“Teríamos de vender um milhão de livros”
LITERATURA. Com mais de 10 obras literárias, António Gonçalves garante não estar preocupado com prémios, mas sim em estruturar uma obra que marque a diferença em relação aos autores da sua geração. Diz que, em Angola, não se vive da literatura, justificando que, seria necessário vender um milhão de exemplares a um dólar cada um. Quem lê ‘Os livros dos ancestrais’ recua uns anos… É uma homenagem aos heróis do passado, a forma como defrontaram o colonialismo, mas também os do presente. Cito alguns que dão um grande contributo para a formação da angolanidade, sobretudo no domínio da imprensa, por exemplo, Jorge Gomes e Paulo Miranda entre outros. O escritor é um participante activo da sociedade e devemos homenageá-lo em vida, não temos de esperar morrer para o homenageamos. A obra faz também uma homenagem ao Sequele, local onde vivo, enquanto o segundo livro é de temática. ‘Utima’ significa coração em umbundu. São 21 poemas, em que combino vários factores culturais, locais que relaciono com as mulheres. Como as mulheres se reveêm nessa obra? No ‘Utima’, falo da mulher no geral, não particularizei as heroínas. É tudo imaginação. Não foram escritos a partir de uma realidade concreta. Há poemas em que situo um ambiente completamente africano e com cubatas. Há muitas obras nacionais, mas não entram no sistema de ensino... A preocupação não deve ser do autor, mas das autoridades. Tenho obras que já são estudadas no Brasil e algumas na universidade pública. Há outros autores que também são estudados, mas poucos. Preocupa-se com os prémios? Não estou muito preocupado com os prémios. Estou preocupado em estruturar uma obra que marque a diferença em relação aos autores da minha geração e estou a conseguir. Como avalia a literatura angolana? Avança conforme o país está a avançar. A passagem de testemunho está a ser feita. Pertencemos à geração de 80, estamos a transmitir os conhecimentos, há um grande interesse dos jovens em aprender e isso é muito bom. É sinal de que, no futuro, teremos bons escritores. Os jovens investigam pouco? Isso também é produto da educação que recebem e também como estão estruturados os programas de estudos. Um escritor, além da formação clássica que aprende na escola, deve efectivamente investigar. ‘Os livros dos Ancestrais’ é, portanto, uma tentativa de recuperar de alguma forma, muitos valores africanos, sobretudo, de se debruçar na segunda parte que o ‘Utima’, que é o segundo livro. Há aí um esforço muito grande de relacionar os objectos culturais locais, comparando à mulher, mas de forma positiva. Uma pesquisa que tenho estado a fazer e que vai continuar no terceiro ‘livro dos ancestrais’ que estou a escrever. Como vê hoje a União dos Escritores Angolanos? Sou suspeito para falar da UEA, porque já fui secretário-geral. Mas pode fazer mais. Culpa da própria União ou do Ministério da Cultura? Já aparecem algumas iniciativas. Vai proporcionar agora um curso de Teoria da Literatura. Mas esse curso não é para formar escritores, mas sim teóricos e ensaístas. O escritor pode também ter essa formação de base, mas não pensar que, ao fazer essa formação, sai um grande escritor. O ensaísta é um cientista que une a ciência à arte. O escritor já pode viver só da escrita? Teríamos de publicar um milhão de exemplares e a vender cada um a um dólar e teríamos um milhão de dólares. Mas há um problema. Quem gere os livros são as editoras e o escritor só fica com uma pequena percentagem. Mas não! Até Pepetela, que é Prémio Camões, é professor universitário, não vive da literatura. PERFIL António Gonçalves, de 57 anos, nasceu em Luanda. Foi director do hotel Trópico e o secretário-geral mais novo da União dos Escritores Angolanos, com apensas 35 anos. Foi ainda conselheiro cultural da embaixada angolana em Cuba, país onde lançou 10 livros, dos quais um completamente em espanhol e os restantes bilingues português/espanhol. Além de Angola e de Cuba, tem textos publicados na Costa Rica, Colômbia, Nicarágua, Venezuela, Espanha e Alemanha. É quadro júnior do Ministério da Cultura. Começou a escrever aos 13 anos e em 1978 publicou a primeira narrativa: ‘Cenas que o Musseque Conhece’. Em 1980, entra para a Brigada Jovem de Literatura e, nesse mesmo ano, contribui com um poema intitulado ‘Reflexão’, para uma antologia de poemas dedicados a Agostinho Neto.
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