ANGOLA GROWING
José Zangui

José Zangui

INVESTIMENTO. Presidente da República já criou uma comissão para analisar as propostas dos empresários que pretendem alterar as regras de investimento. Mais incentivos e atrair mais estrangeiros entram na lista das sugestões.

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A Lei do Investimento Privado pode ser alterada por pressão dos empresários que, na audiência com o chefe de Estado, apresentaram um conjunto de propostas. O Presidente da República já criou uma comissão multissectorial com empresários e outros organismos do Estado, cuja articulação é liderada pelo ministro de Estado do Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior.

Ao VALOR, os empresários, no essencial, defendem mudanças nas barreiras colocadas aos investidores estrangeiros; exigem mais incentivos ao empresariado nacional para conferir competitividade, e pedem a criação de um guiché único do investidor, no modelo da extinta Agência Nacional para o Investimento Privado (ANIP).

Frederico Crespo, empresário franco-angolano, pensa que Angola “tem de ter um rumo” e que “não pode andar para frente e para trás”. Lembra que o modelo defendido agora pelos empresários foi o que funcionou na ANIP, “que era uma espécie de guiché único, depois chegou-se à conclusão que não funcionou e foram criadas as unidades técnicas para o investimento privado”.

O empresário entende que “o mais importante não é sugerir o que se deve alterar”, mas antes clarificar o que o país pretende. “Por exemplo, tenho um projecto de investimento privado e não sei com que instituição vou falar. Assim como eu há muitos”, lamenta, salientando que “estamos a perder tempo e oportunidades de investimentos que podem nunca voltar. Se Angola precisa de estabilidade, não se podem mudar as coisas prementemente”, reforça Frederico Crespo.

Nos cálculos de José Severino, Angola “precisa de investir 10 mil milhões de dólares ao ano, mas não tem este dinheiro”, por isso o presidente da Associação Industrial de Angola (AIA) propõe a abertura do mercado para que “os investidores estrangeiros entrem sem muitas barreiras”.

O líder associativo crítica a actual lei por “não ser atractiva”, defendendo a sua revisão. “Sempre defendemos a revisão da lei do investimento privado para atrair investidores. O país precisa de andar para frente e não tem dinheiro e os bancos não facilitam o financiamento. É preciso haver leis com regras claras”.

Francisco Viana alinha no pensamento de José Severino e acrescenta-lhe a ideia de obrigatoriedade da partilha de capital com estrangeiros com 30% a ser angolano. Para o presidente da Confederação Empresarial de Angola, e um dos participantes na audiência com João Lourenço, a actual lei “afasta o investidor e beneficia quem passa licenças” e, por isso, entende que é “um condicionalismo que deve ser estancado”. O líder empresarial sugere que a futura lei seja “mais aberta até para estrangeiros com menos de um milhão de dólares”.

Além disso, Francisco Viana sugere que se volte “à primeira forma, com a criação de um órgão que junte as unidades técnicas e a APIEX, ou seja, uma espécie da ANIP renovada”. Elisabeth Dias dos Santos, por sua vez, é mais crítica. Reprova a garantia exigida aos empresários, considerando-a “um atentado à capacidade de percepção de qualquer um” e lembra que “nem todos neste país gozam das mesmas oportunidades”. Segundo a empresária, a actual lei, ao exigir muito dinheiro, “consagra a existência de monopólios”.

Elisabeth Dias dos Santos gostaria ainda de ver alterado o prazo de financiamento, exemplificando que “nenhuma indústria se consolida com um período de carência de um ano, ou seja, quando um projecto nem sequer entrou em funcionamento e já tem de pagar”, o que “torna os empresários pouco ou nada competitivos”.

DISTRIBUIÇÃO. Grupo aposta em Luanda e Benguela, com a criação de lojas e centros de distribuição. Investe na construção civil e reclama uma dívida do Estado de 25 milhões de dólares.

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O grupo Sodosa vai investir cerca de 40 milhões de dólares na construção de quatro lojas ‘Mangolê’ e dois centros de distribuição em Luanda e Benguela. O investimento será assegurado por fundos próprios por “falta de financiamento bancário”, justifica o PCA, António Soares. “Se tivéssemos financiamento, faríamos mais, mas vamos fazer com fundos próprios. Não somos uma empresa rica, mas sólida, não temos dívidas com nenhum dos bancos”, sublinha.

Constituído por 10 empresas, o grupo resultou da reestruturação da Cabire Alimentos, criada em 1997. Na distribuição, detém as marcas Mangolê, que se dedica ao comércio a retalho, e o Mercadão Mangolê, no comércio grossista.

O grupo tem ainda investimentos no agronegócio, onde perspectiva inaugurar, no próximo ano, duas fábricas de farinha de milho, cujo valor de investimento não foi avançado.

A construção civil é outra área de negócios do grupo que reclama uma dívida de cerca de 25 milhões de dólares pela reabilitação de estradas em Malanje, especialmente das estradas junto da fronteira com o Congo. “A nossa empresa ficou com um dos troços, concluímos o trabalho, ao contrário das outras empresas às quais foram adjudicados os outros troços”, afirma, acrescentando que o grupo estava disponível e com capacidade de efectuar a totalidade da obra. “Ainda temos 2013 por receber e o pouco que nos pagam fazem com o câmbio desajustado.”

Por outro lado, António Soares lamenta ter de “engavetar” um projecto por falta de financiamento. Avaliado em cerca de 93 milhões de dólares, previa a produção de 70 toneladas por dia de carne suína numa primeira fase que duraria quatro anos.

“Um grande projecto de integração de uma cadeia de suinicultura, mas o financiamento não foi aprovado pelo BDA. Iria reduzir em cerca de dois milhões de dólares/ano o valor gasto na importação de carne suína e derivados”, calcula.

O grupo, que já contou com mais de dois mil colaboradores, ficou reduzido a metade, nos últimos anos, em consequência da crise económica, cambial e financeira.

O ministro de Estado do Desenvolvimento Económico e Social, Manuel Nunes Júnior, concede hoje posse ao novo conselho de administração do Entreposto Aduaneiro de Angola (EAA), nas suas instalações, Palácio de Vidro.

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De acordo com uma nota, a que o VE teve acesso, integram o novo conselho de administração do Entreposto Aduaneiro de Angola, Ludgério de Jesus Florentino Pelinganga (presidente do conselho de administração), Mariana da Luz Silva Santos (administradora), Bráulio Dias dos Santos Caetano de Brito (administrador), Fernando Silveiro Pegado Sobrinho (administrador) e Alice Paula dos Santos Neves (administradora).

O anterior conselho de administração era presidido pelo actual ministro do Comércio Joffre Van-Dúnem.

O Entreposto Aduaneiro de Angola é uma empresa pública criada em 2002 e que deverá assumir a função de gestor da Reserva Estratégica Alimentar do Estado, para garantir até cerca de um ano as necessidades de produtos da cesta básica do país, além de manutenção da estabilidade dos preços do mercado e de importação.

O franco-angolano defende que o repatriamento de divisas de angolanos para investir no país pode servir de incentivo para o investimento de empresários estrangeiros. E acredita que o caso ‘Angolagate’ impediu o contributo de França para a reconstrução do país depois do conflito armado.

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Qual é o enquadramento que faz das relações empresariais entre Angola e França?

São relações históricas. Para ter uma ideia, há dois anos, a Total celebrou 60 anos de presença em Angola. Significa que, antes da independência, já havia empresas francesas neste país. O grosso das empresas está na área petrolífera. A Total é a principal produtora do país com 600 mil barris de petróleo por dia, representando 40% da produção nacional, e conseguiu atrair várias empresas que prestam serviços. Há também uma grande presença na área da logística. Temos o grupo Castel, que produz cervejas, refrigerantes, vidro e, agora, está com um investimento na agricultura com a produção de milho, em Malanje. O grupo Castel é o maior contribuinte fiscal angolano fora do sector petrolífero. Seguem-se negócios de franceses na área de hotelaria, ‘rent-a-car’ e outros serviços, totalizando 70 empresas francesas que, no conjunto, criaram 25 mil empregos.

E como é que os empresários franceses encaram este período de crise e de transformações?

Os empresários franceses sentem-se cada vez melhor. Angola está a viver uma nova etapa da sua história que não se pode comparar ao período da década 1990, quando o sistema económico era centralizado. Há uma dinâmica em termos económicos e, depois das eleições, com as mudanças que o Executivo está a efectuar, os empresários franceses estão mais esperançosos. Angola não pode viver apenas do petróleo. O tempo do barril ao preço de 100 dólares acabou, agora é necessário diversificar a economia. Para esse desafio, é necessário que os países se apoiem, mas é necessário, sobretudo, que se apoie o empresariado.

Falou em 70 empresas a operar em Angola. Acha que a presença seria maioria se as relações não tivessem sido, a determinada altura, abaladas nomeadamente com o caso ‘Angolagate’?

O caso ‘Angolagate’ foi um episódio triste na relação entre os dois países e aconteceu num período em que Angola tinha alcançado a paz e em que a França poderia ter contribuído melhor para a reconstrução de Angola. Mas é um impasse político que ficou para trás. O mais importante agora é que os dois países perceberem que estão em concorrência com o mundo e, para Angola criar emprego, riqueza e desenvolver-se, precisa de ser atractiva para o investido.

Alguma empresa francesa chegou a abandonar o país?

Felizmente, não. Foi um assunto político-diplomático que não tocou nas empresas que já estavam no país. Não sentimos nenhum problema decorrente deste caso. Pelo contrário, foi nesta altura em que a Total fez as grandes descobertas e os grandes investimentos. Porém, houve retracção de novos investidores.

Como classifica o nível de atractividade do país?

Basta olhar para os ‘rankings’ internacionais, do Banco Mundial e de outras instituições credíveis. São claros: Angola está muito em baixo em termos de ambiente de negócio e, desta forma, é difícil criar ou desenvolver negócio. É necessário tornar Angola num país mais atractivo para se fazer investimento nacional ou estrangeiro. O próprio Presidente da República fez um apelo no sentido de os angolanos que têm dinheiro fora investirem em Angola.

Conhece casos de angolanos com dinheiros em França?

Fala-se em dezenas de milhões de dólares saídos de Angola, ao longo dos últimos anos, e colocados em diferentes países. Eu não tenho conhecimento de investimento nenhum angolano em França. Mas há casas de angolanos em França. E a questão até não é obrigar, mas tem de se incentivar para que o dinheiro investido no exterior volte para ser investido no país. Porque, senão, a pergunta que fica é: se os angolanos não investem no seu país, serão os estrangeiros a investir? Têm de ser primeiros os angolanos a dar exemplo ao investidor estrangeiro. Não basta dizer ‘venham investir, que eu fico com 30 ou 40%’. As parcerias devem ser mesmo parecerias. Cada lado deve arriscar com a mesma percentagem.

Conhece muitos casos de empresários franceses que receberam propostas do género?

Há casos. Criou-se uma cultura de pensar-se que o estrangeiro é que tem de trazer o dinheiro e correr o risco sozinho. É um facto, mas, como disse, têm de ser primeiro os angolanos a arriscarem pelo seu país e não esperar que sejam os estrageiros a fazer.

Mas essa não é uma realidade exclusiva de Angola?

Nos países mais atractivos para o investimento, isso não acontece. Mas essa cultura não terá resultado também de ofertas ou propostas de estrangeiros na ânsia de investirem no país? É provável, mas isso era na altura do dinheiro fácil, uma era que já acabou, o tempo do dinheiro fácil acabou. Agora é preciso arriscar na mesma proporção.

Quais são os constrangimentos que enfrentam os empresários franceses?

São conjunturais para toda a classe empresarial. A questão das divisas, sobretudo nos últimos dois anos. O acesso aos cambiais deixou de ser gerido pelos bancos comerciais, passando a ser feito pelo Banco Nacional de Angola que prioriza os programas dirigidos. Esse é um grande problema. São mais de 500 milhões de euros que as empresas francesas têm em atraso na banca comercial, nos últimos dois anos. Isso faz com que muitas empresas francesas se sintam forçadas a reduzir o pessoal para diminuir os custos e poder sobreviver.

Há registo de empresas que, por conta desta situação, encerraram as actividades?

Não. Muitas estão a esperar o que vai acontecer nos próximos tempos. Há um novo discurso, uma nova esperança. Portanto, estão a ponderar. O que se espera é que as coisas melhorem mesmo porque, se não, vamos ver empresas fecharem.

A era do petróleo acabou, como disse. No novo contexto, quais são os sectores de eleição dos empresários franceses?

A França já tem uma presença significativa na área do petróleo. Há uma vontade de diversificar a economia. A França é a quarta potencial mundial, a nível económico. Um dos caminhos é a agro-indústria. Aliás, temos já o exemplo do grupo Castel com um investimento de 50 milhões de dólares numa fazenda em Malanje. É o exemplo da aventura de uma cooperação económica entre França e Angola.

Tratando-se de relações bilaterais, o que Angola oferece à França?

Essencialmente, o petróleo que Angola exporta. A França naturalmente está interessada em outras matérias que Angola pode exportar, como a madeira transformada, minerais e a França está aberta como espaço turístico para os angolanos.

Como franco-angolano, que papel tem desempenhado para promover o potencial de Angola junto dos empresários franceses?

Tenho procurado atrair investidores para Angola na área da agricultura e da agro-indústria, através da embaixada de Angola, que é a principal parceira da Associação. Há um grande esforço que está a ser feito para promover Angola como destino para investimento dos franceses na agricultura.

Como a França olha para Angola?

São dois países com presidentes novos que querem dar uma nova dinâmica entre África e a Europa e corrigir as relações antigas. África tem muitos países, mas a França reconhece Angola como uma potência regional, não apenas a nível geopolítico, mas também económico.

Há perspectiva de reactivar a Câmara de Comércio Angola/França que foi encerrada na sequência do caso ‘Angolagate’?

Sou membro fundador da Câmara de Comércio Angola França, que, na altura, tinha como presidente o actual presidente do conselho de administração da Sonangol. Eu era o secretário-geral. Foi uma câmara montada às pressas, na altura, para marcar a presença do presidente francês Jacques Chirac, em 1998, em Angola. Depois, houve o ‘Angolagate’ e a câmara adormeceu, depois de três anos. Hoje, o nível de relações é outro. Há vontade dos dois governos em desenvolver parcerias. Pensamos reavivar a câmara no próximo ano. Consta da agenda da embaixada, bem como da Associação dos Empresários Franceses em Angola.

O empresariado francês encontra facilidade de financiamento nos bancos para investimentos em Angola?

Os bancos franceses estão entre os melhores do mundo e estão habituados a financiar, sobretudo, nas áreas de petróleo e gás. São muito activos. Por outro lado, temos a Agência de Desenvolvimento Francês que tem financiado projectos do Governo na área de energia e água e, dentro em breve, na agricultura. São mais de 100 milhões de euros que serão investidos em Angola por via da Agência Francesa para o Desenvolvimento em parceria com o Banco Mundial.

Durante a ausência, por algum tempo, da Agência Francesa para o Desenvolvimento, como as empresas francesas conseguiam financiamento?

Era fácil, porque a banca nacional funcionava bem até à crise dos cambiais, e as multinacionais francesas também tiveram financiamento da banca internacional.

O que espera do recente acordo assinado entre a Total e a Sonangol?

É uma excelente notícia para os franceses. Foram anunciados novos investimentos na pesquisa. Angola ainda tem grandes reservas por explorar, mas há seis anos que não explora nada.

Perfil

Um francês Angolano Federico Crespo, franco- angolano de 50 anos de idade, é formado em gestão. Chegou ao país há 27 anos, como cooperante. Casado com uma angolana, com quem tem dois filhos, tem três empresas, sendo uma na área do turismo e outra na importação e distribuição. Tem ainda projectos na área da agro-indústria. Lidera, há 15 anos, a Associação dos Empresários Franceses em Angola e tem o título honorífico de conselheiro empresarial da embaixada de França em Angola. Este mês adquiriu a sua segunda nacionalidade, no caso a angolana.

AVICULTURA. Grandes produtores querem criar uma nova associação para “discutir com o Estado”. Não se revêem na actual existente por estar “dependente dos favores do Estado”.

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Os chamados grandes produtores de ovos, proprietários de fazendas, planeiam criar uma nova associação, por não se reverem na única existente, a Associação Nacional dos Avicultores de Angola (ANAVI).

Elizabete Dias dos Santos, administradora do grupo Diside, proprietária da Fazenda Peróla do Kikuxi, justifica a pretensão com a diferença de interesses: “Os grandes produtores são indústrias de ovos que incluem outras fábricas como as de ração e produção de cartões, daí que se pensa em criar uma associação que vai congregar os grandes produtores, que ao invés de depender de favores do Estado, discuta com o Estado”.

A gestora, proprietária da fazenda que produz cerca de um milhão de ovos por dia, reforça a ideia de que a ANAVI é “composta por pequenos produtores, empresas com menos 50 mil aves” e que foi criada “não tanto para defender os produtores de ovos, mas mais para pedir favores ao Estado e mesmo, com isso, não querem correr o risco de se tornarem grandes produtores”.

Elizabete Dias dos Santos desafia a que se olhe para os números apresentados pela ANAVI. “São números apenas dos pequenos produtores porque os grandes têm os seus dados. Por exemplo, a fazenda Kikuxi, produtora do kikovo, por si só, produz diariamente um milhão de ovos por dia”.

O presidente da ANAVI, Rui Santos, é que não se mostra preocupado com a possibilidade de haver mais uma associação. Em declarações ao Valor, não tem dúvidas de que “os grandes produtores se quiserem têm toda legitimidade para o fazer”.

Rui Santos lembra, no entanto, que a ANAVI estima ter uma produção de 700 mil ovos dias, a que dizem respeito à soma da produção dos mais de cem associados.

Uma das provas das diferenças na abordagem dos temas entre a ANAVI e os grandes produtores é a perspectiva sobre a relação entre a necessidade do mercado e a produção de ovos durante a quadra festiva. A ANAVI perspectiva um défice de 40%, estimando um aumento do preço para 70 Kwanzas, no mercado informal. São números contrariados por Elizabete Dias dos Santos. Além da Peróla do Kikuxi, destacam-se entre as grandes produtoras, a Aldeia Nova e a Uniovo e, segundo cálculos de Elizabete Dias dos Santos, a produção total das três anda perto dos 60 milhões de ovos por mês.