Nos países mais atractivos para o investimento, isso não acontece. Mas essa cultura não terá resultado também de ofertas ou propostas de estrangeiros na ânsia de investirem no país? É provável, mas isso era na altura do dinheiro fácil, uma era que já acabou, o tempo do dinheiro fácil acabou. Agora é preciso arriscar na mesma proporção.
Quais são os constrangimentos que enfrentam os empresários franceses?
São conjunturais para toda a classe empresarial. A questão das divisas, sobretudo nos últimos dois anos. O acesso aos cambiais deixou de ser gerido pelos bancos comerciais, passando a ser feito pelo Banco Nacional de Angola que prioriza os programas dirigidos. Esse é um grande problema. São mais de 500 milhões de euros que as empresas francesas têm em atraso na banca comercial, nos últimos dois anos. Isso faz com que muitas empresas francesas se sintam forçadas a reduzir o pessoal para diminuir os custos e poder sobreviver.
Há registo de empresas que, por conta desta situação, encerraram as actividades?
Não. Muitas estão a esperar o que vai acontecer nos próximos tempos. Há um novo discurso, uma nova esperança. Portanto, estão a ponderar. O que se espera é que as coisas melhorem mesmo porque, se não, vamos ver empresas fecharem.
A era do petróleo acabou, como disse. No novo contexto, quais são os sectores de eleição dos empresários franceses?
A França já tem uma presença significativa na área do petróleo. Há uma vontade de diversificar a economia. A França é a quarta potencial mundial, a nível económico. Um dos caminhos é a agro-indústria. Aliás, temos já o exemplo do grupo Castel com um investimento de 50 milhões de dólares numa fazenda em Malanje. É o exemplo da aventura de uma cooperação económica entre França e Angola.
Tratando-se de relações bilaterais, o que Angola oferece à França?
Essencialmente, o petróleo que Angola exporta. A França naturalmente está interessada em outras matérias que Angola pode exportar, como a madeira transformada, minerais e a França está aberta como espaço turístico para os angolanos.
Como franco-angolano, que papel tem desempenhado para promover o potencial de Angola junto dos empresários franceses?
Tenho procurado atrair investidores para Angola na área da agricultura e da agro-indústria, através da embaixada de Angola, que é a principal parceira da Associação. Há um grande esforço que está a ser feito para promover Angola como destino para investimento dos franceses na agricultura.
Como a França olha para Angola?
São dois países com presidentes novos que querem dar uma nova dinâmica entre África e a Europa e corrigir as relações antigas. África tem muitos países, mas a França reconhece Angola como uma potência regional, não apenas a nível geopolítico, mas também económico.
Há perspectiva de reactivar a Câmara de Comércio Angola/França que foi encerrada na sequência do caso ‘Angolagate’?
Sou membro fundador da Câmara de Comércio Angola França, que, na altura, tinha como presidente o actual presidente do conselho de administração da Sonangol. Eu era o secretário-geral. Foi uma câmara montada às pressas, na altura, para marcar a presença do presidente francês Jacques Chirac, em 1998, em Angola. Depois, houve o ‘Angolagate’ e a câmara adormeceu, depois de três anos. Hoje, o nível de relações é outro. Há vontade dos dois governos em desenvolver parcerias. Pensamos reavivar a câmara no próximo ano. Consta da agenda da embaixada, bem como da Associação dos Empresários Franceses em Angola.
O empresariado francês encontra facilidade de financiamento nos bancos para investimentos em Angola?
Os bancos franceses estão entre os melhores do mundo e estão habituados a financiar, sobretudo, nas áreas de petróleo e gás. São muito activos. Por outro lado, temos a Agência de Desenvolvimento Francês que tem financiado projectos do Governo na área de energia e água e, dentro em breve, na agricultura. São mais de 100 milhões de euros que serão investidos em Angola por via da Agência Francesa para o Desenvolvimento em parceria com o Banco Mundial.
Durante a ausência, por algum tempo, da Agência Francesa para o Desenvolvimento, como as empresas francesas conseguiam financiamento?
Era fácil, porque a banca nacional funcionava bem até à crise dos cambiais, e as multinacionais francesas também tiveram financiamento da banca internacional.
O que espera do recente acordo assinado entre a Total e a Sonangol?
É uma excelente notícia para os franceses. Foram anunciados novos investimentos na pesquisa. Angola ainda tem grandes reservas por explorar, mas há seis anos que não explora nada.
Perfil
Um francês Angolano Federico Crespo, franco- angolano de 50 anos de idade, é formado em gestão. Chegou ao país há 27 anos, como cooperante. Casado com uma angolana, com quem tem dois filhos, tem três empresas, sendo uma na área do turismo e outra na importação e distribuição. Tem ainda projectos na área da agro-indústria. Lidera, há 15 anos, a Associação dos Empresários Franceses em Angola e tem o título honorífico de conselheiro empresarial da embaixada de França em Angola. Este mês adquiriu a sua segunda nacionalidade, no caso a angolana.
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