ANGOLA GROWING
Editorial Editorial

Editorial Editorial

João Lourenço voltou com menos dinheiro do que se esperava da China. E a teoria que rapidamente se espalhou, precipitada pela própria versão oficial, responsabilizava a má gestão dos recursos cedidos no passado. Nas conversas oficiais, a China até pode ter-se justificado dessa maneira. Mas há uma hipótese elevada de esse argumento não ter passado de uma desculpa diplomática.

A explicação é simples. A China foi o primeiro país que abriu os cordões à bolsa no período imediato ao fim da guerra. E, ao longo de mais de uma década e meia, não parou de injectar financiamentos à economia angolana, de tal sorte que os números atingiram proporções preocupantes. Numa rara declaração pública, este ano, o embaixador chinês em Luanda chegou a contabilizar o total do montante cedido a Angola em cerca de 60 mil milhões de dólares.

Todos esses empréstimos aconteceram num ambiente de alta contestação interna contra a opacidade dos acordos. Por isso, as autoridades chinesas até podem afirmar que nunca receberam reclamações do Governo angolano, quanto a eventuais incumprimentos dos acordos, como o fez recentemente o embaixador Cui Aimin, ao VALOR. Mas jamais poderão dizer que nunca ouviram as críticas permanentes sobre a falta de transparência com que os empréstimos eram geridos em Angola. Colocada a questão nestes termos, se a China não interveio no passado, é porque estava confortável com as contrapartidas dos empréstimos e a forma de gestão dos recursos não representava propriamente uma preocupação.

A hipótese mais provável para a viagem presidencial menos conseguida ao ‘gigante asiático’ é outra. Ainda que resista em admiti-lo, a China jamais conseguiu esconder a agenda de influência geoestratégica por detrás dos empréstimos chorudos que vai espalhando por todo o mundo. E a orientação passada da política externa angolana, mais para os BRICS do que propriamente para o Ocidente, era mais favorável aos interesses chineses a longo prazo.

A viragem determinada por João Lourenço levantou necessariamente outras leituras por parte da China. E é preciso lembrar que o Presidente da República não fez pouco para mostrar a Beijing que a parceria estratégica com Luanda estava mais relativizada. Quer pela forma como privilegiou a Europa e os Estados Unidos, na ordem das deslocações ao exterior, quer pela forma como escancarou as portas angolanas ao Ocidente, com destaque para o discurso no Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Os sinais da viragem de João Lourenço começaram, aliás, antes mesmo de chegar a Cidade Alta, com as viagens de pré-campanha à Europa e aos Estados Unidos. Há, portanto, necessariamente outras leituras a fazer na conjuntura actual das relações chino-angolanas.

O exercício de 2018 que se aproxima do fim e o de 2019 que se revela no horizonte imediato podem representar duas perspectivas diferentes nas prioridades de governação. Depois de vários meses intensos de viagens, assumindo a liderança da diplomacia económica, João Lourenço vai encerrar o ano, agregando, nos resultados, o lado prático do combate à corrupção e às práticas lesivas ao interesse público. Ainda que discutíveis pela eventual falta de justeza de alguns casos, para os propósitos políticos de João Lourenço, as detenções de altas figuras do Estado representaram uma espécie de ‘evolução’ do discurso na defesa contra alguma crítica.

Veja-se que, até à ordem de prisão a essas figuras relevantes, João Lourenço ouviu sistematicamente que a promessa eleitoral de combate à corrupção não transitava da teoria à prática. Ao determinar as prisões, ainda que em alguns casos de forma controversa, não só reduziu certo tipo de críticas internamente, como se preparou para responder a inquietações externas que avaliavam a sua principal promessa eleitoral com algum cepticismo. Não foi por acaso que, nas últimas duas deslocações ao exterior – Estados Unidos e China –, o principal elogio que recebeu dos seus pares está relacionado com as reformas que empreende, com enfoque na chamada cruzada contra a corrupção.

Em 2019, as prioridades devem, entretanto, ajustar-se. Sem necessariamente baixar a guarda no combate à corrupção, João Lourenço sabe que, nos próximos tempos, tem de apresentar ideias para a resolução gradual de problemas práticos que afectam as famílias e a economia. A criação de emprego, o combate à pobreza, a promoção da produção nacional e o apoio às empresas, no próximo ano, vão exigir acções concretas e tangíveis. Até ao momento, os programas apresentados, logo no início da posse do novo Governo, não podem ser mensurados. O ‘programa intercalar’, por exemplo, não apresentou resultados de curto prazo, como ficou proposto, em matérias como a promoção da produção nacional e o incentivo às exportações fora do sector petrolífero. Tão grave isso, os esforços individuais que o sector privado mobilizou foram largamente descompensados com a manutenção da inflação elevada e com a alteração da política cambial que arruinou os rendimentos e as reservas em moeda nacional.

Quando João Lourenço se apresentar à Assembleia Nacional para radiografar o ‘estado da Nação’, mais do que o passado, interessará saber os seus planos concretos para que 2019 seja melhor do que 2018. Depois do desânimo chinês que largou apenas dois dos pelo menos 10 mil milhões pretendidos; após a consumação do acordo de financiamento com o FMI que promete mais apertos em toda a dimensão, interessa mesmo saber quais sãos os ‘trunfos de compensação’ do Governo.

08 Oct. 2018

‘Made in China’

Não devemos fugir às palavras. O realismo económico sobrepôs-se a todas as ideologias e a abordagem da relação com a China exige, como nunca, um reajustamento obrigatório. Hoje, tornou-se quase ridículo questionar a necessidade da firmação de parcerias estratégicas com o gigante asiático. É qualquer coisa risível, porque evitar a China equivale a um suicídio económico e até político. E, como é óbvio, essa sujeição não é aplicável exclusivamente aos países em desenvolvimento.

Com a sua influência global a consolidar-se diariamente, a China banalizou as críticas dos seus rivais sobre a sua determinação de ignorar os ‘assuntos internos alheios’ na relação com os parceiros. É uma reafirmação de Xi Jinping seguida à risca, como sublinha o embaixador chinês em Luanda, numa rara entrevista a um jornal angolano. Frequentemente questionado pelo Ocidente, o regime chinês tem consciência de que não pode dar lições em matéria de abertura política. E essa determinação é, indiscutivelmente, um dos principais facilitadores da implantação, sobretudo, no continente africano, onde têm prevalecido regimes com os mesmíssimos ‘telhados de vidro’. Não é essa, portanto, a inquietação africana quando se trata de questionar o modelo de relação com a China. Muito menos é a preocupação angolana.

O que interesse a Angola, neste momento em que a relação bilateral é revista ao mais alto nível, é a garantia efectiva de que o país vai reter proveitos visíveis, valiosos e duradouros dessa parceria. Tão importante quanto isso, é a exigência da transparência. Boa parte do sentimento contra o financiamento chinês a Angola, ao longo dos últimos anos, explicou-se precisamente pela opacidade dos acordos. Não havia informação oficial credível sobre o volume dos empréstimos. Os termos dos acordos, por via de regra, eram desconhecidos. E os angolanos sempre revelaram dificuldades em perceber e visualizar as oportunidades de negócios criadas pela presença chinesa. É genericamente sabido, por exemplo, que a determinação dos 30% para nacionais nos projectos executados por empresas chinesas nunca foi verificada. Não deixa de ser curioso, por isso, que o embaixador chinês revele que o seu país nunca recebeu qualquer reclamação das autoridades angolanas por incumprimentos de acordos, quando vários governantes já reconheceram, em diversas ocasiões, que os 30% não eram observados.

Mais do que palavras e papéis rubricados, o que se espera com essa primeira visita oficial de João Lourenço à China é, de facto, uma mudança prática na relação. Por razões óbvias, Angola, sobretudo, precisa de resultados.

01 Oct. 2018

Ponderação no caos

O argumento de combate à corrupção e de moralização do Estado não parece suficiente para reunir consensos em torno da onda de processos judiciais e consequentes prisões de figuras de destaque do anterior Governo e do MPLA. Em surdina, sectores ligados ao partido no poder questionam a justeza de certos processos, mas a contestação mais aberta até vem de actores com histórico de luta contra a governação. É o caso do conhecido advogado e deputado David Mendes.

Em entrevista ao VALOR, o aclamado ‘advogado dos pobres’ ataca directamente a decisão da Procuradoria-Geral da República, que privilegia medidas de coação extremas, quando se colocam, em certos casos, alternativas legais e justificadas menos gravosas.

David Mendes junta-se também ao coro dos que encontram mais motivações políticas do que sustentação judiciária em alguns casos e chega mesmo a dizer que existe vingança e pressão política na cruzada contra a corrupção.

Outro alerta não menos relevante é aquilo a que chama risco do populismo, ilustrando com a inebriação popular que leva à humilhação pública de cidadãos que, no mínimo, gozam da presunção de inocência.

Mas a ‘cólera justicialista’ não parece ter tomado apenas conta da opinião e da abordagem mais vulgar. Em parte da comunicação social interna e externa, os reflexos da ausência de sobriedade se explicam com o amontoado de erros incompreensíveis na apresentação de muitos conteúdos. O caso da detenção do ex-presidente do Fundo Soberano e do proprietário da Quantum Global deu uma demonstração terminada. Mesmo com a clarificação da Procuradoria-Geral da República de que o agravamento das medidas de coação aplicadas a Filomeno dos Santos e a Jean Claude Bastos de Morais se deviam a “actos de gestão do Fundo Soberano”, a esmagadora maioria da imprensa noticiou que as detenções estavam relacionadas também com o caso da suposta transferência irregular de 500 milhões de dólares do BNA. O resultado foi naturalmente um vendaval de desinformação completa que chegou a confundir os leitores, telespectadores e ouvintes, num processo já por si de interpretação complexa. E isso é um alerta claro para a necessidade de ponderação, sobretudo das vozes mais avisadas, no meio do caos.

24 Sep. 2018

Mais um sinal forte

a semana em que deixou Luanda para participar da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, João Lourenço elevou a fasquia da sua agenda de combate à corrupção. Na sexta-feira à tarde, a Procuradoria-Geral da República anunciou a detenção do ex-ministro dos Transportes. Augusto Tomás foi detido com Rui Manuel Moita, ex-director-geral adjunto para a área técnica do Conselho Nacional de Carregadores, ambos indiciados por práticas de peculato, corrupção e branqueamento de capitais.

Dias antes da detenção de Augusto Tomás, o Tribunal Supremo, em despacho de pronúncia, determinou a prisão domiciliária ao antigo director-geral da Unidade Técnica para o Investimento Privado. Entre outros crimes, Norberto Garcia foi acusado de associação criminosa, falsificação de documentos, tráfico de influência e promoção e auxílio à emigração ilegal, no mesmo processo em que o ex-chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, Geraldo Sachipengo Nunda, foi ilibado. Da mesma forma, o mediatizado caso de uma suposta transferência irregular de 500 milhões de dólares do Banco Nacional de Angola foi dado como estando já em Tribunal. No processo, estão arroladas, entre outras figuras, a do filho varão do ex-Presidente da República e do ex-governador do Banco Nacional de Angola, Walter Filipe.

Para efeito de mensagem simbólica, João Lourenço não podia ter ido mais longe. Norberto Garcia e Augusto Tomás, agora detidos, além das funções relevantes que desempenharam na administração do Estado, foram, até há relativamente pouco tempo, dirigentes influentes do partido no poder. Ambos foram membros do bureau político, o órgão restrito do comité central que, em bom rigor, toma as decisões relevantes do partido. Garcia, é preciso lembrar, foi inclusivamente membro do secretariado do bureau político, assumindo o pelouro da informação e ainda no recém-terminado congresso extraordinário do MPLA, na sua intervenção, referiu que o discurso de encerramento de João Lourenço seria adoptado como instrumento de trabalho, pela sua importância.

É improvável que, com todos esses sinais, persistam vozes cépticas quanto à verdadeira intenção de João Lourenço de materializar a sua promessa eleitoral. De qualquer forma, não é possível ignorar, no todo, a chamada de atenção que faz, por exemplo, o advogado de Norberto Garcia, face ao possível risco de algum populismo jurídico. Num momento de aparente inebriação total e em que as pessoas visadas não se servem do espaço público para a apuração do contraditório, cabe aos órgãos de justiça garantir que, efectivamente, a justiça é assegurada a todos, livre de qualquer poder discricionário. Porque sinais em contrário poderão precipitar sempre o entendimento de que, mais do que julgamentos judiciais, em certos casos, estarão a prevalecer os julgamentos políticos.