Editorial Editorial

Editorial Editorial

14 Jan. 2019

O OGE da teimosia

Menos de um mês depois de fazer aprovar o Orçamento Geral do Estado (OGE) na Assembleia Nacional, o Governo já se decidiu pela revisão do documento. Como avança esta semana o VE, os governos provinciais, os ministérios e demais unidades orçamentais, já foram orientados a cortar na despesa. O Ministério das Finanças escusou-se a precisar números, mas vários governos provinciais confirmaram terem recebido ordens de Archer Mangueira para cortar a despesa em 30%. Isto significa que, mais dia, menos dia, o Governo vai abandonar o discurso de expectativas e assumir formalmente a revisão do documento entre o fim do primeiro trimestre e o início do segundo.

Naturalmente, é impossível o Governo escapar à crítica, senão mesmo à chacota, por conta da sua relutância.

Por altura da aprovação do Orçamento, os cenários desfavoráveis à colocação do preço fiscal do barril de petróleos nos 68 dólares sobrepunham-se largamente às possibilidades mais optimistas. Mas, mais absurdo do que isso, o preço do barril de petróleo que serve de referência às exportações angolanas já cotava próximo da casa dos 50 dólares.

Teimoso e contra todos os alertas para a prudência, o Governo decidiu manter o preço fiscal de 68 dólares. Fê-lo assumindo, entretanto, uma solução de compromisso, para acalmar os ânimos: os primeiros meses determinariam a revisão do OGE, conforme o preço do ‘ouro negro’ se mantivesse com uma tendência baixista ou recuperasse a trajectória anterior de valorização e estabilização na casa dos 70 dólares.

Todavia, essa solução de compromisso não alivia hoje a desilusão de todos os que, há até pouco mais de quatro semanas, apresentaram argumentos inquestionáveis para demover o Governo da sua fixação de inscrever o barril de petróleo a 68 dólares. Porque, efectivamente, é isso: decidir pela revisão do Orçamento Geral do Estado, menos de um mês após a sua aprovação, é, pelo menos, pouco criativo e decepcionante. Quanto mais não seja porque, no momento da aprovação, o Governo estava munido de dados objectivos que aconselhavam uma decisão mais prudente. Neste prisma, 2019 não poderia ter começado da pior forma para o Governo e, lógico, para o país.

24 Dec. 2018

O Poder...

Pelo segundo ano consecutivo e sem qualquer surpresa, João Lourenço é a personalidade escolhida pelo VALOR. O Presidente da República monopolizou a agenda política de 2018 e manteve-se inconfundivelmente como o rosto principal do projecto de governação que leva a cabo. Tal como foi prometendo ao longo do percurso que o levou à chefia do Estado, o combate à corrupção superou as demais prioridades. E, desta vez, com a diferença de o discurso ter sido reduzido à prática, não fossem as centenas de processos na justiça que visam funcionários do Estado e não só, a diferentes níveis pelo país inteiro. Paradoxalmente, é nesta matéria em que João Lourenço se vai confrontando também com as críticas mais acirradas. O Presidente da República não é só acusado, repetidas vezes, de ter listado alguns casos específicos como troféus do combate à corrupção. Há desconfianças de que, na base deste vendaval, estejam sobretudo ataques pessoais a segmentos que encara hoje ou que sempre encarou como verdadeiros adversários políticos. E se as críticas de sectores da Oposição facilmente podem ser contestadas com recurso ao criticismo oposicionista, o mesmo não se pode dizer do posicionamento do secretário-geral do MPLA. Ao defender de forma inequívoca o legado de José Eduardo dos Santos; ao responsabilizar sem excepções os colaboradores do ex-Presidente da República, Álvaro de Boavida Neto fez muito mais do que questionar a estratégia de governação. Colocou em causa a legitimidade moral de João Lourenço de combater a corrupção, na forma como o faz. Festas felizes e bom ano!

Nota

O VALOR estreou-se, em 2016, com a publicação da ‘Personalidade do Ano’. Trata-se de uma edição especial de periodicidade anual em que é identificada uma pessoa, um grupo ou associação, uma ideia ou uma invenção que mais se tenha destacado ao longo do ano, em Angola. À semelhança dos exemplos dos média internacionais, com destaque para a prestigiada revista norte-americana ‘Time’, a ‘Personalidade do Ano’ não representa necessariamente uma distinção de mérito ou de qualidade, por feitos positivos. Através de critérios marcadamente objectivos, a ideia é apontar o indivíduo que, por razões diversas e que podem ser consensualmente de cariz negativo, tenha marcado de forma diferenciada o ano, com as suas realizações. Os critérios serão flexíveis e poderão ser ajustados, conforme o jornal o entender justificável. Nesta edição, elegemos, entre os critérios, ‘a influência e repercussão políticas’, ‘a relevância económica e social’ e ‘a exposição mediática’. No ano de estreia, a nomeação recaiu sobre a empresária Isabel dos Santos.

17 Dec. 2018

Não faz mal rezar

O Governo avançou um argumento aceitável para manter inalterado, para já, o preço fiscal do barril de petróleo previsto para 2019. Na defesa do Orçamento Geral do Estado (OGE) para o próximo ano, aprovado na última sexta-feira no Parlamento, a equipa económica pediu mais tempo para avaliar uma possível revisão, conforme a tendência do preço se mantiver baixista ou se revelar altista, nos próximos meses. É uma solução de compromisso razoável que atende parte dos receios que se vêm levantando, quanto à inevitabilidade da revisão do Orçamento.

Ao evocar o tempo, o Governo passou a mensagem de que o ponto de discórdia, em relação aos que exigiram a revisão do OGE antes da sua aprovação final, não é propriamente a eventual necessidade da alteração do documento. Mas antes a aferição da melhor oportunidade para o fazer, na ausência de alternativas. E porque parte essencial dos cálculos do preço do petróleo inclui verdadeiros exercícios de futurologia, não há razões, para já, para se condenar a opção de meio-termo da equipa económica lidera por Manuel Nunes Júnior.

No fundo, consciente de que uma mexida no preço fiscal implicaria necessariamente a revisão de todos os números importantes do Orçamento, o Governo preferiu apostar antes na sua melhor hipótese e as últimas decisões da Organização do Países Produtores de Petróleo contribuíram para esse relativo optimismo. A OPEP determinou cortes de 800 mil barris/dia, de Janeiro a Junho de 2019, e os aliados que não integram o cartel comprometeram-se com uma redução de 400 mil barris/dia no mesmo período. O Governo tem assim, na decisão dos produtores mundiais, a última esperança palpável de ver os preços pressionados para cima, contrariando todas as forças que jogam no sentido contrário.

O problema é que a equipa económica também sabe que qualquer resultado que não seja a colocação do preço do barril acima dos 68 dólares, a decisão da OPEP poderá revelar-se numa verdadeira armadilha. Porque não só o preço do petróleo estará abaixo do projectado no Orçamento Geral do Estado, como Angola estará obrigada a produzir menos do que estimou, considerando o corte obrigatório de 29 mil barris/dia, conforme assumido com os membros do cartel. Uma combinação catastrófica como essa (produção e preço muito abaixo do inscrito no OGE) comprometeria inevitavelmente as metas mais ambiciosas definidas para o próximo exercício, sobretudo as que determinam a consolidação orçamental.

Em suma, por muito séria que seja a conversa sobre os pressupostos essenciais do OGE, não será, no todo, absurdo citar o deputado que pede a todos que rezem para que o preço do petróleo não descarrile.

11 Dec. 2018

Porquê?

Finalmente, o Banco Nacional de Angola (BNA) fez sair o instrutivo que orienta os bancos sobre como agir no processo de repatriamento de capitais. A orientação do BNA veio excessivamente tarde, mas o encadeamento dos factos, ao longo dos cinco meses de vigência da Lei do Repatriamento de Recursos Financeiros, mostra que essa responsabilidade não pode ser assacada ao regulador da banca.

Após a aprovação da Lei na Assembleia Nacional, tudo ficou à espera da sua regulamentação imediata, ao que a mesma determina, pelo titular do poder Executivo. Não só nada disso ocorreu, como nesse período nenhuma autoridade foi capaz de assegurar que estavam as condições criadas para que o processo se realizasse, na ausência da regulamentação da Lei.

No último número, lembrámos as palavras recentes do governador do BNA, José de Lima Massano, que foram claras em assumir que o regulador estava de mãos atadas, enquanto não houvesse regulamentação. Vários bancos questionados em ocasiões diferentes declararam, em off, que não sabiam o que dizer a eventuais clientes interessados no repatriamento de capitais. E alguns líderes na Oposição, sem nunca colocarem em causa a importância da Lei, também criticaram em diversas oportunidades a ausência da regulamentação.

Ora, chamando as coisas pelos nomes, o que se passou de facto é no mínimo incompreensível. Porque, apesar do discurso inflamado do Governo em relação a este processo, não criou as condições necessárias para torná-lo exequível. Pelo contrário, optou por esticar a corda ao limite, transformando os 180 dias determinados na Lei, para o repatriamento voluntário, em menos de 30 dias. Se se levar em conta a complexidade das operações em causa; se se levar em conta que os eventuais interessados não tinham mecanismos para acederem ao repto do Governo, e nos admitirmos que o Governo estava consciente de tudo isso, só se pode concluir que houve mais interesse em complicar do que facilitar.

A intervenção de última hora do BNA, após o seu governador ter declarado que também aguardava pelas regras, não anula, por isso, a obrigatoriedade de o Governo se explicar quanto ao laxismo que conferiu a um tema que o próprio determinou como urgente. A pergunta que se quer respondida é mesmo simples de ser formulada: por que razão uma Lei aprovada com carácter prioritário não foi regulamentada com carácter prioritário, criando dúvidas a toda a gente incluindo ao BNA?

É sintomático de algum desnorte ou de alguma motivação política que, a um mês do prazo para o repatriamento voluntário de capitais “ilícitos”, a lei aprovada na Assembleia Nacional com carácter de urgência não esteja regulamentada. Mais extraordinário do que isso, é a confirmação de que, até ao momento, ninguém é capaz de assegurar, de forma peremptória, se a lei deve ou não ser aplicada, na ausência de regulamentação.

No último número, o VALOR ouviu várias vozes. Pelo Procurador-Geral da República Adjunto veio a indicação de que ainda não tinha estudado o diploma no seu todo. Não foi, por isso, capaz de assumir se a lei deve ou não ser aplicada sem regulamento. Mota Liz referiu-se apenas a princípios genéricos de leis susceptíveis de serem aplicadas, sem regulamentação, mas sem mencionar especificamente a do repatriamento de capitais “ilícitos” domiciliados no exterior. Os diferentes especialistas consultados não argumentam o suficiente para fundamentar a possibilidade de aplicação ou não da lei sem regulamento.

Esta semana, o VALOR voltou ao tema, ouvindo os dois principais partidos na Oposição. A Unita e a Casa-CE convergem no sentido de que a lei devia ser de facto, regulamentada, antes de ser efectivada. André Mendes de Carvalho, um dos vice-presidentes da Casa-CE, até chega a levantar questões tão básicas quanto sérias para evidenciar o quão problemática é a falta de regulamentação da lei. O vice de Abel Chivukuvuku recorda que, por esta altura, é muito provável que as pessoas, eventualmente na condição de repatriar capitais, não saibam sequer como fazê-lo. Isto para não mencionar os bancos que não sabem responder como proceder em caso de algum interessado pretender trazer eventuais dinheiros ilícitos de volta. E se os bancos não sabem responder é porque ainda não receberam instruções do Banco Nacional de Angola. Foi, aliás, há poucas semanas, que o governador do Banco Central, José de Lima Massano, lembrava, na rádio pública, que ainda não tinha avançado qualquer orientação aos bancos, porque continuava à espera que a lei fosse regulamentada.

Somados todos esses factos, muito facilmente se conclui que não estão realizadas as condições legais e materiais para que o processo de repatriamento ocorra, com as garantias prevenidas na lei. E isto leva necessariamente a duas conclusões: ou o Governo agiu com alguma precipitação na determinação dos prazos para se garantir a execução da lei com lisura e eficácia, ou o Governo decidiu propositadamente complicar o processo para não facilitar a vida a certas pessoas que tenham recursos para repatriar. Sendo mais grave a segunda do que a primeira, qualquer uma das duas opções, em última instância, não serve o interesse nacional.