Editorial Editorial

Editorial Editorial

26 Mar. 2018

IINTERESSE ALHEIO

Elizabete dos Santos é o destaque absoluto desta semana. Entre outras razões, incluindo a sua distinção no universo empresarial, porque nos oferece uma entrevista que levanta reflexões estruturantes sobre o impacto negativo de várias medidas que são tomadas hoje. Uma dessas medidas é, sem dúvida, a alteração à lei do investimento privado que desobriga a participação angolana nos negócios abertos com o capital estrangeiro.

Não sendo uma discussão fácil, face aos prós e contras que lhe são próprios, os argumentos da empresária nos parecem mais alinhados com aquilo que ela própria designa de “realismo político, económico e social”. E os factos aqui são muito claros. O raciocínio que determinou a presença obrigatória de nacionais no capital estrangeiro é indiscutivelmente proteccionista. Foi a constatação de que os angolanos não tinham e não teriam condições de aproveitar as oportunidades no país, se a abertura aos estrangeiros fosse total. Foi o entendimento teórico de que, uma vez aliados à experiência estrangeira, ocorreria a transferência de competências que permitiriam, numa fase posterior, alguma competitividade aos angolanos. E tudo isso ocorreu com o entendimento de que haveria, pelo menos, dois riscos inevitáveis. O primeiro era a aversão dos interesses estrangeiros, que justificaria a hesitação e até mesmo a fuga do capital destes. O segundo era mais uma porta que, potencialmente, se abriria ao estímulo à corrupção.

Hoje, verdade seja escrita, os receios confirmaram-se como se esperava. O capital estrangeiro desculpou-se várias vezes que não entrava em Angola por causa das excessivas barreiras no país, com destaque para a obrigatoriedade da partilha do negócio. Muitas vezes, essa ‘desculpa’ contou abertamente com apoiantes de peso, sobretudo de diplomatas do mundo ocidental, representados no país. Para os sucessivos embaixadores dos Estados Unidos, por exemplo, era dos recados predilectos às autoridades angolanas: era preciso renunciar à abertura completa aos investidores estrangeiros. E a corrupção, claro, como se suspeitava, foi arrolada entre os males que a exigência da coabitação entre angolanos e expatriados estaria a promover.

Precisamente por causa destes dois argumentos, o Governo cedeu, na crença de que resolverá simultaneamente a entrada de dinheiro e o combate à corrupção. E aqui coloca-se o problema. Os argumentos que anteriormente justificaram o proteccionismo mantêm-se válidos. Os angolanos não têm capital, logo não estão na menor condição de competir com a força do capital estrangeiro. Os receios de Elizabete Santos são, por isso, mais do que fundados. O risco de caminharmos para um monopólio estrangeiro é mais do que efectivo. A riqueza gerada na economia está pronta para ser verdadeiramente controlada por interesses que nos são alheios.

Não era, portanto, o momento de ignorar o contexto político, tão-pouco a realidade económica. Existe uma caminho alternativo e de equilíbrio que simultaneamente protege os interesses verdadeiramente angolanos e os anseios da entrada de capital estrangeiro. Bastava mais um esforço na eliminação das demais barreiras que impedem o investimento. Mesmo com 30% para os angolanos, Angola manter-se-ia um país atractivo. Há sempre uma maneira de protegermos os nossos interesses estratégicos e estruturantes.

19 Mar. 2018

NOVOS ANARQUISTAS

José Eduardo dos Santos balizou as datas de realização do congresso extraordinário do MPLA, estabelecendo um máximo para lá do prazo prometido para a sua saída da vida política activa. Algumas vozes radicais internas e externas encontram nisso razões suficientes para se deitar o país abaixo, com a defesa do regresso ao caos total. Agarradas sobretudo na desculpa de um alegado recuo do líder do MPLA, essas vozes, dentro e fora do país, vomitam intempéries de ódio e apelam explicitamente para banhos de sangue, extrapolando-se com a irresponsabilidade para lá do intolerável.

A esses novos anarquistas e promotores do caos, primeiramente, é preciso lembrar o seguinte. Aceite-se ou não, o país entrou num processo irreversível de transição política, depois de José Eduardo dos Santos abdicar de concorrer às últimas eleições que lhe valeriam mais um mandato a que teria direito por prerrogativa constitucional. A chegada de João Lourenço ao poder, mesmo sem o controlo do seu MPLA, mais do que confirmar o início da transição, surpreendeu meio mundo que lhe antecipava subordinação ao partido e ao seu antecessor. Os seus actos de governação também não deixam dúvidas quanto à afirmação do seu poder e da sua capacidade de colocar Angola nos novos carris que ele próprio concebeu. Quaisquer forças que, eventualmente, se tenham predisposto a bloquear as ideia de João Lourenço - já está mais do que claro - estão condenadas ao fracasso. A transição política, com efeitos nas demais áreas da sociedade, com a economia em destaque, é, portanto, inegável. A passagem de mãos do ‘controlo remoto’ que, durante largos anos, serviu de principal argumento contra a longevidade do poder de José Eduardo dos Santos está mais do que efectivada. João Lourenço governa exactamente como entende governar.

Estabelecida a sucessão no Estado, não é minimamente aceitável, pois, que o processo de mudanças no MPLA seja desculpa para se colocar em causa a estabilidade de que o país precisa para o progresso que se deseja construir sobre novos paradigmas. Por maior relevância que tenha sobre a vida do país, a transição no MPLA deve ser relativizada, se em causa estiverem interesses que dizem respeito a todos. A defesa da estabilidade é um exemplo. Condicionar as expectativas de todos os angolanos às divergências intestinas no partido no poder, no novo contexto, não só é inaceitável, como é contraditório. Porque implica necessariamente a aceitação, nesses novos tempos, do MPLA como o partido-Estado. E porque os anarquistas são os mesmos que, volta e meia, se assumem como os arautos da democracia, é preciso, em segundo lugar, que não se esqueçam do seguinte. José Eduardo dos Santos foi eleito presidente do MPLA quase por unanimidade há pouco mais de um ano. Os democratas não se deviam escandalizar, por isso, se o líder do MPLA decidisse levar o seu mandato ao limite. Por fim, não se devem esquecer de outra coisa. O que defendem hoje para João Lourenço é precisamente aquilo que contestavam ontem em José Eduardo dos Santos: a concentração excessiva de poderes, o controlo simultâneo do Estado e do partido no poder, no fundo, o controlo disto tudo.

06 Mar. 2018

A VEZ DE SATURNINO

Quando Isabel dos Santos exonerou Carlos Saturnino de presidente da comissão executiva da Sonangol Pesquisa & Produção, em Dezembro de 2016, apresentou publicamente dois argumentos de peso. O primeiro referia debilidades graves de gestão. O segundo, consequência do primeiro, mencionava que, na Sonangol P&P, se tinham verificado elevados desvios financeiros. Na altura, Saturnino não surpreendeu com a resposta.

Demarcou-se das acusações da administração então liderada por Isabel dos Santos, embora não de forma expressivamente categórica. Na carta dirigida aos colaboradores, que se tornou pública, Saturnino classificava como errada a sugestão que lhe imputava todos os erros do passado cometidos na empresa.

Por outras palavras - e porque a língua aqui não engana - as palavras de Saturnino davam a entender que estaria na disposição de assumir alguns poucos erros na gestão da Sonangol P&P, mas não todos. E apresentou até outra justificação a seu favor, nomeadamente o curto espaço de tempo em que estava à frente da subsidiária: da segunda quinzena de Abril de 2015 à 20 de Dezembro de 2016.

Pouco mais de 20 meses. O problema é que, neste quesito, para efeitos comparatativos, Isabel dos Santos ficou ainda menos tempo no comando da petrolífera pública. Formalmente, a empresária liderou a Sonangol entre Junho de 2016 e Novembro de 2017. Pouco mais de 17 meses. Pelo critério do tempo, colocadas as coisas nestes termos, ninguém seria responsabilizável.

A questão, portanto, é outra. Ao contrário de Isabel dos Santos que se limitou a mencionar, de forma abstracta, práticas de má gestão e de desvios financeiros na Sonango P&P à época do actual PCA da Sonangol, agora nas novas vestes, Saturnino dá o troco com números. Aponta transferências que potenciam matérias criminais e descreve rendimentos privilegiados de um certo número de colaboradores, com os órgãos sociais incluídos, que indiciam desvios de recursos. E faz mais.

Fala de pagamentos para determinados serviços que, ao que se insinua, não terão sido prestados. Independentemente das motivações, dos factos e das prováveis fantasias deste caso, Saturnino fez o mínimo que se exige quando se decide apontar o dedo a quem quer seja. Referiu questões concretas, as quais cabe agora à Procuradoria Geral da República averiguar e informar a população sobre a razão dos factos.

Este sempre foi, de resto, dos maiores passivos na avaliação do desempenho da Justiça, a frustrante ausência de esclarecimento das denúncias que afectaram e afectam gravemente a moral pública. O que interessa relevar, por agora, não é, por isso, a diferença entre o tratamento que a Justiça reservou às denúncias de Isabel dos Santos no passado e o que confere agora às declarações de Carlos Saturnino.

A sabedoria popular ensina que um erro não justifica o outro. Se para a governação se aceita o benefício da dúvida, perante os sinais de uma ‘revolução silenciosa’, o mesmo se aplica à Justiça, porque esta jamais poderia ser uma ilha no país que tivemos e naquele que queremos ter. Se os factos que o PCA de Sonangol apresentou não forem realmente factos, a anterior administração terá a oportunidade de se defender e repor a verdade. Essa é a ideia que se tem de como a Justiça funciona.

26 Feb. 2018

NOVO ALERTA

Há duas semanas, o VALOR deu à estampa que a constituição da empresa público-privada que deverá operar as rotas domésticas estava concluída. E que, mais tempo menos tempo, a empresa entraria em funcionamento, estando apenas dependente da aprovação final do Presidente da República. Esta semana, voltamos ao tema, porque se colocam revelações que levantam dúvidas fundadas.

Genericamente, a constituição desta nova empresa foi justificada pela necessidade de se retirar o ‘peso’ que as rotas domésticas representam no histórico dos maus resultados da companhia aérea de bandeira, a TAAG. De forma expansiva, incluiu-se na justificação a degradação generalizada, caracterizada por falências, do sector da aviação civil doméstica, situação que demandaria por um operador novo, com novas possibilidades e práticas do negócio. O próprio ministro dos Transportes, Augusto da Silva Tomás, calcularia prejuízos acumulados de 30 anos na TAAG. Foi a justificação definitiva para se explicar a necessidade da Angola-Expresso, no formato de empresa público-privada.

Mas, como alertávamos na outra ocasião, apesar da eficiência que, em teoria, os privados conferem à gestão, em detrimento dos actores do sector público, no caso da nova empresa, só seria possível perspectivar um futuro auspicioso se as regras de participação de todos fossem claras, logo à partida. Porque, ao que a experiência demonstra, o factor privado não é necessariamente uma garantia de qualidade na gestão dos negócios, não tivéssemos no sector da aviação e nos restantes ramos de actividade um histórico de falências em catadupa.

Ora, o que as novas informações sugerem reforça, em toda a linha, os tais receios sobre a possibilidade de estarmos, mais uma vez, perante um negócio em que, mais do que o interesse em captar a expertise do privado, se coloca o Estado a alienar milhões a custo zero. Conforme adianta a fonte do VALOR, os operadores privados convidados para integrarem o capital da futura companhia não mostram sinais de possuírem recursos para acompanharem os investimentos do Estado. E só numa primeira fase estão em causa, nada mais, nada menos do que 270 milhões de dólares que serão aplicados na compra de novas aeronaves.

A menos que os próximos desenvolvimentos sobre este negócio tragam informações contrárias, os receios ficam mais do que explicados. Colocar-se o Estado a fazer compras para montar empresas que depois são repartidas com privados é o negócio da sorte de qualquer sonhador de riqueza fácil. A confirmar-se isso, será, na verdade, mais um exemplo terminado de que a vontade política de se corrigir o que está mal não é mais do que uma estratégia de afirmação assente no sacrifício de alvos discriminados.

19 Feb. 2018

O VOTO CONTRA

A Oposição parlamentar demarcou a primeira fronteira expressa, face à governação de João Lourenço. Os contestatários recusaram-se a dar a oportunidade ao novo Presidente da República de se estrear na governação com um Orçamento Geral do Estado (OGE) de consenso. A UNITA votou explicitamente contra. E a abstenção da CASA-CE e dos outros dois (o PRS e a FNLA), na actual conjuntura, está mais próxima do não da UNITA do que do sim do MPLA.

A explicação é acessível. Os primeiros meses de governação de João Lourenço deram à estampa um presidente consensual. Até a Oposição se mostrou rendida aos ‘encantos’ do novo inquilino da Cidade Alta. Declarações sucessivas das principais lideranças da Oposição parlamentar elevaram o inicial benefício da dúvida para a certeza de uma espécie de apoio incondicional ao novo Governo. Tudo aparentemente assente no princípio de que o mais importante era anular o legado de José Eduardo dos Santos. No momento mais decisivo desta fase inicial da governação, a Oposição fez, entretanto, outras contas e retirou o apoio à declarada agenda reformista do Presidente da República, negando-lhe o voto certo no OGE.

É verdade que a postura da Oposição não é determinante. É certo que a recusa da UNITA e pares não impediu a viabilização do Orçamento, face à maioria de dois terços do MPLA. Mas também não deixa de ser simbólica quanto ao resto do que se pode esperar dos próximos confrontos na assembleia. Para a Oposição, a declaração contra o Orçamento significa que o período de graça de João Lourenço chegou ao fim. Prova disso é o argumento central que justificou o voto desfavorável. Grosso modo, a UNITA, a CASA-CE, a FNLA e o PRS acreditam que as prioridades e o ‘modus operandi’ do MPLA na elaboração do Orçamento não mudaram. O sector social, com a educação e a saúde à cabeça, continua com verbas significativamente baixas, se medidas pela sua proporção face às despesas totais previstas no exercício. Esse foi o principal cavalo-de-batalha dos adversários do MPLA. Do primeiro ao último momento em que o documento entrou no Parlamento para ser discutido e aprovado. A outra reclamação hasteada como bandeira tem que ver com os recursos destinados a entidades não públicas, conotadas ao partido no poder. Mecanismo através do qual, alegadamente, se alimentariam as práticas de corrupção e do enriquecimento a coberto dos recursos do Estado.

Resumidamente, no parlamento, tudo se mantém na mesma para já. É o recado expresso no voto contra.

O que também não ata nem desata é o processo que colocou as relações entre Angola e Portugal numa encruzilhada. Por isso, enquanto se espera pelos próximos passos de parte a parte, o VE mergulha nos números dessa relação e mostra o que se coloca, efectivamente, em causa, quando se opta pelo discurso radical.