MÚSICA. Conhecido pelos temas ‘Ocipito/Otchipito’ e ‘Pão com Chouriço’, Voto Gonçalves soma 52 anos de carreira. Sente-se realista de mais e não esconde que tanto os jovens como os da sua época cantam músicas boas e más. Alerta o Estado e os jovens a colaborarem para colmatar as instabilidades sociais.
Voto Gonçalves não é um nome muito comum. Em que circunstância lhe foi dado?
Nasci na época colonial em que decorria um processo eleitoral. Naquela altura, os meus pais tinham de votar e, pelo facto de eu estar a nascer, constituía um voto e foi adoptado também pelos meus pais. Passaram a chamar-me Voto e artisticamente deu certo. Mas o primeiro nome artístico foi ‘Tony Redding’.
Homenageia o seu pai pelo percurso e pelas letras escritas por ele. Teve a oportunidade de dividir o palco com ele?
Não propriamente. O meu pai tocava violino e órgão durante as missas, escreveu várias músicas, mas não tive oportunidade de fazer actividades fora ou lucrativas com ele. Há uma música que é em sua homenagem, a ‘Vendo e sentindo’.
Esteve entre os jovens que faziam música moderna contemporânea, quando esteve ligado aos grupos Rolling Stars…
Naquela altura, paralelamente à música angolana, também evoluía nos musseques e zonas adjacentes, o ‘soul music’, muito influenciado por Jerónimo Belo, o ‘Gegé’, onde também aprendi a tocar violão. No bairro do Cruzeiro, tive uma vida artística mais intensa.
Como foi a transição do ‘soul music’ para o folclore?
Em 1966, estive nas lides da música moderna. Já em 1969 vou para a vida militar e, ainda no tempo colonial, tive de me alistar no exército português. Depois de ser graduado, fui para a Muxima, onde fundei o grupo ‘Maka Ku Muxima’. Gravei um álbum em 1971 e a convivência fez com que tocasse mais música angolana. Por outro lado, foi-me pedido que tocasse como os guitarristas Duia e Zé Keno e o zairense Francó. E também porque havia um comandante português que gostava de me ouvir a tocar fado e nunca parei de tocar. Foi um salto muito grande, deixei a música moderna e abracei a angolana. Na altura, colaborei com os Kiezos, Jovens do Prenda, Merengues, Semba Tropical, entre outros. Em 1973, quando deixei a vida militar, passei a colaborar como cantor a solo com os Kiezos, e fi-lo durante três anos.
Como é a convivência com os colegas da sua época?
É difícil de responder (risos). Naquela altura, era muito boa, mas, porque também tínhamos uma vida económica mais estável, apesar da colonização, vamos ser realistas. Hoje estamos numa sociedade muito materialista, antes não era tanto. No tempo em que convivíamos entre músicos, fruto dessa aparente estabilidade económica, refiro-me a antes de 1974, era uma boa a convivência. Depois da independência, a música angolana sofreu uma estagnação, devido ao processo conturbado. Hoje, não estamos tão unidos quanto antes.
Há algum motivo para a desunião?
A própria vida. Os músicos levam uma vida complicada. Para gravar um disco, tenho dificuldade. Como músico, já devia ter uma vida estabilizada. Entre os menos críticos, quando há infelicidade e ainda solidariedade, ainda convivemos, mas, fora disso, não há convivência.
Esta carência é mais visível para os músicos que não migraram?
Eles melhor do que ninguém para responderem a essas perguntas. Mas não creio tanto que estejam tão bem, há sempre problemas do fórum afectivo. O Filipe Mukenga, Sanguito e Nanuto, por exemplo, tiveram de voltar. Lá fora, nem tudo é um ‘mar de rosas’.
Os jovens hoje musicalizam com poesia?
Algumas músicas têm certa profundidade, nem todas, claro. É como os kotas, nem todos são grandes coisas (risos). Nós também fazemos música boa e má. Considero a música como um conjunto agradável de sons com letra, harmonia, melodia, ritmo, mas a letra deve ter mensagem que toque nas pessoas, como problemas sociais, conflitos conjugais e familiares. Sou muito realista. Existe uma grande tendência de os jovens se orientarem mais, mas ainda sinto que alguns estão desviados da sua essência cultural. Deviam fazer músicas mais enraizadas à cultura.
Hoje a sociedade enfrenta problemas como prostituição, drogas e álcool. De que forma se pode driblar?
Hoje estamos num momento mais critico. Há falta de emprego e de escolas e muitos chefes de família estão fora do mercado de trabalho. Onde há dificuldade, há essa probabilidade de haver desequilíbrio mental. O Estado e os jovens devem colaborar, mas muitos fazem para sobreviver, apesar que não é justificação para se cair na delinquência, prostituição e drogas. Há muita instabilidade social.
A obra que prevê lançar estava para 2016…
Estive em divida para com os fãs, mas foi por falta de apoios. No entanto, o ‘maxi single’, com quatro músicas, já está pronto com o título ‘Ocipito/Otchipito’ que significa ‘Festa’, em nhaneca-humbe. Sai na versão de ‘afro-house’+ e conta com a participação do DJ Forreta.
Viver da música…
É para quem tem vida regular e faz parte das grandes agências e produtoras, que são poucas e que já têm os seus músicos. Tenho amigos e fãs que me animam e dão força e tenho quase sempre um local para actuar.
A produção tem qualidade?
Já temos muita música de qualidade e há produtoras com técnicas esplêndidas, com referências internacionais, mas agora temos de melhorar mais nas composições.
PERFIL
António de Jesus de Oliveira Gonçalves, conhecido nas lides artísticas como Voto Gonçalves, nasceu em Luanda, em 1949, filho de pai cantor. Tem contactos com os instrumentos de percussão desde os 12 anos, mas foi aos 14 que começou a tocar a guitarra. As suas referências musicais são influenciadas pelos músicos Vum Vum, Elias Dya Kimuezo, Teta Lando e Ngola Ritmo e pelos estrangeiros Otis Redding, James Brown, Percy Sledge, Wilson Picket e Francó. Gravou um single de 45 rotações, em 1970. Entre 1978 e 2010, gravou ‘Koleno África’, ‘N’gola Iami’, ‘Kilamba Neto’, ‘Bater do coração’, ‘Novos Tempos’, ‘Pão com chouriço’. Lançou a primeira obra a solo em 2002, intitulada ‘Novos Tempos’ e a segunda ‘Pão com chouriço’, em 2010.
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