ANGOLA GROWING
Editorial Editorial

Editorial Editorial

A narrativa segundo a qual as eleições constituem a festa da democracia talvez não se aplique a Angola. Não este ano. Alguma honestidade e noção do que nos rodeia, ou do que nos permitimos rodear deve, se calhar, incutir-nos alguma vergonha na cara. É de alguma arrogância a assumpção de que o está em festa. Teremos motivos para celebrar? Começou a desenhar-se como uma festa.

O país estava engalanado, preparado para celebrar um momento que se esperava épico: a manifestação da vontade popular. As autoridades fazendo de anfitriões, cinco partidos e uma coligação na pele de convidados especiais e uns 9 milhões e tais de seres como os principais participantes. Os últimos até saíram-se muito bem. Responderam ansiosos ao convite e portaram-se à altura no salão de festas. Mas alguém, não se sabe bem quem, decide alterar o momento com manobras com as quais consegue decepcionar e espantar os principais presentes. A analogia termina aqui porque a situação é mesmo real.

No momento em que se declara o vencedor, sobressai o clima pesado que também é de alguma tensão, de incerteza que revela medo, de apreensão que também revela surpresa. É nessa passada que sobe de tom a segunda versão da narrativa, que se diferencia da primeira pelo seu carácter arrojado e algo irresponsável: o país está em paz, portanto tenham bastante cuidado com quem pretende lançar o país para um novo clima de instabilidade. Para um novo conflito militar. Uma narrativa que incute medo à sociedade, juntando-se ao quadro uma providencial demonstração de força, como se em estado de sítio estivéssemos.

Deslocaram-se unidades polícias, e até militares (!) para pontos estratégicos das zonas de maior movimentação populacional. Na tarde de quarta-feira, numa altura em que os vencedores estariam a dar sonoras urras e vivas em merecidas celebrações, e os vencidos demonstrariam algum conformismo, escolas encerraram mais cedo; escritórios passaram à fase de implementação de planos de contingência, entretanto revistos e afinados na sequência das reiteradas brincadeiras dos alarmistas.

Era o resultado palpável da política de medo incutido às massas, não se sabendo se por inspiração de uma qualquer suposto pensador que, numa manhã, certamente na falta de algo responsável em que se concentrar, levantou-se e cunhou a ideia que aconselha a que os cidadãos sejam, preferencialmente, controlados pelo temor.

E para coroar a propaganda infernal e anti-país, lançam-se panfletos dos céus que, em bom rigor, nada mais fazem do que aumentar o receio de que as diferenças políticas podem, afinal, dar lugar a demonstrações musculadas. Como qualificar o que se assistiu na manhã desta sexta-feira? Como conceber que aqueles de quem se espera um sentido de Estado, porque representantes do Estado são, de forma reiterada e sistemática desfazem-se em apelos de que o país poderá, afinal, estar em chamas?

A oposição reclama e apresenta o que diz serem provas de injustiças eleitorais.O poder dramatiza, barafusta e até insulta. Ora, como vencedor, talvez fosse do seu maior interesse esperar, e até apelar, para que essas contestações encontrem o melhor acolhimento possível e sejam esclarecidas quanto antes.

É facto, o país não pode estar refém desses desentendimentos mas não, os angolanos não precisam de ouvir disso dos políticos e legisladores. Esperam, sim, que estes se portem de tal forma a que possam celebrar. Não terão grandes motivos para o fazer.

O anúncio de que o Supremo Tribunal do Quénia anulou os resultados das eleições presidenciais naquele país e ordenou a repetição do pleito, adensou o debate em Angola sobre a crise em torno das eleições de 23 de Agosto.

Tal como os angolanos, os quenianos lamentam a sorte a que são agora sujeitos, depois de cumprirem o seu dever cívico de maneira exemplar, com o qual esperavam contribuir para o reforço das suas instituições. A comparação é inevitável.

Enquanto o país do ocidente de África realizou as presidenciais directas, Angola votou nas segundas eleições parlamentares ancoradas na Constituição de 2010, que devem indicar o próximo Chefe de Estado e 220 deputados ao parlamento. Lá e cá, as reclamações da oposição iniciaram muito antes da votação mas adensaram-se logo a seguir ao voto, com a oposição queniana centrando o seu alvo no processo que levou àquele momento decisivo.

Em Angola, o cerne parece residir no apuramento de milhões de votos que a UNITA e a CASA-CE, as principais inconformadas, acreditam estar a decorrer de forma sonegada e fraudulenta. A comunicação que não passa entre a CNE e as duas principais forças da oposição ameaçam adensar o impasse eleitoral, sendo certo que nem o anúncio dos resultados finais do pleito, em princípio nesta quarta-feira, não deverá pôr fim a este cenário.

Pelo contrário. A julgar pelos pronunciamentos, nota-se a esta altura que um e outro lado estão, providencialmente, a contar espingardas para próximos dias, pois sabe-se que a oposição pretende ir o mais longe possível nas suas contestações. Supunha-se que a intervenção do Tribunal Constitucional pudesse proporcionar algum degelo, mas assim não está a ser.

O órgão que faz de Tribunal Eleitoral indeferiu, esta semana, o pedido de impugnação dos resultados apresentados pela CASA-CE, no que terá sido apenas o primeiro de uma série de medidas extremas, mas legais, para fazer prevalecer a sua razão.

A única coligação eleitoral em Angola alega que nenhum mandatário da oposição assistiu ao apuramento e escrutínio e nem recebeu cópia das actas produzidas, conforme determina a Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais.

A CASA-CE ajunta que os resultados não podem ser considerados válidos porque a divulgação dos resultados nacionais apenas é possível à medida que a CNE for recebendo os dados fornecidos pelas comissões provinciais eleitorais.

O TC desvalorizou esses e outros argumentos e chancelou a conduta da CNE, bem como dos seus resultados provisórios. Consta que a UNITA também pretende apelar pela anulação dos resultados, sendo que estará apenas a cobrir os flancos que Rui Ferreira detetou na petição de Abel Chivukuvuku.

Ou seja, prepara-se melhor para anular o contra-ataque… Na balança dos prós e contras, salvaguardada a necessária equidistância e equilíbrio de avaliação, claramente sobressai a realidade de um país refém dos desentendimentos dos políticos, legisladores e equiparados que ameaçam ensombrar o corolário de todo o processo.

Sendo pouco provável que a CNE claudique ou que a oposição lance a toalha ao tapete e admita a lisura nas percentagens de votos que a primeira lhe atribui, será justa conclusão de que o impasse está aí para durar, sabe-se até quando.

Daí, também, ser avisado antever já a atitude dos inconformados quanto à tomada de posse do novo Chefe de Estado. Irão boicotar? Provavelmente. Vamos lembrar que em 2012 Isaías Samakuva recusou o convite para se deslocar ao Memorial Dr. Agostinho Neto e so muito a custo A. Chivukuvuku o fez.

É pouco provável que tal se viesse a verificar-se no parlamento. Ainda assim, ficaria a imagem de uma classe que não conseguiu alcançar um entendimento ´básico´ e transportou falta de bom senso para um momento que, por definição, deve representar a união em torno de um objectivo maior, que é a estabilidade do país e o foco em outras prioridades nacionais.

Na noite de 24 de Agosto, influentes meios de comunicação internacionais faziam raras referências elogiosas sobre Angola. A realização de eleições pacíficas no país da África Austral rico em petróleo, que procediam uma campanha eleitoral também sem incidentes de monta, dominavam as notícias de canais de televisão, rádios e jornais um pouco por todo o mundo.

E havia um motivo para tal. A acalmia que se verificava às primeiras horas desse dia demonstrara a determinação de milhões de angolanos pelo civismo e bom senso.

O ambiente de claro pacifismo continuou até à hora do fecho oficial das urnas, sem que se reportassem incidentes decorrentes de ânimos e emoções mal dominados. Propensa, por definição, em destacar aspectos negativos num continente em que processos eleitorais acabam, bastas vezes, em sublevações e jorrar de sangue, a grande mídia ia destacando o positivo da votação nas suas actualizações noticiosas, enquanto conjeturava sobre os possíveis resultados e a certeza de que a votação marcava o fim da era de José Eduardo dos Santos.

O início da noite reconfirmou o bom comportamento popular, mas marcou também o início de uma espera angustiante, uma vez que a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) decidiu começar a divulgar os resultados provisórios mais de 24 após o encerramento das urnas.

Como era expectável, os primeiros resultados trouxeram contentamento para alguns e manifestações de desagrado para outros tantos. Os números expressivos com que o MPLA e o seu candidato levavam de vantagem a oposição foi motivo bastante para a contestação em bloco.

A Oposição e um conjunto de comissários da CNE demarcaram-se dos resultados. Estava instaurada a névoa sobre o processo eleitoral versão 2017. Era o desenrolar de um episódio há muito anunciado, o confirmar de declarações, apelos, ameaças e advertências de que a lisura do mesmo estava em causa por isto e por aquilo.

Chamemos às contestações a crise das actas, sendo de lamentar que 2017 confirma a triste tendência dos pleitos angolanos que remonta de há 25 anos.

Foi assim em 1992, assistiu-se ao mesmo em 2008, confirmou-se a tendência quatro anos depois e aqui vamos nós, confirmando tantos déjà-vus quanto a ciência pode explicar. Não nos caberá a nós apontar o dedo, mas assiste-nos, certamente, o direito e o dever de apelar ao bom senso de parte a parte em que prevaleça o diálogo entre a CNE e a oposição.

Ora, se o órgão reitor está seguro de que os resultados anunciados correspondem ao que os eleitores depositaram nas mais de 25 mil urnas por este país, que se cruzem com as actas em posse da oposição e se providencie à esta toda a informação possível e razoável. Simples assim.

De que valerá ao país – e não ao ego político de organizações – arrastar a crise pós-eleitoral para um cenário em que prevalecem as desconfianças e um difuso ´sentido de Estado´, assente este numa postura taciturna e carrancuda de não esclarecimento? Que se entendam os homens.

Que se converse e se chegue a consensos. Que resolvam e façam a vossa parte, em prol da democracia e da imagem e reputação do país já chamuscada, mas, acima de tudo, do respeito por milhões de angolanos e angolanas disciplinados que souberam cumprir a sua parte de forma magistral. Que se respeite o soberano.

21 Aug. 2017

Todos ao voto

A trajectória de construção da democracia, em Angola, acumula um preço pesado. Um custo económico, mas sobretudo político e social. Mas este ónus não é exclusivo do processo angolano. Nos registos da história dos nossos tempos, não há memória de casos em que a fase inicial da implantação do pluralismo tenha ocorrido apenas com beijos e abraços. Das Américas à Europa. E da Ásia a África. Houve sempre um custo que, invariavelmente, incluiu o lado mais negro da disputa pelo poder: as guerras. E, consequentemente, a perda de incalculáveis vidas humanas.

Angola já passou por tudo isso. Depois da tentativa falhada de 1992, com o subsequente retorno a guerra, a paz teria de surgir. Para trás ficou o custo até hoje incalculado, porque, em rigor, não há como estimar o preço de centenas de milhares de vidas humanas. Mas também de infra-estruturas económicas e sociais. Para nós, este foi o preço da democracia.

Mas, hoje, a dois dias do quarto acto eleitoral na história do país, interessa, sobretudo, olhar para frente. E perspectivar o futuro implica, em primeira instância, responsabilizar os políticos. A começar pela necessária garantia da estabilidade no ‘day after’. O que se espera, no momento imediato às eleições, é que Angola prossiga. A sorte do país não pode voltar a ser ditada num acto eleitoral. O que é desejável é que o discurso da vitória dos angolanos não seja apenas uma retórica de campanha. O reconhecimento dos resultados por parte dos candidatos será, portanto, fundamental.

As irregularidades que ocorreram ao longo da campanha são inegáveis. Mas, como admite a opinião geral, salvo a famigerada cobertura desproporcional dos órgãos públicos a favor do partido no poder, o conjunto dos incidentes não vai ao ponto de afectar globalmente o processo. O passivo da campanha não deve servir, portanto, como argumento suficiente para uma eventual contestação dos resultados. Como dizíamos noutra oportunidade, a defesa da estabilidade implica a recusa da contestação irresponsável e infundada. Mas também o repúdio da batota descarada. A explicação é simples e leva-nos de volta ao histórico.

Nas contas da população, o preço da democracia, depois dos últimos dois processos, jamais poderá incluir a banalização da vida, muito menos o retrocesso económico e social. Afinal, o país está acima de qualquer partido e de qualquer candidato.

O que falta é o apelo ao voto. Os órgãos de comunicação social não são alheios ao processo eleitoral. Em princípio devem tomar partido a favor dos eleitores. Por isso, aqui fica também o nosso apelo. No dia 23 que todos se dirijam às urnas eleitorais. Porque é sempre mais confortável e legítimo reclamarmos contra um processo do qual não nos desfizemos por vontade própria.

14 Aug. 2017

Ode à bagunça

O MPLA escolheu o lema, que para todos os efeitos, sumariza a obrigação fundamental de qualquer governo que se siga às eleições do próximo 23 de Agosto. Se é verdade que “qualquer partido que vença terá de ser inclusivo”, como sinalizou Abel Chivukuvuku, em recente entrevista ao jornal ‘Nova Gazeta’, não é menos verdadeiro que, em teoria, qualquer candidato vencedor deve “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”, como sentencia o partido de João Lourenço.

E sobre corrigir o que está mal, há tudo que se lhe diga.Parte essencial desse trabalho passará, por exemplo, pela fortificação da função reguladora das instituições públicas. As instituições reguladoras, de uma forma geral, precisam de ser reposicionadas nos respectivos papéis de regulação e percebidas como verdadeiras autoridades de Estado, cujas orientações devem ser de cumprimento obrigatório. De outra forma, é o país que, no conjunto, continuará a ser adiado. Veja-se o caso do ‘braço de ferro’ que opõe o Banco Nacional de Angola (BNA) à banca comercial, a propósito do incumprimento da proibição de cobranças pelos serviços mínimos.

A atitude da banca nessa ‘briga’ é, no mínimo, bizarra, na ausência de uma adjectivo mais adequado. Como lembra consecutivamente o VALOR, nas últimas duas semanas, o BNA determinou, em Março deste ano, que os bancos deixassem de cobrar por serviços mínimos. Entretanto, a maioria dos bancos fez ouvidos de mercador, ignorando olimpicamente a autoridade reguladora. As cobranças por cheque, cartões multicaixas e outros continuam.

Mas o máximo da demonstração de força por parte dos bancos foi ainda mais assustador. Pior do que a continuação das cobranças, houve bancos que se arrogaram ao ponto de actualizar as taxas dos serviços mínimos, após a proibição pelo banco central. Até no imaginário é impossível ultrapassar tamanha desobediência.

Mas essa atitude da banca tem o condão de recordar vergonhas, às vezes, esquecidas. Ao colocarem frontalmente em causa a autoridade do BNA, entre outros recados, os bancos sinalizam que, em última instância, não é o regulador que manda.

O problema é que, com isso, saem todos chamuscados na fotografia. Os bancos ficam catalogados como sujeitos adversos à ordem e indisponíveis a ajudar para a reafirmação de um sistema financeiro que, nos últimos anos, se descredibilizou em toda a sua extensão.

O BNA leva por tabela, porque, ao revelar-se incapaz de colocar a banca de sentido até em processos menos complexos, alimenta a cepticismo sobre a sua própria aptidão para reformar-se e para voltar a colocar o sistema financeiro nos carris das finanças mundiais.

É fácil pensar que, para qualquer operador externo, será mais difícil acreditar num banco central que é simplesmente ignorado pelas entidades que regula. O que há a corrigir, no pós 23 de Agosto, é este ‘estado de coisas’.

Se os operadores não reconhecem autoridade suficiente no regulador, a ‘violência legítima’ do Estado tem de ajudar na imposição de regras. E não é de outro sítio, senão do poder político que os reguladores esperarão por esse apoio institucional.

Porque hoje, mais do que uma ode à bagunça no sistema financeiro, a insubmissão da banca é uma metáfora ao ‘estado de sítio’ sobre o qual repousa a retórica da mudança, reivindicada até pelo partido da situação.