ANGOLA GROWING
Editorial Editorial

Editorial Editorial

30 Apr. 2018

CONTAS DE MÉRITO

O 27 de Abril de 2018 também se inscreveu na lista das datas históricas em Angola. Foi o primeiro dia do resto da presença de José Eduardo dos Santos na política activa. Na tarde da última sexta-feira, o bureau político do MPLA oficializou, de forma definitiva, o congresso extraordinário para a primeira quinzena de Setembro deste ano. E anunciou a aprovação terminante de João Lourenço para a liderança do partido. José Eduardo dos Santos cumpre assim a sua promessa de abandonar a política activa e, mais do que isso, assegura a prometida transição natural e pacífica no partido que governa desde a Independência, depois de o ter feito a nível do Estado.

Dentro de pouco mais de quatro meses, fica assim concluída, em termos institucionais, a transição política, com João Lourenço a afirmar-se em todo o terreno. As leituras completas sobre as possíveis derivações políticas deste processo, na perspectiva da concentração do poder em João Lourenço, terão de aguardar pelo mestre tempo. Mas o simbolismo com efeitos na vida económica e social do país jamais se colocaria em questão. Mesmo para a lente de quem nos vê de fora.

João Lourenço empreendeu uma intensa agenda reformista que gerou expectativas elevadas dentro e fora de portas. Numa sentada, o nome de Angola passou a ser associado à imagem de um país disposto a reerguer-se por vontade própria, distanciando-se paulatinamente das manchas que lhe têm servido de referência. Os textos, palestras e colóquios sobre um país corrupto dão lugar cada vez mais a reflexões repletas de ansiedades sobre um país com futuro.

Os efeitos práticos no plano económico não se fazem esperar. O visível trabalho na diplomacia económica vai melhorando gradualmente a opinião externa de entidades institucionais privadas e supranacionais. Apesar do quadro ainda adverso, as agências de rating estão ansiosas por melhorar o risco soberano do país, retirando-o da escala abaixo do investimento. O Fundo Monetário Internacional, cujo convite para Angola já se esperava desde antes das eleições do ano passado, parece mais confiante na intenção do Governo de levar adiante com firmeza o seu programa de estabilização macroeconómica, que deve incluir um verdadeiro saneamento das finanças públicas. Os investidores externos também têm as suas motivações para se sentirem mais interessados. Com a garantia da estabilidade política e a grande abertura da legislação ao investimento estrangeiro, vêem reduzidas as desculpas de que se serviram, no passado, para desviarem os investimentos para outras paragens.

 No fundo, no fim de contas, José Eduardo dos Santos e João Lourenço, com erros e acertos, cada um terá o seu nome inscrito na história com o seu mérito e as suas circunstâncias. O primeiro, com a virtude de pacificador e, mesmo com erros, com a distinção de ter lançado as bases para a construção do país que se almeja. O segundo, mais seguramente, como o reformador que cristalizou as bases para o desenvolvimento integrado e sustentado.

24 Apr. 2018

OS 'FANTASMAS'

O Ministério das Finanças anunciou a suspensão do pagamento de salários de mais de 64 mil funcionários públicos em todo o país. A decisão do departamento ministerial liderado por Archer Mangueira encontra respaldo no processo de recadastramento dos funcionários públicos, aprovado em Decreto em 2015. No conjunto das justificações avançadas pelo Governo estão casos de ausências no local de trabalho por licença de formação ou por junta médica, além de situações de dupla efectividade na função pública e outras que o ministério não especifica.

Para se compreender o alcance desta medida é preciso lembrar, antes de mais, os números da função pública. Dados oficiais repetidas vezes divulgados pela imprensa indicam que o funcionalismo público emprega mais de 385 mil trabalhadores. Isto significa que mais de 16% dos agentes públicos terão os salários congelados, pelo menos até terem as exigências do Ministério das Finanças regularizadas.

É certo que há leituras que só poderão ser feitas após a conclusão deste processo. Ou seja, até o Ministério voltar a pronunciar-se sobre o que então aconteceu com os mais de 64 mil suspensos. As conclusões preliminares são, entretanto, claras quanto à probabilidade de, ao longo de muitos anos, o Estado ter-se visto obrigado a desembolsar recursos incalculáveis para uma percentagem significativa de funcionários ‘fantasmas’. É preciso, aliás, lembrar que esse processo de recadastramento tem levado consecutivamente à eliminação de funcionários, em situação duvidosa, do Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado, há alguns anos. O que quer dizer que, se os números de hoje apontam para cerca de um sexto em situação potencialmente irregular, no passado a proporção de trabalhadores duvidosos, face ao total de empregados, era muito mais expressiva.

Há outra leitura que deve ser mencionada relacionada nomeadamente com os possíveis processos de responsabilização de agentes públicos, de acordo com o que deverão ser as conclusões definitivas das Finanças. No comunicado oficial, o Ministério não aponta nada neste sentido. Excluindo os casos que classifica como “outras situações”, as demais potenciais irregularidades – documentação incompleta, licenças e dupla efectividade – não se configuram com indícios criminais. Pelo menos não são apresentadas com essa sugestão implícita.

Mas isto não deveria impedir necessariamente algum esforço no sentido de se apurar as facilidades que estiveram na origem de tantas irregularidades. Se alguém permitiu que um determinado funcionário ficasse largos meses fora do local do trabalho, sem o cumprimento das devidas formalidades, esse alguém é necessariamente um gestor público identificável. Se alguém decidiu pelo enquadramento de funcionários no sector público, sem o cumprimento de exigências mínimas, como a apresentação de documentos que comprovem alguma idoneidade, esse alguém é seguramente um gestor público identificável. Mas já sabemos. O Governo deverá defender-se que não é possível a responsabilização por se tratar de processos sem rasto, ainda que, em muitos casos, tudo se mantenha na mesma

O Governo precisa de acelerar com urgência o seu processo de reestruturação orgânica e institucional. É uma tarefa essencial no quadro das ideias mais alargadas da reforma do Estado. Em termos mais restritos, é um dos pontos de partida da intenção governamental que visa conferir maior dinamismo e eficiência aos seus órgãos e aos do Estado de forma mais extensiva. O sintoma mais esclarecedor dessa desorganização institucional é a indefinição e a sobreposição de funções. São variadíssimos os casos em que duas ou mais instituições de departamentos governamentais diferentes vêem as suas funções e tarefas sobrepostas, gerando conflitos, atropelos, inacção e, como é lógico, alguns custos financeiros incalculáveis. Mas também há situações de órgãos do mesmo pelouro que conflituam por convergências nas respectivas atribuições.

Na semana passada, foi o ministro da Construção e Obras Públicas a reconhecer isso mesmo, durante o conselho consultivo do seu ministério que decorreu no Soyo, Zaire. Manuel Tavares de Almeida referiu-se a eventuais conflitos na definição das tarefas do Instituto de Estradas de Angola e do Fundo Rodoviário, em matéria de manutenção e conservação das estradas. No diagnóstico do governante, essa sobreposição terá implicações directas na degradação de algumas estradas, uma vez que, com a indefinição, ninguém intervém na sua necessária manutenção.

Os novos dados sobre o confuso processo de alienação das três principais unidades têxteis, recuperadas há poucos anos com fundos públicos, mostram outro ângulo dos custos da desarrumação institucional. E, neste caso, não estarão arrolados apenas custos financeiros, como também algum ónus de credibilidade e de imagem do próprio Governo. Tudo o que já se escreveu até hoje sobre este processo é imensamente elucidativo. Em Setembro do ano passado, a ministra da Indústria ordenou que as três unidades (Textang II, Satec e Alasola) regressassem ao controlo do Estado. Bernarda Martins avançou, na altura, como justificação, a falta de competência do Ministério da Indústria para a concessão de direitos de superfície, ao abrigo da Lei de Terras. Os gestores das três unidades em várias ocasiões, ainda que de forma não ostensiva, indicaram, entretanto, que não tinham nas contas o cumprimento da determinação da ministra. E as coisas correram ou não correram e até hoje nada aconteceu. As fábricas mantiveram as actividades, sob controlo dos privados, e o Ministério da Indústria manteve a ameaça, sem passar disso. Agora, sem qualquer explicação de fundo, o dossier transita para o Ministério das Finanças que insiste na reversão das fábricas a favor do Estado, mas com a condição de devolvê-las aos privados, desde que esses se revelem competentes. E, mais uma vez, a julgar pelo que se lê de alguns gestores, nada disso vai fazer sentido, pela convicção destes de que o Estado tem de desaparecer simplesmente do negócio e ponto final. É preciso esperar para ver, mas, até lá, sobre a certeza de que os custos associados a toda essa indefinição são seguramente incalculáveis.

09 Apr. 2018

PERGUNTAS

Para os moderados, nunca houve dúvidas de que a prudência era o caminho mais seguro na condução das transformações introduzidas pela transição política. Entre outras razões possíveis, é porque os moderados entendem que, na tomada de decisões sensatas, está inquestionavelmente a credibilização do próprio processo de reformas. Ao permitir opções mais pensadas, a prudência em processo de mudanças como o que atravessamos propicia um ambiente de aplicação das leis e da justiça de forma coerente e inteligível. Evitando, sobretudo, o risco da renovação de paradigmas sem critérios. Ou, pelo contrário, assentes em dualidades de critérios.

A ameaça que chega da Procuradoria-Geral da República é esclarecedora neste sentido. O que toda a gente fica a saber, desde já, é que há uma imensidão de titulares de cargos públicos, abrangidos pela Lei da Probidade, que ainda não apresentaram as respectivas declarações de bens, mais de seis meses após a tomada de posse do novo Governo. Traduzida e aplicada a Lei à letra, estaremos a falar de um cenário em que muito provavelmente, de alto a baixo, o Governo desmoronaria, com muito poucos sobreviventes. Porque, como lembra friamente a Lei, os titulares de cargos públicos abrangidos perderiam automaticamente os cargos, se até 30 dias após a tomada de posse não apresentassem as declarações de rendimento. Pelo que se depreende da ameaça vinda do vice-procurador-geral da República, é inimaginável o número de responsáveis nesta condição.

É óbvio que, neste caso, se torna inevitável o questionamento a propósito da agenda de combate à corrupção. A Lei da Probidade, no âmbito do combate à corrupção, não é uma lei qualquer. É um instrumento crucial, de cuja viabilização depende em grande medida a fiscalização das possibilidades de enriquecimento ilícito de titulares de cargos públicos. No fundo, não se pode conceber o combate à corrupção no rigor académico, se os agentes públicos sujeitos à Probidade se mantiverem imunes às punições legalmente previstas. Neste processo de reformas em que nos encontramos, é fundamental que os radicais entendam isso. De outro modo, até podemos reflectir sobre as contrariedades da reforma, colocando em cima da mesa algumas questões básicas. Perante um quadro legal esclarecedor, há outros critérios para se determinar o que é punível e o que é perdoável? A resposta lógica será seguramente não. Daqui nasce necessariamente outra. Então por que razão, precisamente como se investigam várias alegações de atropelos à lei, os titulares de cargos públicos que ainda não apresentarem as declarações de bens se mantêm nos cargos, depois de largamente ultrapassados os prazos? Por que razão a PGR precisa de ameaçar com cobranças coercivas e a Lei não é simplesmente cumprida? A resposta também é lógica. Porque simplesmente não é possível destituir toda a gente, mesmo estando à margem da Lei. É uma evidência loquaz que deita por terra todo o radicalismo.

02 Apr. 2018

EM ACÇÃO

Na última semana, aconteceu o ‘1.º Fórum de Oportunidades de Investimento no Namibe’. Iniciativa do governo provincial, a actividade contou com a colaboração do Valor Económico, na qualidade de co-organizador. A nossa presença teve uma justificação simples. Foi uma forma de traduzirmos, na prática, o compromisso editorial de nos afirmamos como um verdadeiro parceiro do crescimento e do desenvolvimento económico e social de Angola.

Não é novo o entendimento de que o progresso que almejamos para o país deve passar necessariamente pelo aprimoramento das capacidades internas de se buscar os melhores caminhos. De se optar pelas melhores decisões e pelas melhores práticas. E isto não é possível sem o estabelecimento de consensos em relação às matérias fundamentais. A exibição das oportunidades de investimento no país é uma delas. Daí a importância do diálogo, da troca de experiências entre os vários operadores da economia e do contacto físico com as oportunidades.

O que aconteceu, no Namibe, este fim-de-semana, é um exemplo claro neste sentido. É a mensagem de que o objectivo da promoção das potencialidades do país não pode ficar encravado no discurso. É preciso acção, acima de tudo. Porque, para os investidores, a narrativa das boas intenções sabe sempre a pouco. Mais do que discursos repetitivos, quem tem dinheiro para aplicar quer provas de maior abertura. De flexibilidade e transparência no tratamento dos processos. Não interessa clamar pelo investimento privado com um novo texto legal mais apelativo, se no sentido prático os processos não evoluem. Se os operadores públicos decidem manter comportamentos avessos à simpatia que se pretende para os investidores. Quem acompanha os negócios e a economia, de forma geral, já ouviu, de certeza, algum empreendedor a queixar-se de requerimentos que apanham pó nas gavetas dos governantes. De pedidos de encontros com decisores públicos que nunca são atendidos, passe o tempo que passar. Relatos de projectos que não acontecem por incompreensível má-fé de quem decide são também comuns nas esferas dos negócios. Quanto valor acrescentado o país já desperdiçou afinal por conta de todo esse mau ambiente? É simplesmente impossível de calcular.

O espaço para a necessária evolução no clima de negócios é, portanto, largo. Além das causas mais sonantes, como a corrupção, as barreiras legais e as de natureza migratória, há que trabalhar naquilo que se toma erradamente por causas menores, como a consciência de servidor público.

É, resumidamente, por isso que iniciativas como o Fórum organizado pelo Governo do Namibe fazem todo o sentido. E é precisamente por esta razão que os demais governos provinciais deveriam pensar seriamente em replicar a ideia.