Editorial Editorial

Editorial Editorial

08 Jan. 2018

Metas e optimismo

Menos fácil do que elencar os desafios do Governo neste ano é estimar as condições reais e expectáveis nas quais a equipa de João Lourenço se suporta para assumir metas tão ousadas no Orçamento Geral do Estado, com incidência sobre o crescimento económico a roçar os 5% e o défice fiscal a recuar abaixo dos 3%. Antes de nós, algumas análises, como a do Standard Bank, anteciparam-se a olhar com “riscos substanciais” o primeiro Orçamento aprovado por João Lourenço, e os receios são fundados.

As metas do Orçamento para este ano assentam, em tese, no optimismo de um ‘comportamento disciplinado’ do preço do petróleo, em alinhamento com as análises que prevêem a estabilização do barril do crude na casa dos 60 dólares, face à pressão da OPEP, com o prolongamento dos cortes na produção. Mas, como nos recordam vários alertas, além de a oscilação do preço do petróleo poder estar sujeita a factores diversos impossíveis de prever, ainda não se pode estimar a resposta da produção norte-americana às investidas da OPEP. Por outras palavras, é precisamente este cenário de estabilidade dos preços nos chamados ‘níveis sustentáveis’ para a generalidade dos produtores que pode levar os operadores norte-americanos a inundarem a oferta, contrariando gravemente os esforços até ao momento bem-sucedidos do cartel do qual Angola faz parte.

O Governo tem a seu favor também o discurso da melhoria do ambiente de negócios que concorre para a atracção do investimento privado. E, com base neste argumento, espera contar com uma contribuição substancial do sector não-petrolífero, para o qual é projectado um crescimento de 4,4%. Mas, mais uma vez, este optimismo parece não relevar o suficiente as possíveis externalidades que venham a decorrer de alterações no mercado petrolífero, além dos esperados choques que advirão da já reconhecida depreciação do kwanza.

Em abono da verdade, os factos e a experiência acumulada explicam que as diferenças proibitivas entre os câmbios do formal e do paralelo não resultaram necessariamente da taxação administrativa pelo BNA. O factor preponderante, além da inquestionável redução das receitas em moeda externa, foram os estrangulamentos que colocaram os dólares e os euros na rua, em detrimento dos bancos, e que, por isso, deixaram os agentes económicos a mercê do humor dos ‘kinguilas’ e de quem os alimenta/va. Por outras palavras, a definição administrativa da taxa de câmbio nos últimos anos não gerou qualquer resultado em termos de aproximação dos dois mercados, mas não se pode negar que, em alguns momentos, tenha criado alguns limites psicológicos no informal.

Com a adopção formal do câmbio flutuante, são esses limites psicológicos no mercado informal (onde a maioria esmagadora das famílias realiza a sua vida) que podem ser ultrapassados, com consequências imprevisíveis na depreciação dos rendimentos e logicamente no poder de compra das famílias. É por isso que fazem sentido os receios que questionam as capacidades reais que existem para se fazer face a um eventual novo descarrilamento do kwanza.

18 Dec. 2017

A figura

Não há outra forma de o dizer. A escolha de João Lourenço para substituir Isabel dos Santos, enquanto ‘Personalidade do Ano’, é uma indicação óbvia. Pelo menos para a redacção do VALOR, o que, de certeza, está em linha com a generalidade da opinião popular. Mas vale a pena revelar aos leitores que houve debate na escolha. O consenso não foi absoluto. O nome de José Eduardo dos Santos saltou na troca de argumentos e a fundamentação da defesa não é ignorável. Para quem indicou o ex-Presidente da República, a justificação está no facto de João Lourenço ser consequência directa de uma escolha pessoal de José Eduardo dos Santos.

De qualquer forma, é João Lourenço que vai ao leme. Com velocidade e atitude que não deixam margem para dúvidas. Contabilizados menos de três meses como Presidente da República, Lourenço indicou, desde já, que as promessas mais importantes da campanha eleitoral são para cumprir. Não o fez, como era esperado, em relação à redução da estrutura do Governo, mas dá sinais claros quanto ao combate à corrupção e às demais práticas lesivas ao Estado, aparentemente o seu principal ‘cavalo de batalha’. Sobre esta matéria não poderia ter deixado, aliás, o fim do ano político mais agitado. Lourenço avisou que vai estabelecer uma moratória para o repatriamento de capitais angolanos no estrangeiro. O discurso não determinou especificamente os capitais a que se referia.

De qualquer forma, ficou a certeza de que João Lourenço visava os dinheiros mal explicados, uma vez que ameaçou com processos quem não vier a cumprir o ‘período de graça’.

Até aqui, é esse somatório de atitudes e intenções que mobilizou o apoio popular e justificou os elogios externos, como o do britânico ‘Financial Times’ e o do norte-americano ‘Whashington Post’. É também isso que abafou a narrativa contestatária dos partidos na Oposição e colocou segmentos tradicionalmente ‘revus’ a aplaudirem João Lourenço de pé.

E porque os discursos em 2017 ainda não acabaram – aguarda-se pelo menos pela mensagem de fim de ano à Nação –, João Lourenço ainda terá tempo para dizer aos angolanos que ano teremos em 2018. Mas, até ao fim deste, não há nada imaginável que lhe retire o título de ‘Personalidade do Ano’.

 

Nota da Direcção: A direcção do VALOR ECONÓMICO informa todos os seus leitores, anunciantes e a população em geral que, por força das férias colectivas dos jornalistas por esta altura do ano, as edições de 25 de Dezembro de 2017 e de 1 de Janeiro de 2018 não devem sair à rua. Assim sendo, a primeira edição do ano deverá sair à rua no dia 8 de Janeiro de 2018. A todos desejamos Feliz Natal e Próspero Ano Novo!

11 Dec. 2017

‘Quo vadis’?

A polarização do debate jurídico no caso Manuel Vicente não passa de uma verdadeira manobra de diversão. Portugal sabe de cor e salteado que as autoridades angolanas jamais deixariam o ex-vice-Presidente da República ser julgado em terras lusas. Nunca pelo crime de que é acusado. E Angola sabe que as autoridades portuguesas não podem ceder à primeira ameaça de bloqueio nas relações bilaterais.

No campo político, as justificações de parte a parte são compreensíveis. Do lado português, o governo de António Costa só se pode apegar na narrativa da separação de poderes. É qualquer coisa que faz sentido, porque, em teoria, a sociedade portuguesa está menos propensa hoje a tolerar interferências do governo na justiça. Muito menos por país que se chama Angola, com que, por muito que se negue no politicamente correcto, muitos segmentos da sociedade portuguesa mantêm uma relação de amor e ódio.

Do lado angolano, as explicações não se limitam no plano político. Não se trata somente, como certas leituras incompletas presumem, da defesa de todo um regime. Há também explicações de natureza emocional que rebuscam os tais sentimentos de amor e ódio, pelas conhecidas razões históricas. Para segmentos notáveis da sociedade angolana, não se imaginaria maior humilhação para o país do que assistirmos ao julgamento de um ex-vice-Presidente nos tribunais do ex-colono. E esta percepção não pode ser confundida com qualquer espécie de oportunismo teórico das autoridades angolanas. Os ressentimentos derivados da colonização (e mais uma vez, ainda que recusados no discurso politicamente correcto) ultrapassam, de longe, os condicionalismos das relações formais entre governos e instituições do Estado. Não é por acaso que grande parte da defesa pública em Angola contra o desejo português de julgar Manuel Vicente relega para segundo plano a argumentação jurídica e rebusca a narrativa da soberania, ainda que não consiga explicá-la de modo convincente.

O desfecho que se espera do caso Manuel Vicente, como se poderá ler nas recentes palavras do ministro Manuel Augusto, não parece, portanto, deixar alternativa a Portugal que não seja o encaminhamento do processo para a justiça angolana. É a melhor hipótese que restará aos dois países, para não mencionar a pior na perspectiva portuguesa que seria a recusa terminante do processo por parte de Angola. A alternativa do braço-de-ferro indefinido seria estúpida e incompreensível. A apetência por sangue de certos segmentos de parte a parte e as circunstâncias de fricção nas relações formais serão sempre abafadas pela verdade dos laços familiares, culturais e – verdade seja dita – pelo realismo económico.

Até que tudo isso se esclareça, continuaremos a tentar desvendar as interrogações que se seguem, mas que, na verdade, poderiam desembocar numa única. Quais são os limites da mútua chantagem entre Angola e Portugal? Quão profunda poderá ser a fractura nas relações por conta dessa rixa? Onde começa e termina verdadeiramente a defesa dos interesses do Estado (de parte a parte)? Em que pontos concretos a soberania estará em causa? Qual é a linha que delimita o racional do emocional?

Não sobram dúvidas. As perspectivas que se colocam no plano económico, após três anos de uma avassaladora crise financeira e cambial, são animadoras. E não poderia haver melhor argumento para prová-lo do que os apoios externos ao novo ciclo político.

Na generalidade, o conjunto dos parceiros determinantes na inserção de Angola no mercado global encara com ‘bons olhos’ o que vai acontecendo no país. Os Estados Unidos da América, por exemplo, através da sua embaixadora cessante em Luanda, já em diversas ocasiões saíram em defesa da agenda de João Lourenço. Este encorajamento norte-americano, em particular, em termos futuros imediatos, só pode representar boas notícias e as razões são óbvias. Por um lado, faz adivinhar que o sonho do regresso do dólar norte-americano, a principal unidade de transacção e de reserva de valor internacional, pode tornar-se realidade mais breve do que se esperava. Afinal, ninguém caiu na conversa de que as restrições aos dólares que impuseram a Angola tivessem resultado exclusivamente de incumprimentos puníveis pelas autoridades monetárias estadunidenses. Basta lembrar os parceiros estratégicos norte-americanos no Médio Oriente que, apesar das acusações recorrentes de apoiarem o terrorismo, nunca se viram impedidos de aceder às ‘notas verdes’. A relação de dois pesos e duas medidas, nesta matéria, é clara, mas queixar-se disso é o mesmo que cair em saco-roto. Lamente-se ou não, a relação entre países assenta, sobretudo, no paradigma dos interesses e não da coerência.

Mas, além do tão desejado regresso dos dólares, o apoio da administração Trump tem o condão de criar o tal efeito osmose, capaz de precipitar uma leitura mais positiva dos ‘players’ internacionais sobre o país e a economia. É neste sentido, aliás, que se enquadram as diversas análises que antecipam um posicionamento melhorado de Angola nos mercados internacionais, no que se espera vir a ser a avaliação das agências de notação de risco.

A ansiedade que se coloca agora é perceber-se até que ponto o poder político angolano terá complexidade suficiente para gerir as externalidades susceptíveis de gerar alguma instabilidade interna. Passa por perceber até que ponto João Lourenço manterá equilíbrios políticos que, simultaneamente, animem os investidores externos e afastem os receios de fracturas, com consequências na estabilidade interna e, por arrasto, no ambiente de negócios.

Mas a leitura de Alves da Rocha não pode ser deixada de parte. O que menos se deseja é que, ao fim de contas, mais do que uma verdadeira ambição de corrigir o que mal, o país tenha embarcado no pesadelo de ajuste de contas. O problema é o facto de que os que assim pensam encontrarem argumentos que, aparentemente, lhes dão razão.

Nos últimos meses, o VALOR trouxe à estampa duas entrevistas esclarecedoras sobre a importância da revisão da política migratória, como se prevê no ‘Plano Intercalar’. Dois embaixadores de economias estratégicas para o processo económico angolano ignoraram o discurso politicamente correcto e atiraram-se contra o tratamento desigual que os seus países vêm recebendo das autoridades angolanas, em matéria de vistos. As queixas tiveram o mesmo denominador comum. O Brasil lamentou-se de falta de reciprocidade na facilitação e vistos de longa duração com múltiplas entradas, do mesmo jeito que se queixou a França. Nada que fosse rigorosamente novo, é verdade. Nada que qualquer observador comum não tenha referido ainda, ao longo destes anos de construção da expectativa da diversificação económica. Mas, como é sabido, o impacto e o valor simbólico da crítica pesam conforme a autoridade de quem critica. Sobretudo quando quem critica fá-lo completamente coberto de razão, recordando fantasias comprometedoras de projectos e planos governamentais que nunca passaram disso mesmo.

Ao longo dos últimos anos, não só o discurso do fomento do turismo tem estado na berra, como se introduziu o turismo entre os sectores estratégicos do processo de diversificação económica. O Ministério de tutela, por diversas vezes, apresentou projecções, aparentemente pensadas, sobre o que poderia ser o crescimento do sector e o respectivo contributo para a expansão do produto interno bruto. Mas o que é facto é que tudo isso nunca passou de verdadeira utopia, porque várias preocupações básicas invariavelmente ficaram sempre sem respostas. Mais do que as matérias de fundo como o investimento nas infra-estruturas que tornam atractivos os destinos turísticos, o Governo jamais explicou como previa aumentar o fluxo de turismo externo, se países com potencial de ‘exportação de turistas’, ainda que os conhecidos turistas de negócios, encontravam barreiras quase intransponíveis para terem acesso a vistos. A comparação levantada pelo embaixador francês, Sylvain Itté, na citada entrevista, não poderia ser, aliás, mais esclarecedora, ao exemplificar que, em certos casos, a entrada de um francês a Angola poderia ficar mais de 10 vezes acima do que paga o angolano para entrar em França, só em encargos com vistos. Definitivamente, isto não ajuda. Como não se percebe o imbróglio que se pode ler na página 10 desta edição. Não se compreende a possibilidade de existir um acordo sobre vistos entre dois países que uma parte exibe e a outra desconhece. É uma matéria excessivamente elevada e sensível, no âmbito das atribuições diplomáticas do Estado, para a hipótese de ter sido tratada com incompreensível leviandade.

Ainda bem que os novos sinais sugerem a correcção dessa perspectiva com que o Governo concebeu a concessão de vistos até ao momento. Com a evolução dos contextos, a narrativa da salvaguarda de supostos interesses estratégicos não pode descompensar a necessidade da abertura do país, em nome do impulso na economia. Isto passa pelo obrigatório entendimento dos angolanos de que a África do Sul não é o Congo Democrático. Esperemos então que Angola torne imediatamente as coisas claras, depois da oficialização da nossa ‘entrada livre’ na Terra de Mandela’ por parte dos sul-africanos.