Editorial Editorial

Editorial Editorial

No último fim-de-semana, o Governo Provincial do Namibe organizou um fórum de negócios em que a necessidade da aposta no turismo e nas novas tecnologias dominou os debates. Mais uma vez, os pontos em que o Governo e os operadores privados convergem não surpreenderam. Os constrangimentos e as soluções aparentemente estão identificados, há demasiado tempo. Todos concordam, grosso modo, que é urgente passar-se do discurso à prática. O que falta é a implementação de medidas que levem, efectivamente, à alteração do estado das coisas. É neste ponto em que as divergências começam.

O Governo assume que tem consciência das suas responsabilidades no fomento do investimento privado, mas pede paciência. Os programas de apoio ao empresariado e o investimento em infra-estruturas públicas requerem recursos avultados. E, nos últimos cinco anos, a capacidade de intervenção do Estado ficou limitada, em parte pela drástica redução das receitas públicas imposta pela crise económica. Mas, dito isto, o Governo não deixa de cobrar responsabilidades aos actores privados. Há a convicção da parte das autoridades de que, mesmo no contexto actual de apertos, o sector privado poderia ir mais além do que oferece. E quem viaja para a capital do Namibe facilmente se depara com situações que legitimam as reclamações do poder público. Se um hotel de referência, na cidade de Moçâmedes, não tem uma página na internet ou tem apenas um ferro de engomar para 50 hóspedes, não será, de forma alguma, por falta de apoios do Governo. É claro que esse é apenas um minúsculo exemplo dos inúmeros que denunciam os problemas de fundo que comprometem as empresas.

Da parte do sector privado, não parece haver, entretanto, grande disponibilidade para avaliar as suas próprias limitações. Muito menos para continuar a alimentar-se da paciência solicitada pelo Governo. Exige simplesmente acções. Pede vias de acesso seguras, energia, água, comunicações e, como não poderia deixar de ser, crédito bonificado. Há quem vá ainda ao ponto de propor financiamento a fundo perdido. E tudo isso para ontem, uma vez que as “desculpas” do Governo já levam tempo que baste.

No fim de contas, entre a ansiedade do sector privado e as contingências do Estado, sobra o pragmatismo que se deseja de ambos na materialização das soluções identificadas. Até porque há uma verdade inquestionável: se o momento é de ajustes, ainda que sobre o Governo recaiam responsabilidades maiores, os actores privados não têm pouco a corrigir no que lhes cabe.

25 Mar. 2019

Quem manda aqui?

O recurso ao chavão, desta vez, é mais do que justificado: em política a sério, as coincidências raramente são obras do acaso. Em Outubro do ano passado, João Lourenço deslocou-se à China e as notícias de antevisão à visita apontavam que o Presidente regressaria ao país com pelo menos 11 mil milhões de dólares. Ao anunciar, já em Luanda, que a colheita se tinha ficado nos 6,1 mil milhões, a generalidade dos analistas engoliu a narrativa que culpava a opacidade dos acordos nos governos de JES. Mas aqui, no editorial de 22 de Outubro de 2018, alertámos que esse argumento era visivelmente forçado. Pelo simples facto de que a China, incluindo a de Xi Jinping, sempre esteve informada de como os empréstimos eram geridos em Angola. A explicação mais provável para a hesitação chinesa seria outra: “Ainda que resista em admiti-lo, a China jamais conseguiu esconder a agenda de influência geopolítica por detrás dos empréstimos chorudos que vai espalhando por todo o mundo. E a orientação passada da política externa angolana, mais para os BRIC do que propriamente para o Ocidente, era mais favorável aos interesses chineses a longo prazo. A viragem determinada por João Lourenço levantou necessariamente outras leituras por parte da China. E é preciso lembrar que o Presidente da República não fez pouco para mostra a Beijing que a parceria estratégica com Luanda estava mais relativizada. Quer pela forma como privilegiou a Europa e os Estados Unidos, na ordem das deslocações ao exterior. Quer pela forma como escancarou as portas angolanas ao Ocidente, com destaque para o discurso no Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Os sinais da viragem de João Lourenço começaram, aliás, antes mesmo de chegar à Cidade Alta, com as viagens de pré-campanha à Europa e aos Estados Unidos. Há, portanto, necessariamente outras leituras a fazer na conjuntura actual das relações chino-angolanas”, escrevemos na altura.

Cerca de cinco meses após esse alerta, surge o subsecretário dos Estados Unidos da América em Angola para juntar as pontas soltas. Num tom expressamente ameaçador, Jonh Sullivan não teve contenção nas palavras. Ou Angola escolhe os Estados Unidos ou fica com a Rússia e a China. O norte-americano até foi mais longe, ao recorrer abertamente à arma da chantagem. O primeiro sinal de boa vontade de Angola, como sugeriu, poderia ser já o recuo no reconhecimento do governo de Nicolás Maduro. O que implicaria virar o voto de Luanda para o autoproclamado Juan Guaidó e trair o alinhamento assumido com os pares africanos. Como contrapartida, um quinhão dos 70 mil milhões de dólares que os Estados Unidos dizem ter para África ficariam garantidos. Só que, ao que se sabe hoje, o Governo de João Lourenço quererá mais. Supostamente até desejará o FBI na investigação das alegadas fortunas ilícitas escondidas fora de Angola. Desde o pós-guerra, a soberania angolana nunca esteve tão em causa. E é improvável que os chineses não se tenham apercebido disso.

18 Mar. 2019

Três questões

É preciso que o novo poder entenda, de uma vez por todas, que a credibilidade da iniciativa de recuperação dos activos do Estado, alegadamente na posse de privados, depende necessariamente da transparência com que gere o processo. Restringir a comunicação dos resultados de um pomposo inquérito sobre alegados desvios do erário a uma frase com um número de 4,7 mil milhões de dólares é tudo menos transparente. Ainda que o chefe do Governo - que ordenou a realização do inquérito - decida classificar os factos mencionados no relatório como “chocantes” e “repugnantes”.

Aos olhos dos cépticos, as dúvidas e omissões que se colocam sobre este processo são excessivas para serem simplesmente ignoradas. Porque não se pode perder de vista as fortes suspeitas, cada vez mais generalizadas, de agendas pessoais por detrás de todo o afã justicialista. Aliás, em certa medida, a dimensão dos próprios números apresentados, de forma seca, só reforça as desconfianças da instauração de uma justiça selectiva.

O raciocínio, desde logo, é simples: se é uma verdade incontestável que a elite do poder e uma mão cheia de ‘sortudos’ enriqueceram à custa do erário, é absolutamente improvável que os alegados desvios se confinem aos ‘míseros’ 4,7 mil milhões de dólares. Trazer um número destes, após décadas de pilhagem dos recursos públicos, como a súmula do que foi desviado para interesses privados é, no mínimo, a comprovação de que o inquérito foi engendrado com uma missão concreta: legitimar a perseguição contra interesses específicos que o novo poder catalogou como alvos necessariamente a abater.

O Governo tem, entretanto, todas as possibilidades de contestar essas desconfianças. Basta que revele o guião que a equipa de Manuel Nunes Júnior usou para investigar e elaborar o relatório dos mencionados desvios. Por uma questão de transparência e para se aferir a abrangência e a imparcialidade da investigação, a sociedade tem de saber, pelo menos, três questões básicas: 1. Qual é o ano zero que a investigação tomou como ponto de partida? 2. O que se definiu exactamente como desvios do erário? 3. Quem são as entidades, grupos ou negócios que foram investigados? Com apenas essas três respostas, a transparência e a justeza do processo ficam largamente esclarecidas.

João Lourenço e Marcelo Rebelo de Sousa colocaram acento na hipótese de concretização de uma verdadeira parceria estratégica entre Angola e Portugal. Mas, antes de quaisquer considerações sobre o futuro, é preciso lembrar que essa possibilidade não é nova. Em 2009, foi pela primeira vez anunciado o que seria a marcação de um passo concreto, que simbolizasse a relação estratégica. José Eduardo dos Santos foi a Lisboa e, em cima da mesa, estava a proposta de criação de um banco luso-angolano de capitais divididos em partes iguais. Angola far-se-ia representar pela Sonangol, Portugal pela Caixa Geral de Depósitos e cada um teria de injectar metade dos mil milhões de dólares estabelecidos, na altura, para a constituição do banco. Quando Aníbal Cavaco Silva decidiu retribuir a visita no ano seguinte, isto em 2010, o compromisso foi renovado, em Luanda, com uma agenda aparentemente mais concreta. No entanto, após o regresso de Cavaco Silva a Portugal, nunca mais se ouviu falar do projecto, muito menos saíram explicações sobre o que estaria na base do evidente recuo. A vontade de avanço para uma parceria estratégica voltaria a confinar-se aos discursos, até que os “irritantes” processos da justiça portuguesa contra figuras angolanas colocaram até muito recentemente a hipótese de ruptura.

Essa base histórica, ainda que se apregoe hoje dos dois lados um novo paradigma relacional, não pode ser esquecida, porque as suas raízes potenciam a probabilidade elevada de novos “irritantes” no futuro. É preciso mencionar que, pelo menos desde o fim da guerra em Angola, a tensão governamental entre os dois países nunca chegou a colocar uma hipótese real de ruptura, tal como João Lourenço a colocou, ao defender Manuel Vicente. Até José Eduardo dos Santos o máximo que fez, nos momentos derradeiros do seu mandato, foi afastar Portugal dos parceiros preferenciais, mas esta ameaça jamais configurou uma possibilidade credível de rompimento.

Por isso, ao contrário do que diz Marcelo Rebelo de Sousa, os “irritantes do passado” são para ter em conta, porque servirão sempre de alerta para a construção dos “importantes do futuro”.

25 Feb. 2019

OUTRA VEZ, A RECEITA

Sejamos claros neste ponto: se a actual agenda de combate à corrupção não tem o apoio expresso de críticos como o jurista Albano Pedro, não foram os críticos que mudaram de opinião. É o processo que não se revela sucientemente transparente e justo para ser incontestável. Sejamos claros noutro ponto: se um partido como a Unita faz críticas contundentes ao que se passa hoje, não é por mera obrigação de fazer política. É pela observação de que o combate à corrupção se mostra excessivamente selectivo para ser genuíno.

Inocência Pinto, directora nacional de Prevenção e Combate à Corrupção, foi citada na última semana a contestar os que notam tratamento selectivo nos processos que param na justiça. Para ela, é seguramente tarefa fácil protestar contra posicionaS mentos crítico, como o da Unita. O mais difícil, de certeza, é juntar argumentos que provem que não há uma actuação direcionada dos órgãos de justiça e dos que neles mandam.

É que, apesar do entendimento sobre a transversalidade do fenómeno da corrupção, há a noção consensual de que o seu combate deve privilegiar sobretudo as figuras de topo. No contexto histórico angolano, isso significa necessariamente a investigação de toda a gente que governou e geriu recursos públicos pelo menos desde o m da guerra.

A receita para se calar as críticas da Unita e de críticos assumidamente independentes como Albano Pedro é aquela que já foi referida aqui em várias ocasiões: se é verdade que não é possível punir todos os que terão cometido crimes, tem de haver no mínimo uma abordagem teórica que aponte nesse sentido. Se Higino Carneiro é alvo de investigação pela sua passagem por Luanda, nenhum outro governo provincial deveria escapar a um inquérito, a contar de 2002. Se Isabel dos Santos é notificada cada para responder pelo seu mandato de apenas um ano na Sonangol, nenhum outro gestor de empresa pública relevante deveria ficar isento de um inquérito a contar do fim da guerra. Se Augusto Tomás vai responder pelos seus actos, enquanto ministro dos Transportes, ninguém que tenha sido ministro pelo menos desde 2002 deveria ficar isento de questionamentos. A explicação é simples. Todos concordam que a corrupção e o saque do erário sempre existiram em toda a hora e em toda a parte: nos órgãos de soberania, em todos os ministérios, em todos os governos provinciais, em todas as administrações municipais, em todas as empresas e institutos públicos e em tudo o resto. O resto é batota.