Editorial Editorial

Editorial Editorial

12 Feb. 2018

ALERTA VERMELHO

O avanço do desemprego é uma das expressões mais dramáticas da crise. Todos os dias sucedem-se, à velocidade da luz, notícias de trabalhadores que são mandados para casa. Sem apelo, nem gravo. Há sectores que foram completamente devastados, mas não há um único que tenha ficado imune. A rotina instalou-se desde a segunda metade de 2014. E porque o Instituo Nacional de Estatística continua por se debruçar sobre o emprego e o desemprego, faltam estatísticas que mostrem a dimensão real ou aproximada do problema. As empresas fazem contas soltas e os sindicatos, de tão rotineiros que se tornaram os despedimentos, perdem-se nos números.

Para quem tem a necessidade de se referir a números, a solução é o impossível exercício de extrapolações, através de exemplos como o que chega esta semana da SISTEC.

Como noticia o VALOR, com declarações do presidente do conselho de administração desta que é das primeiras empresas angolanas a inaugurar a economia de mercado, a SISTEC já contabiliza 700 funcionários despedidos desde o início da crise. E Rui Santos teve o cuidado de avisar que as coisas ainda podem piorar, caso o mercado não reaja de forma positiva. O que diz o presidente da SISTEC não é diferente do que repete a maioria esmagadora dos empresários, senão todos. E quando os empresários se referem à necessidade da reacção positiva do mercado, não deixa de haver nisso um recado explícito ao Governo. E não faltam razões para que assim seja.

Em muitos agentes económicos, paira a convicção de que o Governo ainda não ultrapassou completamente o período de campanha. Há o entendimento de que algum tempo e energia continuarão a ser desperdiçados em assegurar-se o apoio popular do que propriamente em concentrar-se na procura de soluções para as questões de fundo. É disso exemplo a forma como certas iniciativas do Governo, apresentadas como decisivas à minimização dos efeitos da crise, vão sendo relegadas aos poucos para o esquecimento. É disso exemplo o facto de o Governo ter apresentado uma agenda reformista de curto prazo absolutamente impossível de concretizar em uma legislatura, como o fez com o imenso Plano Intercalar. E por que razão não arrolar aqui as ambições do Governo em arrecadar milhões com a venda de crédito de carbono, quando o único projecto certificado para o efeito não é capaz de apresentar um relatório auditado? E quando os outros projectos potenciais, como o Angola LNG e a hidroeléctrica de Cambambe são declarado e reconhecidos por especialistas como inviáveis? Mas há outros exemplos que chamam o Governo a olhar para a governação de forma mais realista. O aviso da Moody´s que prevê baixar ainda mais o risco de crédito do país pode encaixar-se aqui, porque, apesar do discurso contrário, o Governo parece ter sido apanhado de surpresa. Aparentemente o Governo terá subestimado o peso que as suas medidas, especialmente no plano cambial e monetário, teriam sobre a percepção dos mercados. Não houve propriamente falta de alertas.

05 Feb. 2018

Novos voos?

Depois de várias vezes antecipado pelo VALOR, fonte governamental confirmou finalmente que o Ministério dos Transportes já tem em mãos a empresa que vai gerir as rotas domésticas. O que se sabe, até ao momento, sobre os pressupostos que orientaram a criação da empresa são, para já, informações que animam. Apesar de o processo requerer a autorização formal do Presidente da Repú-blica, a fonte deste jornal garante que João Lourenço deu instruções prévias. A mais importante foi a de que a nova companhia teria de contar necessariamente com o envolvimento do sector privado. Essa preocupação especial de João Lourenço ficou salvaguardada, de tal sorte que a proposta que o Presidente da República deverá aprovar inscreve uma parceria público-privada.

O que há a destacar aqui é o facto de o Estado sinalizar a quebra de uma tendência crónica de assumir a gestão e investimentos em projectos condenados à nascença. A presença do sector privado, em termos teóricos, e face às exigências conjunturais, promete uma gestão mais profissional, assente nas exigências do mercado e virada para a lucratividade. Mas tudo isso, a julgar pelo histórico do próprio sector privado, não passa de meras formulações teóricas. A presença de agentes não estatais na nova companhia não é, por outras palavras, uma garantia por si só de viabilidade do negócio. Como lembramos também esta semana, o Instituto Nacional de Aviação Civil passou a ter, na sua base de dados, várias empresas que, além do nome, nada mais lhes resta. Todas com o dedo do sector privado. É certo que a falência dessas empresas não se explicou apenas pela má gestão. Em bom rigor, o que não existia também era mercado que as suportasse.

Hoje, a conjuntura está alterada, de modo que os factores decisivos para que essa nova experiência do Estado funcione têm que ver com aquilo que ainda não se sabe. Ou com aquilo que ainda não está determinado. Por exemplo, não se pode saber, para já, que garantias haverá de que o envolvimento dos privados venha a ser um processo com lisura e transparência. Não se sabe se, à luz dos novos tempos, os privados serão submetidos a concurso ou se serão cooptados com base em lógicas de interesses próprios e de afinidades. Não há por enquanto informações que nos permitam assegurar que a competência e o mérito se vão sobrepor às preferências pessoais. Há que aguardar, naturalmente, que as decisões desfaçam as reticências, com a mesma clareza com o que o Brasil exige agora transparência a Angola, para equacionar a possibilidade de novos empréstimos.

29 Jan. 2018

PREÇOS E PÁTRIA

Pelos vistos, os governadores do Banco Nacional de Angola gostam de apelar ao patriotismo, quando são confrontados a ceder às evidências. Em 2015, ao identificar os culpados pelas dificuldades no acesso às divisas, o então governador José Pedro de Morais resolveu comprar briga com os bancos, a meio do primeiro e único ano do mandato. Morais acusou, na altura, os bancos comerciais de responsáveis pelo desaparecimento do dólar no circuito formal, insistindo que estes tinham divisas e que não se compreendia o lamento das empresas e das famílias. Os bancos naturalmente ripostaram sempre, devolvendo a bola ao regulador. O clima chegou a atingir alguma tensão, com trocas de acusações públicas. Quem teve de refrear os ânimos teve de ser o próprio governador, reconhecendo, em Agosto desse ano, que o problema não estava nos bancos, mas antes na escassez de recursos em moeda externa, como resultado da crise do petróleo. A esse reconhecimento Morais acresceu o apelo ao patriotismo das famílias e das empresas no sentido de estas ajustarem as suas necessidades à conjuntura. Não resultou.

Agora, foi a vez do novo governador José de Lima Massano. Mal anunciou alterações na política cambial, com a suposta liberalização da taxa de câmbio, Massano foi avisado que, no curto prazo, a medida descompensaria excessivamente alguns equilíbrios desejáveis no plano macroeconómico e social. Não tardou para as consequências virem ao de cima. A ameaça de depreciação do kwanza, com impacto grave na inflação e consequentemente na perda do poder de compra, tornou-se o ‘pão nosso de cada dia’. Os receios de instabilidade social séria, motivados pelo agravamento do empobrecimento das famílias, passaram a ser mais do que fundados. Massano não teve alternativa. Decidiu recuar, com ajustes no regime da taxa, definindo um limite material de 2% como margem dos bancos sobre o valor da aquisição das divisas no mercado primário. Em teoria, o Banco Central volta a retirar dos agentes económicos o ‘livre arbítrio’ na formação do câmbio, o que garante algum controlo administrativo na manutenção de algum valor do kwanza.

Mas as novas mexidas não avançaram, sem antes o governador do BNA lançar um valente apelo ao patriotismo dos agentes económicos. Na análise de Massano, as subidas generalizadas dos preços que ocorreram até ao ano passado foram suficientes para suportar o impacto das actuais depreciações consecutivas do kwanza, pelo que novos aumentos não são aceitáveis. Não é difícil perceber em como essa justificação de Massano passa completamente ao lado do entendimento dos agentes económicos. Em primeiro lugar, porque a interpretação do governador ignora o facto de, em termos agregados, o kwanza ter recuado cerca de 38%, face ao euro, só ao longo do mês de Janeiro. Ao sair de 184 kwanzas por euro, em 29 de Dezembro de 2017, para 253 kwanzas por euro até à última sexta-feira.

Não se trata, portanto, de uma derrapagem qualquer. Em segundo lugar, porque o governador ignora o factor psicológico no comportamento dos agentes económicos. A custa do ‘conforto’ das reservas internacionais líquidas, desde há muitos anos que o kwanza não enfrentava uma ameaça tão avassaladora de derrapagem. Era inevitável o medo de quem vende e o de quem compra. Por isso, tal como ocorreu no passado recente, é muito improvável que o patriotismo fale mais alto.

22 Jan. 2018

O PAÍS REAL

O Presidente da República esteve no Parlamento, na semana passada, para fazer o discurso mais realista desde que foi investido no cargo. João Lourenço optou, desta vez, por assumir um quadro mais próximo daquele que a generalidade dos observadores vem pintando há vários meses. Numa única frase, Lourenço deixou cair por terra a ideia de país “melhor” em 2018 que vendeu, pelo menos, até ao discurso de fim de ano. Talvez por isso mesmo – pelo valor simbólico desta reviravolta na narrativa política – tenha optado por assumir pessoalmente a tarefa de oferecer o verdadeiro ‘presente’ que os angolanos esperam neste ano.

A todos os níveis foi, indiscutivelmente, a atitude mais correcta do Presidente. Vender gato por lebre, numa altura de verdadeira aflição, colocaria a bonança ao alcance de curto prazo, o que seria necessariamente contrariado pela realidade económica, levando à frustração colectiva. Ao apresentar o verdadeiro país que se espera em 2018, o Presidente da República, pelo menos em termos psicológicos, prepara os angolanos no sentido de que, não tendo convidado formalmente o Fundo Monetário Internacional, o próprio Governo levou a tesourada ao limite do suportável.

O primeiro sinal chegou antes da aprovação do Orçamento, com o BNA a optar por deixar o mercado definir a taxa de câmbio, numa altura de forte escassez de divisas. As consequências eram óbvias. Perdas de valor consecutivas nos mercados formal e informal. Para as famílias, especialmente as mais desfavorecidas, o poder de compra ultrapassa as fonteiras do miserável, já que conta com a agravante de resolver a vida no mercado informal, onde as regras mudam ao sabor do vento.

Mas isso não era tudo. Ao já impossível confronto com o disparo generalizado dos preços, o Governo anuncia um plano de manutenção dos cortes progressivos em bens hoje de primeira necessidade, entre os quais a eletricidade e os combustíveis. Não podemos deixar de incluir no pacote da ‘austeridade’ as ideias do Governo de tornar ainda mais eficaz a pressão sobre os contribuintes, em matéria de arrecadação de impostos. Tudo isso combinado jamais poderia dar num 2018 melhor do que foi o 2017. Se a médio prazo se espera pelos primeiros resultados deste conjunto de ajustamentos de políticas económicas e macroeconómicas, 2018 tem de ficar necessariamente fora do pacote ‘anos maravilha’.

O que se espera, em termos imediatos, é o aprofundamento da pobreza das classes mais desfavorecidas e o afunilamento do embrião de classe média que se vem formando nos últimos anos. Com a miserabilização dos rendimentos, compreendem-se os receios dos que temem pelo pior. Sobretudo porque a convicção do Governo em relação à protecção dos mais desfavorecidos, face ao seu plano de austeridade, não irradia confiança nas populações. E não é apenas pela percepção da ausência de soluções mágicas. É também pelo facto de o próprio Governo não conseguir explicá-lo (esse ‘projecto’ de protecção aos mais desfavorecidos) de forma convincente.

15 Jan. 2018

Bons exemplos

O Ministério da Agricultura e Florestas anunciou a alteração das regras de exportação de madeira, com o objectivo de garantir que o dinheiro das vendas entre, de facto no país. No essencial, a partir do próximo mês de Maio, quem quiser exportar madeira terá de comprovar, previamente, em como a mercadoria foi paga pelo importador. A decisão junta-se, no fundo, ao conjunto das medidas que vêm sendo tomadas no sentido de diversificar as fontes de divisas para o país. É, por isso, uma decisão, no todo, acertada e que deve ser necessariamente replicada em vários outros sectores e/ou produtos.

As rochas ornamentais são dos exemplos mais flagrantes. Tal como a madeira, o mármore e o granito, só para citar estes, tornaram-se num dos alvos preferenciais dos exportadores nos últimos três anos. Mas o que atraiu os empresários para as rochas não foi propriamente a motivação pelo lucro. Foi antes um dos caminhos encontrados para se contornar o bloqueio no acesso às divisas no mercado interno. Os dinheiros resultantes dessas exportações ficavam, por conseguinte, no exterior.

Na era Valter Filipe, o Banco Nacional de Angola declarou-se atento ao problema e anunciou rondas de diálogos com os exportadores para, de forma pedagógica, incentivá-los a trazer as divisas ao país. E, em jeito de garantias, assegurou aos empresários que os bancos receberiam ordens para que permitissem o acesso livre às divisas a quem trouxesse o dinheiro para casa.

Passado aproximadamente um ano, o Banco Nacional de Angola não voltou a pronunciar-se sobre a efectivação das regras, muito menos sobre o impacto que eventualmente tal orientação terá produzido sobre o esforço de captação de divisas.

Seja como for, com o já referido exemplo do Ministério da Agricultura e Florestas, é seguramente o momento para se voltar a verificar todas as potenciais oportunidades. A verdade é que a crise cambial aguçou o engenho. De modo que os ‘esquemas’ de exportação para se deixarem lá fora divisas que deveriam ter entrado no país foram além das rochas e da madeira. Quase tudo o que se exporta entrou nas contas.

Mas, como já prometido no passado, é razoável que quaisquer medidas no sentido de pressionar os empresários-exportadores tenham as devidas contrapartidas. A mais óbvia é, de facto, a garantia de que quem exporta acede aos seus recursos em moeda externa de forma privilegiada. Em tempo de crise, não faz qualquer sentido situar em igualdade de circunstâncias o empresário que coloca divisas no país com a sua actividade exportadora e o outro que depende exclusivamente das reservas em moeda externa do Banco Nacional de Angola. Entre todos os argumentos possíveis, é também uma questão de justiça.