ANGOLA GROWING
Amélia Santos

Amélia Santos

DANÇA. Conhecido artisticamente como Gato Vaiola, dança há mais de 30 anos, apesar de ser deficiente físico. É um dos dançarinos de maior referência nacional nos estilos vaiola, kizomba e semba. Tem uma escola, onde ensina jovens, crianças e adultos. É também músico e um dos maiores incentivadores de militares que sofreram amputação nos membros. Além da dança, é chefe dos recursos humanos, numa das unidades militares. Defende que se patenteiem as danças nacionais, pelas projecções internacionais que possam vir a ter.

 

LITERATURA. Lopito Feijóo lança o mais recente livro ‘Doutrinárias Lâminas Doutrinárias’, que aborda a tradição oral angolana do passado, presente e futuro. É o primeiro volume de uma inédita trilogia do poeta, ensaísta e crítico literário, cujo acto de apresentação e lançamento está marcado para amanhã, no Centro Cultural Português, em Luanda.

 

 

MÚSICA. Conhecido pelos temas ‘Ocipito/Otchipito’ e ‘Pão com Chouriço’, Voto Gonçalves soma 52 anos de carreira. Sente-se realista de mais e não esconde que tanto os jovens como os da sua época cantam músicas boas e más. Alerta o Estado e os jovens a colaborarem para colmatar as instabilidades sociais.

Volto Goncalves musico 165

Voto Gonçalves não é um nome muito comum. Em que circunstância lhe foi dado?

Nasci na época colonial em que decorria um processo eleitoral. Naquela altura, os meus pais tinham de votar e, pelo facto de eu estar a nascer, constituía um voto e foi adoptado também pelos meus pais. Passaram a chamar-me Voto e artisticamente deu certo. Mas o primeiro nome artístico foi ‘Tony Redding’.

Homenageia o seu pai pelo percurso e pelas letras escritas por ele. Teve a oportunidade de dividir o palco com ele?

Não propriamente. O meu pai tocava violino e órgão durante as missas, escreveu várias músicas, mas não tive oportunidade de fazer actividades fora ou lucrativas com ele. Há uma música que é em sua homenagem, a ‘Vendo e sentindo’.

Esteve entre os jovens que faziam música moderna contemporânea, quando esteve ligado aos grupos Rolling Stars…

Naquela altura, paralelamente à música angolana, também evoluía nos musseques e zonas adjacentes, o ‘soul music’, muito influenciado por Jerónimo Belo, o ‘Gegé’, onde também aprendi a tocar violão. No bairro do Cruzeiro, tive uma vida artística mais intensa.

Como foi a transição do ‘soul music’ para o folclore?

Em 1966, estive nas lides da música moderna. Já em 1969 vou para a vida militar e, ainda no tempo colonial, tive de me alistar no exército português. Depois de ser graduado, fui para a Muxima, onde fundei o grupo ‘Maka Ku Muxima’. Gravei um álbum em 1971 e a convivência fez com que tocasse mais música angolana. Por outro lado, foi-me pedido que tocasse como os guitarristas Duia e Zé Keno e o zairense Francó. E também porque havia um comandante português que gostava de me ouvir a tocar fado e nunca parei de tocar. Foi um salto muito grande, deixei a música moderna e abracei a angolana. Na altura, colaborei com os Kiezos, Jovens do Prenda, Merengues, Semba Tropical, entre outros. Em 1973, quando deixei a vida militar, passei a colaborar como cantor a solo com os Kiezos, e fi-lo durante três anos.

Como é a convivência com os colegas da sua época?

É difícil de responder (risos). Naquela altura, era muito boa, mas, porque também tínhamos uma vida económica mais estável, apesar da colonização, vamos ser realistas. Hoje estamos numa sociedade muito materialista, antes não era tanto. No tempo em que convivíamos entre músicos, fruto dessa aparente estabilidade económica, refiro-me a antes de 1974, era uma boa a convivência. Depois da independência, a música angolana sofreu uma estagnação, devido ao processo conturbado. Hoje, não estamos tão unidos quanto antes.

Há algum motivo para a desunião?

A própria vida. Os músicos levam uma vida complicada. Para gravar um disco, tenho dificuldade. Como músico, já devia ter uma vida estabilizada. Entre os menos críticos, quando há infelicidade e ainda solidariedade, ainda convivemos, mas, fora disso, não há convivência.

Esta carência é mais visível para os músicos que não migraram?

Eles melhor do que ninguém para responderem a essas perguntas. Mas não creio tanto que estejam tão bem, há sempre problemas do fórum afectivo. O Filipe Mukenga, Sanguito e Nanuto, por exemplo, tiveram de voltar. Lá fora, nem tudo é um ‘mar de rosas’.

Os jovens hoje musicalizam com poesia?

Algumas músicas têm certa profundidade, nem todas, claro. É como os kotas, nem todos são grandes coisas (risos). Nós também fazemos música boa e má. Considero a música como um conjunto agradável de sons com letra, harmonia, melodia, ritmo, mas a letra deve ter mensagem que toque nas pessoas, como problemas sociais, conflitos conjugais e familiares. Sou muito realista. Existe uma grande tendência de os jovens se orientarem mais, mas ainda sinto que alguns estão desviados da sua essência cultural. Deviam fazer músicas mais enraizadas à cultura.

Hoje a sociedade enfrenta problemas como prostituição, drogas e álcool. De que forma se pode driblar?

Hoje estamos num momento mais critico. Há falta de emprego e de escolas e muitos chefes de família estão fora do mercado de trabalho. Onde há dificuldade, há essa probabilidade de haver desequilíbrio mental. O Estado e os jovens devem colaborar, mas muitos fazem para sobreviver, apesar que não é justificação para se cair na delinquência, prostituição e drogas. Há muita instabilidade social.

A obra que prevê lançar estava para 2016…

Estive em divida para com os fãs, mas foi por falta de apoios. No entanto, o ‘maxi single’, com quatro músicas, já está pronto com o título ‘Ocipito/Otchipito’ que significa ‘Festa’, em nhaneca-humbe. Sai na versão de ‘afro-house’+ e conta com a participação do DJ Forreta.

Viver da música…

É para quem tem vida regular e faz parte das grandes agências e produtoras, que são poucas e que já têm os seus músicos. Tenho amigos e fãs que me animam e dão força e tenho quase sempre um local para actuar.

A produção tem qualidade?

Já temos muita música de qualidade e há produtoras com técnicas esplêndidas, com referências internacionais, mas agora temos de melhorar mais nas composições.

PERFIL

António de Jesus de Oliveira Gonçalves, conhecido nas lides artísticas como Voto Gonçalves, nasceu em Luanda, em 1949, filho de pai cantor. Tem contactos com os instrumentos de percussão desde os 12 anos, mas foi aos 14 que começou a tocar a guitarra. As suas referências musicais são influenciadas pelos músicos Vum Vum, Elias Dya Kimuezo, Teta Lando e Ngola Ritmo e pelos estrangeiros Otis Redding, James Brown, Percy Sledge, Wilson Picket e Francó. Gravou um single de 45 rotações, em 1970. Entre 1978 e 2010, gravou ‘Koleno África’, ‘N’gola Iami’, ‘Kilamba Neto’, ‘Bater do coração’, ‘Novos Tempos’, ‘Pão com chouriço’. Lançou a primeira obra a solo em 2002, intitulada ‘Novos Tempos’ e a segunda ‘Pão com chouriço’, em 2010.

TEATRO. ‘No inferno estamos bem’ é a mais recente obra do grupo teatral Oásis, que vai encerrar o Circuito Internacional de Teatro a 16 de Setembro na Laasp, em Luanda. Com 30 anos de carreira, o grupo é subvencionado pela Força Aérea.

 MG 1440

O grupo teatral Oásis estreia a peça ‘No inferno estamos bem’, a 16 de Setembro, na Laasp, em Luanda, para o encerramento do Circuito Internacional de Teatro, que decorre desde Julho.

O drama aborda a posse dos bens dos entes queridos, mesmo antes de estes morrerem. De acordo com António Flor, encenador do grupo, actualmente “há muita inveja entre os homens, quando alguém é bem-sucedido. É uma sátira entre a terra e o céu, porque quem está na terra tem a ideia de que quem vai para o céu está bem, mas nunca ninguém saiu do céu para explicar que lá é bom”, explica.

A peça, escrita pela dramaturga Bebeca Capangue Neto, faz uma crítica social e é também uma chamada de atenção ao imediatismo. O encenador recomenda que as pessoas devem pautar por “uma boa formação e tenham a família como pilar de desenvolvimento para grandes questões da sociedade”, sendo esta a visão que pretende passar com a peça. Entram em palco, além do grupo folclórico da brigada, os actores Fernandes João, Antónia Soares, Cecília Fila, entre outros.

A peça passa a 16 de Setembro para o encerramento do Circuito Internacional de Teatro, com início às 19 horas. Os bilhetes são vendidos a partir de 2.000 kwanzas.

30 anos em palco

O grupo de teatro Oásis surge em Março de 1988, sucedendo ao grupo ‘Horizonte 2000’, da brigada 21 de Janeiro da Força Aérea Nacional, fundado por Afrikano Kangombe que assim pretendeu fazer uma homenagem ao Ango-Hotel.

Repertório

O Oásis venceu o Prémio de Cultura e Artes, em 2013, com a peça ‘A morte de Elitopacassa’, e antes obteve o 2.º lugar no festival Fenacul, em 1989.Participou na 2.ª Bienal de jovens criadores da CPLP, com a peça ‘Michornas de Chongoli’, em 2001, em Portugal.

Actuou no Reino Unido, com espectáculos em Manchester, Birmingham e Conventry, com a peça ‘O Batuque’, nas comemorações do 4 de Abril. Tem peças adaptadas de Pedro Pacavira, com a peça ‘Quem ficará no lugar’ retirado do livro ‘Njinga Mbande’; de Emídio Guerra, com a peça ‘Quem tudo quer’ do livro com o mesmo titulo, entre outras obras; ‘Três torres populares’; ‘As velhas profissões’; ‘Batuque’, a maior peça que Oásis tem, em que participou do festival de verão de Maputo, uma adaptação do livro ‘O feitiço da Rama de Abóbora’.

EXPOSIÇÃO. Após quatro anos sem homenagens a Óscar Ribas, a Casa Museu realiza uma exposição inédita, até 30 de Setembro, em comemoração dos 109 anos do escritor e ensaísta. Simultaneamente, coloca à venda 16 livros da sua obra literária.

40500773 292661228125329 3618263063569891328 n

Uma exposição de artes plásticas comemorativa de mais um aniversário de Óscar Ribas, escritor, antropólogo e ensaísta, está patente na Casa Museu Óscar Ribas, em Luanda, até 30 de Setembro.

A exposição assinala os 109 anos da vida do escritor, caso estivesse vivo. A amostra, intitulada ‘Óscar Ribas, Objectos, Rituais e Tradições’, reúne mais de dez telas, produzidas a óleo acrílico sob tela. Os quadros têm imagens de objectos pessoais de Óscar Ribas e de cerimónias tradicionais retratadas nas suas obras literárias, preparados especialmente para a exposição por técnicos da área de museografia afectos à Casa Museu.

Além das comemorações do aniversário de Óscar Ribas, a Casa-Museu realiza eventos nas escolas e em unidades policiais e militares, dentro e fora de Luanda.

Maria Fernanda de Almeida, directora da Casa Museu, quer que o escritor “seja mais valorizado pelo contributo que deu em vários aspectos da cultura” e sugere mesmo que se crie um prémio literário ‘Óscar Ribas’. Lembra que já houve um projecto do Ministério da Cultura, mas que não resultou”, lamenta.

A responsável lembra que, já na época colonial, existia um prémio e, que em 1951, já havia estudantes do antigo Liceu Salvador Correia, que homenagearam Óscar Ribas.

Actualmente, a Casa Museu é uma unidade tutelada pelo Estado e gerida pelo Ministério da Cultura. Recebe também apoios da Fundação Óscar Ribas, da universidade com o mesmo nome e ainda de particulares.

Óscar Bento Ribas nasceu a 17 de Agosto de 1909 em Luanda e morreu a 19 de Junho de 2004. Filho de pai português, Arnaldo Gonçalves Ribas, e de mãe angolana, Maria da Conceição Bento Faria, viveu também no Sumbe (antigo Novo Redondo), Benguela, Ndalatando e Bié.

Óscar Ribas, considerado um dos fundadores da ficção literária em Angola, foi escritor, pesquisador, antropólogo da tradição oral, que deixou um legado literário, tendo recuperado muitos temas da tradição oral, filologia, religião tradicional e filosofia dos povos de língua kimbundo. O escritor foi galardoado com inúmeras distinções, com destaque para os prémios ‘Margaret Wrong’ (1955), de etnografia do Instituto de Angola (1958) e ‘monsenhor Alves da Cunha’ (1962). Foi também distinguido como membro titular da Sociedade Brasileira de Folclore (1954), com a medalha oficial da Ordem do Infante, atribuída pelo governo português (1962), medalha ‘Gonçalves Dias’, pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (1968), e com o diploma de mérito da Secretaria de Estado da Cultura de Angola (1989).

Acervo bibliográfico

Tem publicadas as obras ‘Nuvens Que Ficam Verdes’ (1927), ‘Resgate de uma Falta de Educação’ (novela, em 1929), ‘Flores e Espinhos Uanga’ (1950), ‘Ecos da Minha Terra Natal’ (1952), ‘Uanga - Feitiço’ (romance, 1955) e ‘Ilundo - Espíritos e Ritos Angolanos’ (1958). E ainda ‘Missosso’ (em três volumes, 1961, 1962 e 1964), ‘Alimentação regional Angolana’ (1965), ‘Izomba – Associativismo e Recreio’ (1965), ‘Sunguilando – Contos Tradicionais Angolanos’ (1967), ‘Kilandukilu – Contos e Instantâneos’ (1973) e ‘Tudo Isto Aconteceu – Romance Autobiográfico’ (1975), ‘Cultuando as Musas’ (1992) e ‘Dicionário de Regionalismos Angolanos’.

A casa está aberta de segunda a sábado das 8 horas às 15, com entradas gratuitas.