Amélia Santos

Amélia Santos

LITERATURA. ‘Os Padrinhos da Nazarena’ e ‘Kambas para Sempre’ são os dois últimos livros apresentados pela escritora Maria Celestina Fernandes, marcados por temas como a guerra, exploração, infidelidade, infertilidade, discriminação, adopção, preconceito e racismo.

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‘Kambas para Sempre’ foi editado em 2017, no Brasil. Porquê só agora em Angola?

Pedi a editora, no Brasil, para ceder os direitos de autor a Chá de Caxinde, porque queria que a obra tivesse uma edição angolana. Aborda o preconceito racial. Não vamos ‘tapar o sol com a peneira’, o problema do racismo é um facto e é motivo de vários debates. O livro foi baseado numa história real, quando estive no Brasil, em 2016. Ouvi uma senhora que é branca casada com um negro cuja filha sofre muito preconceito na escola. Ela conta que, certo dia, uma colega da filha lambe a sua pele para saber se sabia a chocolate e a menina retribuiu a lambidela para saber se a pele da colega também sabia a açúcar.

Foi bem aceite no Brasil?

Sim. Eles querem levar para o Plano Nacional de Leitura e estão a fazer diligências para que o livro tenha maior repercussão. Foi a partir daquele episódio que fui buscar a história e a abolição da escravatura para dar a conhecer às crianças, quanto nós, negros, sofremos, não só em Angola, mas também fora, porque somos desenraizados, fomos levados para outros países e continuamos a sofrer.

As crianças em Angola podem rever-se nessa história?

A discriminação racial está por todo o mundo. Não vamos dizer que aqui não haja racismo, quer de negros em relação aos mais claros e vice-versa. Existe! É bom que se abordem esses temas, que não haja tabu. É desde pequenino que devemos ensinar e aprender que não devemos discriminar quem quer que seja. Muito recentemente presenciei um episódio de racismo, aqui em Angola, numa família multirracial. É um livro dirigido a todos, para quem sabe ler e escutar, se as crianças não sabe ler, a mãe ou os pais devem ler para elas. A biblioteca deve ser formada a partir da concepção.

Acredita que teremos, dentro de 10/15 anos, uma Angola mais leitora?

É um prognóstico difícil de responder! Bom seria que nem esperássemos por mais de dez anos. Se fosse mais recuado seria melhor. Como escritora, se calhar, já não estarei aqui, mas gostava que fosse antes.

Desde o lançamento da primeira obra há 28 anos, que avaliação faz da literatura infantil?

Têm aparecido boas obras, mesmo em relação à literatura infantil. Desde o tempo da independência, não havia literatura infantil angolana. Consumíamos a ocidental. Depois de surgir o núcleo de Gabriela Antunes, Cremilda Lima, Dario de Melo, começou a surgir a literatura infantil. Nessa altura, já tinha obras escritas, mas não tinham sido publicadas, tive algumas dificuldades.

Porquê?

Muitas vezes, é a oportunidade de edição. Editar não foi fácil. Já no Brasil não tive a mesma dificuldade. Aqui, há uma conjuntura que aumenta as dificuldades.

Como colmatar, principalmente para os jovens que se lançam na escrita?

A obra infantojuvenil é muito cara, muito pelas ilustrações. Não temos materiais, tudo é importado. É um trabalho que envolve o escritor e o ilustrador. As editoras justificam-se com a falta de meios, para suportar os custos das edições. A edição de literatura infantojuvenil não se consegue pela UEA, INIC e a Chá de Caxinde há muito que não fazia. Os livros da Plural e Texto Editora são um pouco ‘puxados’. Mas não é motivo para não comprar, porque os livros não se compram todos os dias e não é necessário comprar uma única edição para toda a família. Muitas vezes, o pai que diz que o livro é caro, gasta mais na compra de uma grade de cerveja, num uísque caro do que na compra de um livro que, ainda que comprar dois livros por ano, já seja alguma coisa.

É prematuro pedir resultados aos movimentos literários?

Por acaso, têm feito um bom trabalho e está a surtir efeito. Estão com boas dinâmicas e, se aparecerem mais movimentos com esse cariz, teremos desenvolvimento neste sentido, porque, se esperarmos só pelas famílias, não sei se, a breve trecho, teremos resultados. Um país desenvolvido é aquele em que as pessoas lêem.

Os jovens contactam-na?

Muitas vezes, aparecem jovens a dizer que querem escrever, mas quando perguntamos o que já leram, não lêem obras de referência…

Está de acordo com as reclamações feitas à UEA?

Eles não estão a editar, não é só literatura infantojuvenil. Há algum tempo, tinham patrocínio da Sonangol, da Odebrecht e tudo isso desapareceu. Tenho livros para reeditar. As pessoas estão de fora e não se apercebem dessas coisas. Uma das causas da falta de apoio é mesmo a ausência de patrocínios.

O 15.º Festival Luanda Cartoon, ‘Festival Internacional de Banda Desenhada e Animação’, está marcado para 24 a 31 de Agosto, no Centro Cultural Português e na Casa da Cultura Njinga a Mbande, ambas em Luanda.

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O festival conta com a presença de três cartunistas vindos do Brasil e do Congo Democrático, centrado sob o lema ‘A influência da moda, na banda desenhada’.

Esta edição conta com três convidados internacionais do Festival Luanda Cartoon 2018, De Angola participam 40 artistas entre banda desenhada e animação.

Além das exposições, durante o festival vão decorrer outras actividades, como a exibição de curtas-metragens de animação e documentários, lançamentos de BD, ‘workshops’ e tertúlias. Há ainda um ‘Estúdio aberto’ em que os artistas internacionais brasileiros, André Diniz e Weberson Santiago e um grande artista da R.D.C Jérémie Nsingi, vão realizar trocas de experiências com direito a perguntas e respostas das 10h às 13 horas, de sábado 25 de Agosto, no ‘Estúdio Olindomar’ no Rangel.

O Festival Luanda Cartoon é um dos eventos de banda desenhada de maior importância e referência na África Austral e mobiliza um vasto e diversificado público de todas as faixas etárias e de vários países.

Um dos mentores do festival Lindomar de Sousa espera que, para esta 15.ª edição, manter o público da BD e descobrir novos talentos e admiradores e ainda conseguir maior divulgação dos trabalhos.

MÚSICA. Zona Jovem realiza a primeira temporada do projecto ‘Duetos N’Avenida’, que junta Maya Cool, Eduardo Paim, Gabriel Tchiema, Euclides da Lomba, Bruna Tatiana, Edmazia Yuri da Cunha e Paulo Flores, entre Agosto e Dezembro. São cinco ‘shows’ intimistas que pretendem valorizar a música nacional com inéditos, na Casa 70, em Luanda.

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O projecto Duetos N’Avenida’, promovido pela Zona Jovem, apresenta, entre Agosto e Dezembro, vários ‘shows’ com artistas angolanos, em formato de duetos, na Casa 70, em Luanda, no âmbito da valorização, promoção e preservação da música angolana.

Para a primeira edição, Patrícia Faria e Puto Português, que têm em comum o semba, formam a primeira dupla do ‘Duetos’, a 25 de Agosto. Seguem-se Maya Cool e Eduardo Paim a 22 de Setembro. Gabriel Tchiema e Euclides da Lomba a 26 de Outubro. E a 24 de Novembro, Bruna Tatiana e Edmazia. Para encerrar a temporada, o projecto apresenta os actuais ‘embaixadores’ do semba Yuri da Cunha e Paulo Flores, a 8 de Dezembro.

A ideia, de acordo com o mentor do projecto, Figueira Ginga, é “valorizar a música angolana”, convidando intérpretes das mais variadas vertentes para a apresentação de artistas consagrados individualmente e dispostos a fazer duplas num ‘show’ de raiz.

A produtora Zona Jovem, liderada por Figueira Ginga, pretende tornar o evento anual e justifica que, para compor estas duplas, convidou músicos que, além da “elevada qualidade musical”, concordassem em produzir um espectáculo acústico, novo e feito a quatro mãos.

A ideia de realizar uma segunda temporada, para 2019, está em cima da mesa, com a pretensão de optar por outros palcos estratégicos. Outra ideia, que será posta em prática já nesta primeira temporada, é a realização de apresentações em ambientes corporativos.

Figueira Ginga garante que as apresentações do ‘Duetos’ sairão do zero, de uma produção conjunta com liberdade de criação e repertório, podendo inclusive contar com uma obra de um outro músico a ser homenageado. “Serão shows intimistas e, por isso, adaptáveis a diferentes palcos e plateias”, assegura o idealizador do “Duetos N’Avenida”.

CULTURA. A caminho do 3.º ano, a ‘Casa da Cultura Njinga a Mbande’ é uma instituição privada que visa proporcionar eventos culturais e artísticos. Lecciona fotografia, canto, informática e outros cursos que custam até seis mil kwanzas, destinados a todos os luandenses.

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Sob direcção de Patrícia Faria, a Casa da Cultura Njinga a Mbande (CCNM) é uma organização sem fins lucrativos, que funciona há dois anos, leccionando canto coral, violino, guitarra, percussão e piano, além de artes plásticas, fotografia e informática. Cada curso custa entre cinco e 6.500 kwanzas. Realiza também ‘workshops’ infantis de artes plásticas, dança, teatro, música e exposições. Os projectos da CCNM, embora sita no Rangel, expandem-se para todo o país.

A casa é gerida pela Fundação Obra Bela que também é mentora do projecto em parceria com o Centro Integrado de Formação Tecnológica (Cinfotec), que tem a patente dos cursos. De acordo com a directora “o orçamento é apertado”, e não “permite grandes voos”, mas a vontade de fazer acontecer e mudar o estado das coisas “é maior”. Por isso, não esconde a necessidade de ter mais parceiros, para que possam “fazer mais e melhor”, justificando que “a fundação não tem fôlego suficiente para que possa dar mais do que gostaria pelo projecto. O nosso estado amímico é muito grande.”

Todas as pessoas têm acesso aos eventos e formações, contrubuindo com uma comparticipação mínima. “Em nenhuma parte de Luanda, se pode assistir a um ‘show’ de Filipe Mukenga, Anabela Aya a menos de dois mil kwanzas e nós fazemos muito motivados pelo sentimento patriótico que, de facto, a cultura deve estar acessível a tudo e a todos e que a juventude e sociedade cresçam de forma saudável e harmoniosa, a cultura tem este papel”, reforça.

Sem condições de pagar ‘cachets’ altos, a casa mantém uma “sintonia” com os artistas, pois Patrícia Faria entende que o objecto social não permite ter fundos muito altos. No entanto, faz questão de pagar, porque defende que ao artista “não se deve negar a sua dignidade”.

Planos a meio gás

Alguns projectos não são concretizados por falta de apoio financeiro, o que, de alguma forma, condiciona, muitas vezes, as iniciativas culturais, lamenta Patrícia Faria.

Por exemplo, o projecto ‘Cantares da Rainha’, que pretendia fazer concertos intimistas, estava planeado para ser quinzenal, mas “não existe fôlego financeiro”. Um outro, que deveria organizar concursos de artes plásticas e poesia nas escolas, falhou. “Limita-nos bastante o facto de não termos quem possa ajudar nessa empreitada, porque é difícil convencer quem não tem sensibilidade para as artes”, lamenta Patrícia Faria, que, apesar disso, é optimista: “Tenho consciência de que poderemos convencer os principais actores sociais, os que podem financiar projectos deste género que vale a pena reflectir e apoiar.”

Projectos funcionais

A CCNM realiza, todos os domingos, sessões teatrais com entradas gratuitas. Este mês, deu início ao clube do livro infanto-juvenil, em que se propõe levar escritores a abordar a literatura e as artes, “propomo-nos trazer os espectáculos mensais o ‘Cantares da Rainha’, continuar a fazer o ‘workshop’ infantil de artes plásticas que é grátis”.

Ainda para este mês, Maya Cool será uma das atracções de ‘Cantares da Rainha’. Em Setembro, prevê realizar uma homenagem a Agostinho Neto. E, em Novembro, exposições sobre a Independência Nacional.

Patrícia Faria defende a necessidade de se terem “políticas de maior aproximação, para que mais pessoas adiram aos cursos”. “Ainda temos de ampliar o leque de actividades e beneficiar outras artes, como a dança. Existem outras modalidades que precisam de ser exploradas”. Patrícia Faria, que também é advogada e cantora, considera que há “um total desconhecimento daquilo que culturalmente nos identifica” e que “é preciso sairmos desse marasmo e tirarmos a sociedade dessa apatia cultural”.

A Casa da Cultura Njinga Mbande é uma instituição da Fundação Obra Bela, de carácter privado, com objectivo de utilidade social e comunitária e organiza eventos de culturais e artísticos. A radialista Patrícia Faria é a actual directora, que exerce o cargo há dez meses. Teve como primeira directora a escritora Kanguimbo Ananás. Fisicamente, é composta por uma oficina de artes, biblioteca, sala de convívio, anfiteatro, ginásio, salas de aulas, escritórios, casas de banho e cozinha.

MÚSICA. Autor de ‘Carolina’, ‘Mãe Pátria’ e ‘Silêncio’, Mago de Sousa conta já com cerca de 20 anos na música, mas só agora vai lançar o primeiro álbum a solo, ‘Minha Travessa’, previsto para Setembro. Investiu mais de 70 mil dólares, num disco produzido entre Luanda, Portugal e França.

Mago de Sousa

A que se deveu o adiamento do lançamento do álbum?

Estive envolvido em muitas actividades, desde ‘tournées’, e participei em quase todas as campanhas do processo eleitoral, com a música ‘Mãe Pátria’. Isso fez com que não tivesse muito tempo para me dedicar ao lançamento do disco. Mas é provável que até Setembro deste ano seja lançado. Sou o financiador dos meus trabalhos. Dependo exclusivamente da música. Esteve em causa a falta de financiamento.

Fez a música com esse propósito?

Na realidade, compus ‘Mãe Pátria’ há já algum tempo, muito antes das eleições. Compus com o intuito de puxar mais pelo meu sentido patriótico e tocar nas televisões. As pessoas receberam bem. As eleições foram mais um trampolim para a minha carreira.

Três anos é tempo razoável para que tenha um álbum maduro?

O meu disco é intemporal. Se ouvir, vai dar conta que é fora do comum. As músicas ‘Carolina’, ‘Mãe Pátria’, ‘Saudades’, ‘Silêncio’, entre outras, vão ficar para a vida toda, não morrem com o tempo.

Vamos encontrá-lo noutras vertentes?

Algumas vezes, recebo críticas por participar em músicas diferentes das que faço, mas o músico tem de ser transversal, versátil e viver o momento. Já criei a minha patente. Pensam que já tenho três discos, mas só estou no primeiro, fruto de muito trabalho e do respeito conquistado pelo público.

É músico de um público específico?

Sou generalista, mas sinto que estou mais para a faixa dos adultos, muito pelas mensagens passadas.

Como vê o actual estado da música?

Está num bom momento, mas a juventude abaixo dos 25 anos deve entender que as coisas não se conseguem da noite para o dia. Eles querem entrar na música, mas já querem estar em todos os programas de rádio e televisão. No Brasil, por exemplo, para um artista entrar num grande programa, tem de fazer por merecer. É necessário ter maturidade e humildade para encarar a fama. Os concursos de interpretação e imitação são a prova da qualidade da música.

Até que ponto é bom para o artista receber patrocínios?

Dinheiro é sempre bom, nunca é mau receber! Mas a valorização e entrega de algo que conseguimos por mérito próprio não é o mesmo de quem consegue o bolo na bandeja. É só olhar para aquilo que é a minha figura, sou simples e não tenho muitas frescuras e emoções. Durante o tempo em que estou na música, a vida ensinou-me a trilhar caminhos que hoje consigo valorizar e reconhecer cada sacrifício. Sempre que lanço uma música depois de, pelo menos, dois meses, elas batem sem ter de pagar a alguém para a tocar. Tenho de agradecer às rádios pelo apoio que me dão. Canta há cerca de 20 anos, mas só agora ‘explodiu’… Presenciei a revolução da música angolana, vi o ascender de vários artistas, por isso é que muita gente, mesmo no circuito dos artistas antigos, tem alguma consideração, porque presenciou a minha caminhada. Nunca fui de romper barreiras para estar no pódio...

O que motivou o fim do grupo ‘Originais’?

O ‘Originais’ tinha uma matriz, em que cantava mensagens apelativas, canções de fé e esperança, mas a música depende muito da sorte e da possibilidade. Gravámos um disco. O grupo lutou até aonde deu. É necessário que haja sinergias, um conjunto de factores, combinações e interacção entre os colegas. E chega uma altura em que, caminhando sozinho, se consegue alcançar outros patamares. Aproveitei para fazer algumas formações. Não fui o primeiro a sair do grupo, cada um tinha um projecto. Já foi tido como morto… Caiu-me muito mal, porque coincidiu que, no mesmo dia em que foi divulgada a informação, estava com o telefone desligado e causou um alvoroço na família.Tudo isso é fruto da fama. Quem está neste mundo corre esse risco. Antes da fama, ninguém falava de mim, só depois é que os rumores sobre mim surgiram, inclusive já ouvi dizer que sou filho de ministro.

Como se deve gerir a fama?

Tem altos e baixos. A velocidade com que lancei ‘Carolina’ não é a mesma que tenho agora. É necessário que o artista saiba viver às escuras e na luz e conhecer o seu momento, respeitando o dos outros. O artista que fez sucesso há dez anos não é o mesmo que está a bater hoje. Nem toda hora é para ser o ‘homem do momento’. O sucesso é o momento! Temos de respeitar os kotas, cada um deve saber e conhecer o seu lugar, é importante não confundir o facto de estarmos a dividir o mesmo palco.