Quem manda aqui?
O recurso ao chavão, desta vez, é mais do que justificado: em política a sério, as coincidências raramente são obras do acaso. Em Outubro do ano passado, João Lourenço deslocou-se à China e as notícias de antevisão à visita apontavam que o Presidente regressaria ao país com pelo menos 11 mil milhões de dólares. Ao anunciar, já em Luanda, que a colheita se tinha ficado nos 6,1 mil milhões, a generalidade dos analistas engoliu a narrativa que culpava a opacidade dos acordos nos governos de JES. Mas aqui, no editorial de 22 de Outubro de 2018, alertámos que esse argumento era visivelmente forçado. Pelo simples facto de que a China, incluindo a de Xi Jinping, sempre esteve informada de como os empréstimos eram geridos em Angola. A explicação mais provável para a hesitação chinesa seria outra: “Ainda que resista em admiti-lo, a China jamais conseguiu esconder a agenda de influência geopolítica por detrás dos empréstimos chorudos que vai espalhando por todo o mundo. E a orientação passada da política externa angolana, mais para os BRIC do que propriamente para o Ocidente, era mais favorável aos interesses chineses a longo prazo. A viragem determinada por João Lourenço levantou necessariamente outras leituras por parte da China. E é preciso lembrar que o Presidente da República não fez pouco para mostra a Beijing que a parceria estratégica com Luanda estava mais relativizada. Quer pela forma como privilegiou a Europa e os Estados Unidos, na ordem das deslocações ao exterior. Quer pela forma como escancarou as portas angolanas ao Ocidente, com destaque para o discurso no Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Os sinais da viragem de João Lourenço começaram, aliás, antes mesmo de chegar à Cidade Alta, com as viagens de pré-campanha à Europa e aos Estados Unidos. Há, portanto, necessariamente outras leituras a fazer na conjuntura actual das relações chino-angolanas”, escrevemos na altura.
Cerca de cinco meses após esse alerta, surge o subsecretário dos Estados Unidos da América em Angola para juntar as pontas soltas. Num tom expressamente ameaçador, Jonh Sullivan não teve contenção nas palavras. Ou Angola escolhe os Estados Unidos ou fica com a Rússia e a China. O norte-americano até foi mais longe, ao recorrer abertamente à arma da chantagem. O primeiro sinal de boa vontade de Angola, como sugeriu, poderia ser já o recuo no reconhecimento do governo de Nicolás Maduro. O que implicaria virar o voto de Luanda para o autoproclamado Juan Guaidó e trair o alinhamento assumido com os pares africanos. Como contrapartida, um quinhão dos 70 mil milhões de dólares que os Estados Unidos dizem ter para África ficariam garantidos. Só que, ao que se sabe hoje, o Governo de João Lourenço quererá mais. Supostamente até desejará o FBI na investigação das alegadas fortunas ilícitas escondidas fora de Angola. Desde o pós-guerra, a soberania angolana nunca esteve tão em causa. E é improvável que os chineses não se tenham apercebido disso.
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