Editorial Editorial

Editorial Editorial

11 Jul. 2016

FUNDO PERDIDO

Há cerca de duas semanas, o país ficou a saber, de modo oficial, que Angola declinou a ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional, que vem sendo negociada há vários meses. Dizemos oficial, pelo facto de a informação ter sido assumida, publicamente, pelo FMI, porque, do lado angolano, até ao momento, não houve qualquer comunicação formal. De acordo com as declarações do alto funcionário do Fundo que passou a informação, em primeira mão à imprensa norte-americana, as autoridades angolanas optaram por manter apenas as discussões sobre a avaliação económica anual do país, recuando na questão do empréstimo financeiro que se previa atingir até aos 4,5 mil milhões de dólares em três anos, para apoiar o programa de investimentos públicos do Governo.

Apesar das circunstâncias em que ocorreu - pouco depois da última visita da missão de negociação do Fundo a Luanda – a recusa do Governo não devia causar tanta surpresa a analistas e observadores, como causou.

Desde cedo que esteve claro que as negociações estavam ensombradas, sobretudo, pelo futuro político imediato do país, que inscreve eleições gerais no próximo ano. O VALOR até antecipou, de forma esclarecida, este cenário de recuo ainda no mês de Maio, quando avançou, em exclusivo, que José Eduardo dos Santos não estaria interessado em assinar qualquer acordo de financiamento com a instituição liderada por Christine Lagarde. Na altura, o jornal chegou a revelar que, inclusivamente, o pedido de empréstimo teria sido avançado pelo ministro das Finanças, Armando Manuel, sem a autorização expressa do Presidente da República. E as explicações que se colocam hoje foram exactamente as que antevíamos há mais de dois meses.

Ainda que o tema da transparência custe sobremaneira às autoridades angolanas, Angola é incapaz de fundamentar, de forma convincente, a decisão de recuar em relação ao FMI, porque a única explicação que tem parece ser de natureza eleitoralista, o que, obviamente, não serve para justificações formais. E se o ‘trunfo na manga’ for, por acaso, uma alternativa qualquer de financiamento, o mais provável é que o Governo não a assuma de forma pública, pelo menos por enquanto. Porque qualquer solução de empréstimo diferente da do FMI, em termos financeiros, será sempre mais onerosa para o Tesouro nacional. Com os juros da dívida soberana nos mercados internacionais, cada vez mais elevados, por força da deterioração continuada do cenário macroeconómico, ninguém emprestaria dinheiro ao país, nesta fase, que não custasse mais aos cofres do Estado, do que a oferta do FMI. Mas, vale lembrar que, na verdade, não estão em causa apenas custos financeiros. Empréstimos caríssimos e sem exigências, em termos de transparência, na sua aplicação, acabam por ser várias vezes nocivos, porque, além dos custos financeiros, incluem custos da indisciplina orçamental e da gestão danosa. É esse tipo de riscos que, à partida, estariam mais bem prevenidos, se Angola tivesse optado pelo FMI, como o fez em 2009. O impasse fica explicado, portanto, por uma ‘simples’ questão de tempo. Depois das eleições, poderemos assistir ao próximo capítulo desta novela, que poderá trazer de volta o ‘protagonista ajuda financeira’.

04 Jul. 2016

NOVAS REGRAS

O Banco Nacional de Angola (BNA) puniu sete bancos comerciais por incumprimentos de regras cambiais. A lista inclui alguns dos pesos pesados como o BAI e o o Millennium Atlântico, mas também o Keve, o banco Sol, o Caixa Angola, o BCI e o Standard Bank. A informação foi tornada pública na semana passada, de forma oficial, e agitou o mercado, com reacções díspares. Não é difícil perceber o porquê. Não está em causa o valor das multas, até porque, a julgar pelas entidades punidas, os números são qualquer coisa de irrisório. Também não é o simples facto de ter havido sanções, porque, ao que consta, noutras circunstâncias e oportunidades, o banco central já exigiu multas por conta de infracções às regras estabelecidas. O facto novo é a aparente alteração do ‘modus comunicandi’ da autoridade que regula o sistema financeiro. Ao banco central nunca interessou trazer a público as infracções recorrentes dos operadores bancários, postura que muitas vezes contribuiu para a instalação da confusão generalizada. Basta lembrar a troca de acusações entre o BNA e os bancos que marcou o consulado de José Pedro de Morais. Com a crise de divisas instalada, Morais acusou repetidas vezes os operadores de incumpridores e de má fé. As dificuldades no acesso aos cambiais, na versão do anterior governador, eram sobretudo da responsabilidade dos bancos. Eram os tais que bloqueavam os clientes e que os impediam de honrar compromissos com o exterior, incluindo de questões sensíveis como pagamentos de tratamento médico e propinas escolares. Os bancos, claro, contra-atacavam e diziam-se livres de qualquer responsabilidade, devolvendo a culpa ao regulador.

Estranhamente, mesmo com a autoridade supostamente desafiada pelos operadores, ninguém ouviu qualquer punição pública contra quem quer que fosse. Mesmo com a sua idoneidade e palavra postas em causa, o BNA não defendeu a sua honra de forma pública, provando que não era o regulador a faltar com a verdade. E, se por hipótese, a verdade estivesse do lado do ex-governador, mais do que dos operadores, aos olhos da opinião pública, todos eram prevaricadores.

A nova atitude do BNA é positiva, particularmente, nesse sentido. Porque demonstra que há, de facto, vontade de se abandonarem as velhas práticas. Mais importante ainda, deixa o aviso claro de que o regulador pretende e vai usar a autoridade que lhe está reservada. É isso que nunca esteve claro para ninguém. Quem regula interesses e mercados tão decisivos como a banca tem a obrigação material e moral de garantir serenidade e equilíbrios, em especial em contextos de ansiedades generalizadas.

Neste caso concreto das sanções, houve até reclamações de alguns bancos. Ainda bem. Porque o mais importante aqui não é necessariamente a razão do BNA. É a reafirmação do espaço do regulador e a redefinição do papel do operador, com o reconhecimento mútuo de direitos e obrigações concretos. Outros reconheceram os erros, apressando-se, no entanto, a esclarecer a natureza das falhas. Melhor ainda. Porque contribuíram para enfatizar a mensagem de que não é apenas o regulador que está interessado na normalização do estado de coisas. Vamos ver o que vem a seguir.

28 Jun. 2016

A HORA DA VERDADE

José Eduardo dos Santos levou os seus auxiliares ao Moxico, na semana passada, para analisar a economia nacional e local. Foi, seguramente, a deslocação do Presidente da República para o interior mais ‘apertada’, desde 2002. Desde o alcance da paz que José Eduardo não carregava, na bagagem, uma mala cheia de más notícias, sempre que deixou Luanda para ver o que acontecia no resto do país. Até 2008, altura das primeiras eleições legislativas pós-guerra, as bagagens transportavam esperança, veiculada na mensagem oficial da reconstrução de pontes, de estradas, de infraestruturas escolares e sanitárias e na aplicação de investimentos públicos diversos. Protegido pela mediatização do passivo da guerra, o discurso oficial resistia a qualquer crítica, com a mesma firmeza com que desprezava a contestação de quem, no passado, se posicionara ‘do lado errado da história’. Nos quatro anos seguintes que culminaram com as eleições de 2012, nas viagens pelo país, as malas do Presidente continuaram a ser enchidas de uma esperança que, enfraquecida pelo fracasso das promessas de 2008, se aguentava pelo benefício da dúvida, introduzido pela crise de 2009. É desta forma que acabaram ‘desculpados’ , por exemplo, os incumprimentos do programa de um milhão de casas. O factor surpresa da queda abrupta do petróleo, no fim da década passada, serviu de pretexto para o Governo ‘exigir’ remissão, atribuindo responsabilidades à sua condição de inexperiente.

Curiosamente, em 2014, é o mesmo petróleo que volta a colocar em cheque a veracidade das desculpas do passado, com a agravante de ser impossível, desta vez, invocar o factor surpresa tão-pouco a condição de inexperiência absoluta.

É assim que José Eduardo dos Santos, acautelado sobre a invalidade das justificações do passado, optou por abrir a mala, no Moxico, e ofereceu um país gerido “num ambiente extremamente difícil”, com o crescimento da economia a diminuir “drasticamente”.

Mas, desta vez, o pedido de indulto saiu de outra forma. O Presidente pediu “compreensão” para a situação que se vive, porque sabe o que está em jogo. Os cofres do Estado secaram e a Sonangol, num longo intervalo, deixou de produzir ‘ovos de ouro’. Passaram, pelas contas do chefe de Estado, seis meses, sem que a petrolífera pública canalizasse recursos para o Tesouro. Os empréstimos passaram a ser mais difíceis, porque, além dos níveis proibitivos dos juros, há limites legais de endividamento que não podem ser ultrapassados. A ajuda do Fundo Monetário Internacional não é a alternativa aconselhada, nesta fase, porque as eleições se aproximam e o Governo terá de inventar gastos para mostrar alguma obra. Que têm de ir além da requalificação do Sambizanga. Há mesmo muito “trabalho a ser feito, e o mais depressa possível, sob o risco de não cumprimentos de prazos”.

Por enquanto, é impossível estimar até que ponto o pedido de “compreensão” do Presidente foi aceite. Sobra, no entanto, uma certeza. Saber-se-á num momento que está cada vez mais próximo.

Uma das matérias que faz capa desta edição informa sobre uma compra absolutamente estranha do Governo, em tempos de verdadeiros apertos financeiros. Revelou, em primeira mão, a agência financeira Bloomberg que o Governo pagou 400 milhões de dólares a um grupo privado por uma mina de ferro paralisada, na Huíla. Qualquer ponta em que se pegue a história levanta questões incompreensivelmente graves sobre a decisão governamental. Mas duas referências podem ser suficientemente esclarecedoras. Em primeiro lugar, o Governo está com limitações sérias para honrar compromissos básicos, incluindo os serviços essenciais de saúde. A explicação é, claro, o afunilamento das contas do Estado, por conta da derrapagem do valor do petróleo que reduziu para abaixo da metade as receitas públicas. Em segundo lugar, o negócio das minas, e especificamente o segmento das minas de ferro, está em baixa nas praças internacionais e as expectativas de recuperação não são expressivamente animadoras. As contas apontam que, de Abril para cá, a queda do minério de ferro atingiu os 27%, caindo dos 70 dólares por tonelada métrica. Hás duas semanas, o presidente da Ferrangol, numa entrevista exclusiva ao VALOR, lembrava, aliás, que uma das condicionantes ao arranque dos projectos, com níveis de prospecção avançados, é precisamente o preço.

Ora, quer em termos de prioridades, face às alternativas recusadas, quer em relação às condições de mercado, a compra do Governo é, no todo, questionável. A explicação oficial das autoridades está muito longe de desfazer dúvidas. Diz o Decreto Presidencial que justifica a compra que se colocou a necessidade de reestruturação do projecto integrado minero-siderúrgico de Kassinga e Kassala-Kitungo. E acrescenta que o processo é parte da estratégia de intensificação da actividade de prospecção e exploração de minerais. O que o Governo se esqueceu de explicar é em que medida esses objectivos precedem o combate aos vários surtos que, há mais de seis meses, transformaram os hospitais do país em verdadeiros centros de carnificina, por incapacidade generalizada de respostas. Ainda que num prisma diferente, não seria de mais mencionar situações como a que relata o texto que faz a manchete sobre o risco de o país ser confrontado com processos judiciais, fora de portas, por conta de dívidas acumuladas com a realização do Censo Geral da População e Habitação de 2014. A julgar pelos números que apontam valores à volta dos 70 milhões de dólares, faz sentido questionar o custo de oportunidade. Entre resolver um conflito, com o potencial de agravar a mancha do país fora de portas, e oferecer lucros fabulosos a um privado, através de um projecto não prioritário. Em qualquer país normal e numa situação de aperto como a que se vive hoje, qualquer opção de gastos públicos, com rosto do absurdo, tinha de ser obrigatoriamente explicada. E se o Governo não se adiantasse a fazê-lo, estaria aí o parlamento para o exigir. Afinal é eleito, sobretudo, para isso.

A notícia caiu como uma verdadeira bomba. Não podia ser diferente. Não são todos os dias que se lêem números que envolvem a gestão dos processo públicos, na fasquia dos 50 mil milhões de dólares. Sobretudo quando são contas que traduzem perdas de uma gigante como a Sonangol, independentemente das razões envolvidas. A matéria ocupou os espaços principais de informação, nos órgãos de referência. Incluindo na Bloomberg, a maior agência de informação financeira do mundo.

Internamente as reacções foram mais do que descontroladas. Em parte por ignorância perceptível. Alguns dos media angolanos retomaram a informação do VALOR, interpretando-a como rombos aos cofres da empresa. Alimentaram a confusão total. Não há qualquer referência dessas no texto que, entretanto, originou um comunicado de negação da Sonangol. O artigo fala em imparidades técnicas que ocorrem em situações específicas de desvalorização de activos, como explicado nas páginas 18 e 19, desta edição. Mas há outras referências propositadamente ignoradas, por conta do frenesim. O artigo explicava que o processo de apuração das imparidades técnicas havia iniciado em 2012, com o então ministro Carlos Alberto Lopes. Não foi, portanto, o comité de reestruturação que o despoletou. Nas redes sociais, a balbúrdia atingiu o apogeu. No alto da ignorância, alguns internautas preferiram atacar as revelações do jornal, sem o mínimo conhecimento de causa. O espanto era, claro, o ‘tamanho’ do número.

O artigo em que se retoma o tema, nesta edição, dá mais uma ‘ajudinha’ aos incautos. Só o acidente da plataforma CRX SPP provocou perdas agregadas estimadas em cerca de 10 mil milhões de dólares. Muitos dos seguros da indústria custam 50% acima do valor do mercado, quando comparados com os custos nas praças internacionais. Os investimentos da Sonangol atravessam quase todas as áreas estratégicas da economia. E estendem-se pelo estrangeiro, de onde, volta e meia, são reportados prejuízos assustadores. Como os divulgados, na última semana, pela imprensa portuguesa que contabiliza perdas da petrolífera pública angolana a roçar os 1,5 mil milhões de dólares no Millennium BCP.

Mas as memórias não devem ter apagado ainda a denúncia, em 2011, da Human Rigths Watch, baseada num relatório do FMI, sobre o alegado desaparecimento de 32 mil milhões de dólares nos cofres públicos. Foi o próprio Governo que, ao contestar o suposto engano do Fundo, explicou que as discrepâncias podiam ser imputadas, em parte, a operações parafiscais da Sonangol. É uma simples referência que insinua, em absoluto, que imparidades de 50 mil milhões de dólares não são impossíveis na maior empresa pública.

O comunicado da Sonangol vale o que vale. Não é expectável que fosse diferente. Mas aos leitores do VALOR reafirmamos a fiabilidade das nossas fontes de informação, daí o regresso incontornável ao tema. Aos outros sugerimos, à cautela, pelo menos o controlo da histeria da ignorância incontinente, despejada em fóruns públicos... Mas como diz o sapo “isso não é da nossa conta”.