Um ‘hiace’ pode sustentar quatro famílias
TRANSPORTES. Ganha mais quem conduz carros mais novos. Patrões e motoristas têm regras bem definidas, apesar de não estarem em papel. Trabalhar no ramo vai dando para disfarçar o desemprego. Um Toyota Hiace novo pode chegar a custar 11,5 milhões de kwanzas no mercado nacional. Colocado em serviço de táxi, pode sustentar um total de quatro famílias: as do proprietário, motorista, cobrador, bem como a do ‘lotador, o homem que, na escassez de passageiros, ajuda o cobrador a anunciar a rota. Estas são as contas de quem exerce a actividade de táxi, vulgo candongueiro, há mais de três anos. Os proprietários do novo Toyota Hiace, chamados ‘quadradinhos’, são os que conseguem arrecadar mais dinheiro diariamente, em comparação aos patrões dos modelos antigos, os pejorativamente tratados por ‘acaba de me matar’, bem como os do Jinbei. De acordo com Edvaldo Jorge, dono de uma viatura Jinbei, os ‘quadradinho’ fazem uma média diária de 15 a 18 mil kwanzas. Já os Jinbei geram entre 13 e 15 mil, sendo que os alegados ‘acaba de me matar’ produzem uma média diária de 12 a 10 mil kwanzas. Apesar de ser um mercado informal, todos obedecem a regras há muito estabelecidas. Regra geral, há um acordo de cavalheiros entre proprietário e motorista, embora haja quem assine mesmo um documento, definindo, além de quanto o motorista deve apresentar por dia, a quem fica a cargo a reparação da viatura em casos de acidente, avaria no motor ou outras. O dinheiro conseguido ao longo da semana e aos domingos pertence exclusivamente ao patrão, mas a receita de sábado é reservada para o motorista, que, por norma, decide dividir com o cobrador. Por exemplo, Edvaldo Jorge, com o dinheiro que recebe da única viatura que possui – seu exclusivo meio de sustento – paga a formação universitária de duas filhas e sustenta a casa, embora conte com a ligeira contribuição da esposa, vendedora de refrigerantes. E ainda consegue fazer poupanças para a manutenção da viatura. Mário Dias, motorista, com a experiência que tem, defende que “os patrões jamais deviam dar-se ao luxo de gastar dinheiro de forma desordenada, porque, nas avarias graves, como as que ocorrem no motor ou em casos de acidente, cabe ao patrão resolver a situação”. Por norma, a cargo do motorista ficam as avarias ligeiras. Este até pode fazer mais dinheiro do que o proprietário da viatura. Na maioria das vezes, consegue ter mais receitas diárias. Por exemplo, Mário Dias acorda normalmente às 4h e começa o trabalho às 4.30h. Às 14h, já tem os 15 mil kwanzas do patrão. “Daí é só ‘surrar’ para mim e para o cobrador, que recebe um valor que varia muito”, conta ao VALOR. Considera, no entanto, que ser taxista “não é fácil”. O dinheiro que ganha dá para sustentar a família: além da esposa e de três filhos ainda menores, cuida da sogra e dois sobrinhos. O jovem Adriano, cobrador de táxi há mais de dois anos, defende que, se “houvesse menos corrupção da parte da polícia, haveria menos automóveis em serviço de táxi” e que os os taxistas “organizados (que possuem carta de condução, pagam regularmente a taxa de circulação e seguros de sinistralidade) teriam possibilidade de melhor sustentar famílias”. Como cobrador, o jovem não recebe um valor estipulado. Às vezes, ganha entre dois e três mil kwanzas por dia e, aos sábados, oito a 12 mil. O aumento exponencial de ‘candongueiros’, em Luanda, surge em resposta ao alto nível de desemprego, que, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), atinge 20% da população activa. No entanto, esta estimativa é reprovada pela Development Workshop (DW), uma ONG internacional, convidada pelo Governo para ajudar no desenvolvimento de políticas e programas de moradias de auto-ajuda. A DW garante que os números apresentados em 2017 pelo INE “são irreais”, por ter havido muitos despedimentos em Angola por causa da crise. Muitos jovens não viram outra forma de sustentar as famílias, senão pegar num táxi. Muitos o fazem sem a devida carta de habilitação. Antigo operador de máquinas na Sonil, João Correia foi despedido e recorreu ao táxi. “Já estou conformado que é do táxi que alimento os meus filhos, então temos tentado melhorar e tornar mais atractiva essa actividade”, resigna-se, ao fim de quatro anos na profissão. Pouco a pouco, algumas ‘regras’ também estão a mudar. Hoje, já há patrões que preferem pagar um salário mensal de 85 mil kwanzas ao motorista e 30 mil ao cobrador. E nem todos os patrões exigem o mesmo aos taxistas. Há donos de viaturas que querem 18 mil kwanzas por dia, uma exigência reconhecida como “extremamente difícil de conseguir, dada a qualidade das estradas e por haver vias em que os passageiros só embarcam se lhes for cobrado 100 kwanzas”, lamenta um deles. É por causa da exigência que Jorge Sampaio, taxista há quatro anos, justifica a cobrança de 200 kwanzas por rota. Por isso, pede a intervenção da Associação dos Taxistas junto dos patrões (para reduzir o valor total que é exigido por dia) e da Polícia Nacional (para pôr termo à ‘cobrança’ ilegal, realizada nas paragens por jovens meliantes).
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