Editorial Editorial

Editorial Editorial

As declarações de Álvaro Sobrinho, na última semana, relegaram para segundo plano o resto dos factos que dominam a agenda, no plano político. O banqueiro decidiu abrir as hostilidades contra os então accionistas do extinto Banco Espírito Santo Angola (Besa), acusando-os directamente de responsáveis pelo desaparecimento do banco. Na versão actualizada do banqueiro, nunca houve razões objectivas (entenda-se razões de negócio) para a declaração da insolvência do Besa, tendo-se tratado antes de uma decisão política. Mas o que provavelmente Sobrinho não reflectiu, no momento em que denunciou a “decisão política” como o motivo para a declaração de insolvência do Besa, é que não estava apenas a atacar os accionistas e o Governo. Estava também a transformar o Banco Nacional de Angola (BNA) numa instituição mafiosa. Afinal a declaração de insolvência passou pela gestão do BNA que, inclusivamente, chegou a nomear administradores provisórios. José de Lima Massano que, à altura dos factos era o governador do BNA, já defendeu, entretanto, a sua idoneidade, voltando a imputar responsabilidades a Álvaro Sobrinho. Um dia antes do posicionamento de Massano, os accionistas já haviam contra-atacaram num comunicado violento que lista várias “mentiras” do antigo CEO do Besa. Referem, por exemplo, transferências de Sobrinho para contas bancárias controladas por si e insistem no rótulo de mau gestor, conforme o banqueiro saiu rotulado do Besa.

O comunicado dos accionistas esqueceu-se, no entanto, de dar determinadas respostas a Sobrinho. Na entrevista à TPA, o banqueiro declarou que não havia risco de crédito no Besa. E, para fundamentar o seu argumento, questionou a razão de o crédito ter aumentando de forma significativa no exercícios imediatamente seguintes à sua saída.

As inquietações de Álvaro Sobrinho já haviam sido respondidas, entretanto, há três anos em Portugal por Rui Guerra, o gestor luso que assumiu o banco antes da intervenção do Banco Central. Na comissão de inquérito parlamentar em 2015, em Portugal, Rui Guerra explicou que o aumento do crédito não resultou propriamente da concessão de novos empréstimos. Mas antes de ‘erro’ no sistema informático que contabilizava, entre outros, juros vencidos como novos créditos. Na altura, o gestor português confessou, de forma clara, que o banco também se encontrava numa situação de elevado risco de crédito, ao contrário do que avança agora Álvaro Sobrinho. Caso para dizer que, enquanto os próximos capítulos não vêm a público, num momento em que se cogita uma possível intervenção da Procuradoria-Geral da República, toda a verdade ainda está por ser revelada.

10 Sep. 2018

HOMENAGEM MERECIDA

Como todos os poderes políticos longevos, a liderança de José Eduardo dos Santos gerou um legado controverso. É indiscutível a ausência de consenso quanto aos resultados dos 38 anos de governação do ex-Presidente da República e do agora também ex-presidente do MPLA. Analisados de forma fria, os argumentos esclarecidos dos críticos e dos defensores são compreensíveis. Mas, como já o dissemos vezes sem conta, se o critério de avaliação do consulado de José Eduardo dos Santos se basear na necessária comparação entre erros e acertos, o saldo é-lhe largamente favorável.

Para isso, é preciso, em parte, dimensionar, com ciência, o impacto dos seus fracassos e das suas realizações mais relevantes. E esse exercício não pode ser rigoroso se não levar em conta as circunstâncias e os condicionalismos que afectaram cada momento, cada decisão do seu consulado. Numa só frase, José Eduardo dos Santos deve ser avaliado obrigatoriamente no seu tempo.

Do lado negro, surge sobretudo a incapacidade de José Eduardo dos Santos de conter a corrupção generalizada e o saque ao erário que, do dia para a noite, criaram centenas de fortunas ilícitas.

Do outro, começa por se destacar a sua realização mais importante, o alcance da paz com a derrota da UNITA guerrilheira. José Eduardo dos Santos conquistou, na verdade, a segunda Independência Nacional. Por isso, apesar da concepção pejorativa que muitos dos seus críticos encontram na homenagem que lhe atribui a engenharia da pacificação do país, o tributo é-lhe mais do que merecido. Tal como Agostinho Neto ficou imortalizado como o ‘herói dos heróis’, José Eduardo dos Santos ficará imortalizado como o ‘Arquitecto da Paz’. Goste-se dele ou não.

No pós-guerra, o segundo feito de vulto, derivado do primeiro, é inquestionavelmente a sensatez com que geriu o processo de reconciliação nacional. O país tinha tudo para entrar imediatamente num mundo institucionalizado de caça às bruxas e isso só não ocorreu por vontade expressa de José Eduardo dos Santos. Finalmente, não pode ser ignorado o exemplo de transição política, nos termos como a concebeu. O continente africano está repleto de líderes que optaram por esticar a corda até ao limite. O ex-Presidente poderia fazê-lo se quisesse, sem pensar em quaisquer hipotéticas consequências, como o têm feito muitos dos seus pares africanos. Mas, apesar de toda a pressão cruzada com interesses diversos, resistiu aos que o aconselharam a manter-se no poder e desistiu de concorrer a um mandado legítimo na chefia do Estado. No último fim-de-semana, abriu mão do partido no primeiro terço do mandato, permitindo uma transição completa, com um novo homem no comando. Feitas as contas, qualquer calculadora básica sem avarias não se enganará no resultado: como não existe presente sem história, até a proclamação da Angola da Era João Lourenço está inseparavelmente ligada às decisões que José Eduardo dos Santos tomou nos últimos anos da sua vida política. Porque o continente berço até hoje nos ensinou uma lição irrecusável: em processos de transição em África há sempre caminhos alternativos.

O ex-director-geral da Cobalt Angola e da Roc Oil concedeu-nos uma entrevista, esta semana, de leitura obrigatória. Num momento em que se efectivam mexidas formais nos petróleos, António Vieira destapa reflexões que questionam o unanimismo do que se convencionou chamar por reforma no sector petrolífero. É uma verdadeira pregação que mostra a perspectiva menos explorada sobre as ameaças que persistem na indústria e que podem deitar por terra até o optimismo mais entusiasta.

Desde logo, o ponto crítico são as pessoas. Na observação de António Vieira, as lideranças que se encontram na petrolífera pública são incapazes de avançar com mudanças de fundo, porque estas são nocivas aos interesses pessoais que se consolidaram ao longo das últimas duas décadas.

Nas entrelinhas, a mensagem é clara. Os vícios de monta instalados na indústria petrolífera responsabilizam simultaneamente a Sonangol e as companhias privadas. Ou, parafraseando o então secretário para a Informação do MPLA, Norberto dos Santos, num semanário angolano, em 2007, se há corruptos é porque há corruptores. E entre corruptos e corruptores certamente estabeleceram-se relações de cumplicidade que impedem os desejados avanços, no interesse do Estado.

António Vieira lembra outra verdade dolorosa. As empresas petrolíferas, como quaisquer operadores privados estrangeiros, não andam por cá pelos olhos bonitos de Angola. Estão instaladas nos mares angolanos única e exclusivamente pelo lucro. E até os projectos de responsabilidade social a favor das comunidades só avançam, porque há compromissos formalizados com o Estado. Não é nada que não seja de domínio vulgar. É apenas um facto largas vezes esquecido pelo Governo na defesa dos interesses nacionais, face aos operadores estrangeiros. O nosso entrevistado lembra, com precisão, a forma como as petrolíferas tiraram proveito da fragilidade do novo Governo, ao pressionarem a ‘Cidade Alta’ a ceder, num momento em que João Lourenço mal conhecia os cantos da residência presidencial.

Mas, hoje, perante uma realidade que se proclama nova, o Governo tem a obrigação moral e material de saber o que quer. Porque jamais serão as petrolíferas a corrigir a perversão afixada na indústria. Pela obsessão pelo lucro, estas vão continuar a exigir tudo e, sempre que necessário, deixarão apenas o osso, como também avisa António Vieira.

27 Aug. 2018

RECEIOS À FMI

Jamais houve intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) em países pobres que não tivesse gerado grande controvérsia. Sobretudo quando essa assistência incluiu um pacote de ajuda financeira. Há, no entanto, uma desculpa consensual para essa crispação inevitável. Os países pobres, em termos estruturais, apresentam os mesmos problemas económicos, sociais e de governação. Isso leva a uma dúvida natural, o receio lógico da incapacidade de os governos criarem medidas de compensação a favor, sobretudo, das populações mais carenciadas.

No caso de Angola, as grandes hesitações colocam-se precisamente nesse plano. As contrapartidas da ajuda financeira do FMI, como é expectável, deverão agravar as políticas de austeridade. As mesmas que vêm sendo aplicadas desde que se instalou a crise há mais de quatro anos. É esperado que o FMI apresse os passos para a consolidação orçamental, exigindo mais cortes de forma imediata. E porque os subsídios estatais aos preços são alvos predilectos do Fundo, mais tesouradas aos combustíveis e à energia estarão em cima da mesa. Nos transportes públicos, o Governo já se terá antecipado. Conforme avançou em exclusivo o VALOR, na última edição, a TCUL já foi informada do fim inegociável das subvenções. O emagrecimento do sector público também pode ser evocado. Má notícia para os trabalhadores, porque implicaria necessariamente despedimentos em massa.

No fundo, é o que se pode chamar de ‘combinação de exigências socialmente catastróficas’. A tal a que se deveu o atraso da notificação formal para a intervenção do Fundo com ajuda financeira. Como se sabe, o Governo só não apelou para a ajuda em 2016 porque haveria eleição em 2017. Tanto foi assim que a alegada precipitação do então ministro das Finanças em anunciar um acordo de assistência técnica com o Fundo lhe custara o cargo.

É certo que hoje o Governo marcou pontos na credibilidade internacional, com a agenda de abertura ao mundo e com uma disponibilidade maior para reformas. Teoricamente, encontra-se numa situação mais favorável para negociar condições mais flexíveis e contar com maior abertura e compreensão do FMI.

Mas a verdade é que nada disso põe de lado a certeza da previsível deterioração dos rendimentos, com particular gravidade para os mais baixos. Porque o conjunto de exigências possíveis do FMI agride, com particular violência, os mais carenciados. As contas são simples. Quando os combustíveis, os transportes colectivos e a energia sobem, sobe tudo o resto de forma sistémica. E, na economia informal, onde a maioria esmagadora dos consumidores realiza a vida, as oscilações invariavelmente rasam o absurdo. A isso junta-se o caminho aparentemente sem volta da desvalorização do kwanza. A moeda nacional que, em termos reais, já reduziu o salário mínimo nacional abaixo dos 62 dólares.

Aqui, coloca-se o ponto crítico. Os rendimentos não acompanham nem a subida dos preços, nem a desvalorização da moeda. Será interessante, por isso, o Governo explicar como prevê agravar a austeridade sem tornar a vida insuportável. Afinal, há pressupostos fundamentais que levam tempo, não melhoram por magia. Nem a oferta da produção nacional, nem as reservas internacionais líquidas, nem os programas de protecção dirigidos aos mais desfavorecidos.

Em 2014, o jornal ‘Nova Gazeta’ publicou, em primeira mão, que a Sonangol deixaria de ser a concessionária dos direitos de exploração de hidrocarbonetos, em nome do Estado. Com confirmação oficial, a notícia dava respaldo às análises que, desde há algum tempo, pressionavam o Governo a colocar a Sonangol numa posição em que não fosse simultaneamente árbitro e jogador, em alinhamento com as melhores práticas internacionais, como é disso exemplo próximo o Brasil. Era consensual que, entre outros benefícios, o mercado se tornaria mais atractivo, competitivo e transparente, uma vez que as grandes companhias deixaram de ter uma concorrente como a entidade que, ao mesmo tempo, ditava as regras.

No interesse do Estado, a ‘despromoção’ da Sonangol do posto de concessionária era também um dos caminhos para a afirmação da reforma que visava recentrar a petrolífera pública na sua actividade principal. Processo que incluiria e inclui a venda de activos nas áreas não ‘core’ e que passou a revelar-se urgente sobretudo após a declaração da falência do modelo operacional que colocou a Sonangol em quase todos os sectores de actividade económica.

Ocorreu sempre, no entanto, que o interesse do Estado não atendia necessariamente aos interesses das diferentes administrações que foram passando pela petrolífera pública, por razões exclusivas de poder. A retirada do papel de concessionária torna a Sonangol menos atractiva, em termos de acumulação de influência, já que perde o negócio mais importante na geração de receitas, ainda que estas fossem canalizadas para o Tesouro. Não é por acaso que o actual presidente do conselho de administração da Sonangol é mencionado como tendo sido apanhando numa contradição, ao ter recuado na criação da agência concessionária, quando, no passado, enquanto secretário de Estado dos Petróleos, foi seu defensor acérrimo.

Com o novo quadro e perante a convicção dos grandes operadores sobre a necessária melhoria na regulação do mercado petrolífero em Angola, resta esperar que a nova concessionária corresponda às expectativas, no interesse do Estado, e que a Sonangol prossiga o seu caminho de livrar-se da sua histórica posição de um pequeno Estado dentro do Estado. A história da Sonangol, dos petróleos e até da própria economia em Angola pode começar a ser reescrita.